sábado, 28 de fevereiro de 2009

Namorada

Namoro













Arrumava-se com esmero. Calça justa sem parecer uma destas exibicionistas que costumam aparecer em todos os cantos.
Suburbana de Lins, ainda não tinha assimilado as modas e costumes que andam dominando a cidade. Não só aqui no Rio. Qualquer coisa existe que o fato se tornou comum. Perfume discreto, presente dado com carinho.
A blusa branca, fina e de excelente tecido, realçava sua figura esbelta e dava mais beleza à moça simples. Não queria decepcionar de modo algum.
Sapato alto. Olhou no espelho mais uma vez. Não poderia ter obtido melhor resultado. Pernas, quadril, cintura e seios vestidos da maneira exata.
Mais uma conferida no espelho. Será que iria agradar? – pensou.
Rapidamente estava fechando a porta do seu apartamento. Lugar simples, afinal ela era modelo não importante de lingerie. Mas sem dúvida, uma bela mulher! Vinte e cinco anos, cabelos dourados, rosto firmemente apoiado em ossada perfeita, olhos beirando o verde, lânguidos, boca sensual.
Pegou um táxi e rumou para o local do encontro. Um bar da moda, com excelente chope, inclusive o preto. Estava apreensiva, no caminho. Afinal, iria ser a sua primeira vez. Havia um misto de medo e muita timidez. Pensou no que todos diziam, que isto era comum, acontecia sempre.
O trânsito do sábado estava lento. Não a ponto de irritar, mas ela olhava o relógio constantemente. Queria mostrar pontualidade. Ao mesmo tempo, pensava que morar no subúrbio, embora seja mais barato o aluguel, tem seus inconvenientes, como ela estava sentindo no momento. Em breve mudaria para Botafogo ou Flamengo, aluguel em rua não muito importante.
O sinal fechou e um bonito carro parou ao lado. O motorista deveria ter uns trinta ou pouco mais anos. Estava de vidro aberto e olhou firme para ela, falou alguma coisa que não foi entendida, o sinal abriu e todos avançaram.
Quem não iria se impressionar com uma moça daquelas?
Chegou ao seu destino, afinal. Numa cadeira, sentindo-se muito à vontade e bebendo um chope preto, uma linda mulher aguardava a chegada ansiosa da sua nova namorada. Estava contente...

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Paris não é mais uma festa

Café de Flore









Uns trinta e seis, ou pouco mais anos, roupa comum, mas nada vulgar, o cidadão que aparentava tranqüilidade entrou na redação do jornal.
Dia temperado e céu de um azul intenso e transparente, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O ar refrigerado do jornal mantinha a temperatura de vinte e dois graus. Ainda trabalhava na redação; só os mais experimentados e antigos gozavam do privilégio de enviarem suas matérias do conforto da casa ou onde estivessem. Bastava abrir o computador, ver o trabalho a ser desenvolvido, escrever e enviar. O rapaz que chegara à redação ainda não tinha este privilégio, mas quase todos que dele desfrutam, compareciam sempre no jornal: o contato com os colegas, hábito antigo, é necessário e saudável. Sempre têm idéias novas circulando, conversa amiga com velhos companheiros e muito disse-me-disse.
Nosso relativamente jovem jornalista vê o pedido. Escrever pelo menos 3.000 caracteres, o que vale dizer, aproximadamente duas laudas, sobre a suposta decadência turística de Paris.
Mas ele só foi à França há um ano, viu muito turista de bermudas em pleno centro de Paris, filas quilométricas para entrar nos museus, restaurantes e locais famosos.
Fila. Tudo fila, sucessão interminável desta chatice. Pouco pode aproveitar do seu pouco tempo para conhecer a cidade, respirar seu ar, ainda que poluído, falar com algum francês – de preferência com uma francesa – sobre assunto que não fosse ir ao Louvre, a Saint-Lazare, confundir a cabeça com uma sucessão de pinturas famosas, uma correria. Nunca vista com bons olhos pelos parisienses, que não fazem questão nenhuma de esconder o olhar com grau de desaprovação os invasores que tumultuam a cidade.
Sem saber como cumprir com a sua tarefa, pede auxílio a um conhecido colunista. O colega não se faz de rogado.
Começa dizendo que Paris não é mais uma festa, ao contrário do que Hemingway escreveu. É sim uma festa eterna, mas não nos meses onde os turistas assaltam a cidade, empunhando suas câmeras digitais e atormentando os franceses.
Não sabem, por exemplo, pedir uma taça de vinho tinto, com o inevitável acompanhamento de uma água mineral. Descansar vendo os transeuntes, alguns atarefados, outros vadios mesmo, estão estudando e nas horas de folga passeiam pela cidade como estivessem numa praia. O experimentado jornalista, que lá viveu dois anos, sabe muito bem que Paris é uma cidade de trabalho, de muito trabalho, onde são tomadas decisões importantes, relativas ao mundo atual. Não, a mentalidade turística não é esta, ele pensa que o parisiense é um folgado, e as mulheres, fáceis, disponíveis e sensuais... Coitado! Não sabe caminhar pelas margens do Sena, nem descer as escadas e conversar com um pescador, que pode ser um homem procurando seu almoço ou um investidor possante da bolsa, arejando a cabeça. Nada sabe sobre a vida do povo, mas dará aulas sobre a coluna da Place Vendôme. É a coluna feita com os canhões derretidos, usados por Napoleão, que arrogantemente encima a mesma.
Talvez ele não entenderá jamais o que seja ver um fim de tarde num bar famoso ou não, com suas cadeiras de vime na calçada, tomando um “coup de rouge”, um mesmo um destilado de frutas. O velho colunista arrematou: “uma framboise, por exemplo”. A framboise, destilado de framboesas, é apreciado na França tanto ou mais quanto a poire, o marc (destilado, gíria) de pêra que Ulysses Guimarães não dispensava...
Uma pena! A legião estrangeira, cada vez mais, aborrece a cidade e seus moradores.
Publicado, o artigo foi um sucesso! Para os franceses, é claro...

Vila Real da Praia Grande

Praia de Piratinga












Vila Real da Praia Grande nada mais é do que o antigo nome de Niterói, na época Nictheroy.
Gosto dela. Aqui fui criado, educado e vivido. Começo a escrever sobre a minha terra. Prossigo aos poucos, para não cansar.
Não há quem desconheça nossas praias oceânicas. Saindo da baia da Guanabara, Piratininga é a primeira, longa, com mais de três quilômetros de extensão, areia branca de doer os olhos mesmo quando a claridade não é muita. Seguem Camboinhas e Itaipu, sendo que a primeira é apenas o início de Itaipu. Modismo de apalermados; Camboinhas era o nome de um navio de ficou à matroca e acabou encalhando na areia. Era a atração do lugar, até que o ferro velho foi desmontado. No lugar surgiu um bairro de gosto duvidoso, entre belas casas e experiências de arquitetos ou mesmo donos de terrenos que desenharam suas habitações.
Piratininga perdeu sua beleza noturna, pois foi iluminada por verdadeira usina de força, tirando o brilho das estrelas que embelezavam o lugar.
Mas o paraíso está escondido em Itacoatiara, talvez a mais bela praia do litoral brasileiro. É toda cercada pelas montanhas que fazem parte da Serra do Mar, não muito grande, com cerca de seiscentos metros. O mar é forte e tem correntezas. Em muitos dias do ano, só surfista mesmo. Mas como o lugar é perfeito, uma pequena praia permite o banho de crianças. Interessante que a maioria dos moradores é carioca. Eles vivem entre árvores floridas, ruas sem calçamento... Um outro mundo.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Bela dos Pampas

Dona Iza












Os primeiros raios de sol, ainda filtrados pela intensa camada de ar frio que aparece nos pampas, já eram suficientes para acordar e começar o dia de trabalho. Trabalho difícil, diga-se de passagem. Difícil e perigoso.
O pequeno acampamento abrigava vinte e três homens, todos acordados. Cigarros eram acesos pelos fumantes mais inveterados. Outros aguardavam para fazer o mesmo, os encarregados das refeições já mantinham fogo aceso, em carvões colocados com cuidado na vala aberta, que parecia uma ferida na terra. Uma chapa fina de ferro, um misto de grelha e frigideira, suportava o panelão onde estava sendo feita a polenta com linguiça e o grande jarro metálico que servia para esquentar água do chimarrão, mas no momento era uma cafeteira.
Os homens, falando baixo e aguardando a primeira refeição do dia, olhavam com certa ansiedade para a cozinha de campo. Os cavalos já tinham sido examinados, todos em perfeito estado, segundo exame rigoroso de cada dono da montaria. A mata era rasteira, não faltando um bom capim que estava sendo devorado por mangas-largas, principalmente. Fortes e muito bem tratados. No campo, o cavalo supera o mais moderno jipe ou caminhoneta. Assunto para quem entende, não adianta discutir.
A polenta foi servida junto com o café que perfumou o campo verde, talvez até a fronteira. Ambos, como de costume, estavam deliciosos.
A jagunçada, enquanto comia a polenta com linguiça, que alimentava seus estômagos famintos, continuava a conversa baixa. Falar alto no campo ou no mar, dependendo do vento, é escutado por quem está longe, desde que estejam na direção do vento, no mesmo sentido dos que falam. Daí a cautela.
Muitos homens examinavam suas armas. Examinavam e limpavam, como se fosse preciso limpar o que estava impecavelmente sem qualquer sujeira. Revólveres, na sua maioria, todos de calibre trinta e oito, pois o tiro é de respeito e as carabinas usam o mesmo cartucho. Estas tinham um poder de fogo terrível, tiro capaz de derrubar um boi, se fosse bem dado, principalmente na cabeça, onde era certa a morte. Ali, ninguém deixava de acertar uma latinha de cerveja. De carabina, a uma distância de uns cem metros. Revólver é mais difícil. Quem não se atrapalha com mandar para o alto uma lata, a dez metros de distância, pode sentir-se seguro.
Estes homens estavam sob o comando de Raul Camargo, antigo policial civil, aposentado aos quarenta e oito anos de idade, após longa carreira nas mais diversas delegacias onde esteve lotado. O segundo homem era da sua inteira confiança. Cumpria ordens sem perguntar nada, bastava que acreditasse em quem dava a ordem.
A ronda noturna havia terminado, e eles voltavam para uma fazenda grande, onde não se contava o número de cabeças de gado.
Só o chefe subiu os oito degraus que levavam até a enorme varanda da fazenda, que tinha porão para evitar que a umidade e as variações de temperatura incomodassem os moradores, além de proteger a construção.
- Bom dia, chefe – cumprimentou Raul o fazendeiro de compleição forte, olhar decidido e mãos grandes.
- Bom dia, Raul. Alguma novidade?
- Felizmente não, meu senhor. Tudo parece estar na mais perfeita ordem.
- Tem certeza disto?
- Pelo que vimos durante a noite, tenho. Mas nunca se sabe a idéia destes safados.
- Eu sei, Raul. No momento em que você descuida, a terra está toda invadida. Estes sem-terra são uns moleques bem dirigidos.
- Comigo não tem esta não, coronel Leôncio. Se passar da cerca, é homem morto.
- Eu sei, Raul. Por isso contratei seus serviços. E pare de me chamar de coronel, Não tenho patente.
- Questão de respeito, senhor. Quem tem mando é superior, é coronel.
Leôncio fazia ares de quem não gostava de ser chamado coronel, mas adorava o título dado pelos empregados. Sua fortuna pessoal era grande, mas não como a de outros fazendeiros, principalmente dona Iza. Segundo contavam, tinha a maior fortuna do lugar, e era muito bonita.
Colocaram-lhe o apelido, muito próprio, de A Bela dos Pampas. Qualquer assunto mais difícil de ser resolvido, ou decisão a ser tomada, Iza, a Bela dos Pampas, dava sempre a última palavra. Ninguém sabia direito suas origens, mas todos conheciam sua fortuna. Como os outros fazendeiros, detestava os sem-terra, que invadiam, destruíam, plantavam milho e não colhiam, e viviam como ciganos em barracas de plástico preto.
No início do movimento, tinham diretrizes e eram ordeiros na medida do possível, nas invasões que faziam em terras devolutas, ou terras sem produzir nada. Mas agora não respeitavam mais nada, era o caos, invadiam e ficavam impunes até mesmo prédios públicos.
Os fazendeiros do Rio Grande, temendo que lá surgisse outro local parecido com o Pontal de Paranapanema, montaram verdadeiros exércitos particulares, que vigiavam as propriedades dia e noite, todos com ordem de atirar se preciso fosse. Mas deveriam obedecer ao comandante, sempre um homem experimentado, que não vacilava em dar ordens severas. Os participantes destas guardas não eram homens que se intimidam diante de uma arma, fosse ela foice, facão ou mesmo espingarda de cartucho. A resposta era imediata. Poucos gostavam do uso de espingardas calibre doze, porque espalhavam muito chumbo e o alcance não é grande. A carabina trinta e oito, fabricada no Brasil mesmo, imitando com perfeição absoluta as velhas Winchester americanas, ferramenta indispensável na conquista do oeste norte-americano, onde foram cometidas barbaridades sem limites, serviam muito bem para repelir invasores e os mais audaciosos.
Surgiu uma invasão, que ao contrário de todas as outras, não aconteceu durante a noite. Urgia providência, mas mulheres e crianças estavam à frente dos invasores. Difícil tomar uma decisão, numa hora destas.
Raul não teve dúvida. Com mais dois, rumou célere até a fazenda da Bela dos Pampas. Embora Iza estivesse almoçando, imediatamente foi atender ao jagunço.
- Têm crianças e mulheres protegendo estes moleques?
- Isso, dona Iza. Está cheio.
- Atirem nas mulheres.
- Nas mulheres?
- Sim, nas mulheres. Matar crianças é bobagem, tchê. Você mata a mãe, se for preciso.
- E por que isto, dona Iza?
- Porque se você mata a criança, os pais enterram, é noticiário ruim, mas alguém tem que tomar conta das crianças. Elas dão trabalho aos maiores. Muitos não têm experiência disto, e não poderão fazer parte dos combates. As mães. Matem as mães.
Felizmente não foi preciso. Os invasores retiraram-se quando ouviram o barulho do estampido e da bala zunindo sobre suas cabeças.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Carnaval de rua


Bloco de Folia











Está voltando com toda força o Carnaval de rua no Rio de Janeiro. Uma verdadeira alegria de anos passados, confinou-se muito tempo nos salões dos clubes. Perdeu a graça e sua tendência era terminar, restando o desfile das Escolas de Samba.
Certos fatos ficam guardados na memória do povo, quando são importantes e vêm de longa data.
Os blocos no Rio são tantos que a Prefeitura está anunciando pedido de registro. É preciso controle, o trânsito fica completamente tumultuado, tão grande é o número de blocos que estão alegrando hoje as ruas da Cidade Maravilhosa.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Sonho

Caipirinha







- Você não poderia ter feito isto comigo!
- Está delirando, eu não fiz nada!
- Pensa que sou cego? Estava olhando para o cara sim, sorriu para ele.
- Sorri para ele? E a vagabunda que você estava paquerando, moleque?
- Era para dar o troco. Não sou corno.
- Não é, nunca foi nem será, e sabe disso – tomou mais um gole dos grandes.
A discussão estava regada a vinho branco, gelado de verdade e umas doses de batida de limão. Se não saiu pancada foi por sorte. Estavam bebendo demais, o ar refrigerado havia entrado em pane. Ele um homem de idade, tipo estranho, uma perna mais curta do que a outra. Ela, uma mulher de 25 anos, deste tipo liberado.
Estavam escarrapachados no sofá, copos em punho, na terceira garrafa.
- Vagabunda, quando vai tomar vergonha nesta cara?
- Olha como fala comigo!
- Devia de dar umas porradas.
- Vai levar com o copo na cara, tente!
- E fica exibindo estas coxas para quê?
- Não estou exibindo nada. É calor mesmo.
- Deve estar querendo cama, ordinária.
- Não gosto de cama com bêbados.
- Ah! Olha quem fala. Está sóbria por acaso?
- Melhor do que você estou.
- Vem cá. – Agarrou a mulher, os dois se beijaram e em pouco tempo estavam sentindo o efeito do amor. Casos assim acontecem todos os dias. Acontece que este casal era famoso, e logo foram interrompidos pelo camareiro que vinha trocar o quarto, quente pela falta do ar refrigerado.
A batida na porta acordou o homem. Estava na maior ressaca, ele, lençol e colchão embebidos pelo suor. Não havia mulher nenhuma.
Um sonho bastante desagradável.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

As Faces da Maldade


Boteco














Bar sujo, lugar feio, calor e abafamento. O lugar era assim, onde dois homens de bermudas, camisas leves e tênis conversavam bebendo cerveja.
- Não vejo problema nenhum em dar uns tirinhos nele.
- Nem eu, mas o serviço tem que ser bem feito. Pode sobrar para nós.
- Sobrar como? Não vamos deixar nossos nomes grafitados no local.
- Mas o que não falta por aí é dedo-duro.
- Dedo-duro morre cedo.
- Carlinhos Fiapo foi assim. Falou o que não devia, tombaram ele.
- Só o Fiapo? Eu conheço muitos.
- Eu sei, cara. Estou dando um exemplo.
- Quem faz o serviço?
- Eu ou você. Podemos fazer juntos, se quiser.
- Vamos juntos. Eu te dou cobertura.
- E isto é pra quando?
- Vamos seguir o homem uns dias.
- Mas nós já conhecemos ele. Seguir para quê?
- A tal da Neuza pode desconfiar da gente.
- Aquela vagabunda? Quem acredita naquilo?
- Nós não acreditamos na maconheira, mas a tiragem pode acreditar.
- Polícia não acredita em gente daquele tipo.
- Sei não. Prefiro não arriscar. Vamos seguir o homem.
- Se Neuza desconfiar... Não estou gostando disto.
- Leva o dela também. Aquela vaca só sabe paquerar os grandes.
- Foda-se. Se entrar na história, morre também.
- Pode não ser simples como você pensa. Ela está com cartaz.
- Cartaz no meio de trouxas. Leva chumbo também, morre de graça.
- Não mato mulher. Dá azar.
- Dá azar deixar ela inteira, se desconfiar que fomos nós.
- Se tem medo de se dar mal, melhor não ir.
- Não é isso, mano. Já disse que fechar mulher dá azar.
- Azar nada. Deixa ela comigo.
- Eu sei que você não perdoa.
- Não mesmo. E ninguém vai dar importância a isto.
- Não vai mesmo. O safado é ruim. Não respeita nem criança.
- Está falando da Glorinha, a filha do Jerê?
- Ela é uma delas. Jeremias já estava doente quando soube.
- É, ele não podia fazer mais nada. Tava ruim mesmo.
- Glorinha mal tinha feito treze anos. Este sacana não vai continuar vivo.
- Depende de nós, mano. Merecer ficar, não merece mesmo.
- E se ele desconfia e passa a andar com mais gente?
- Andar com mais gente não adianta. Pegamos ele com arma longa.
- Vão dizer que é guerra do tráfico.
- Ou vingança de algum inimigo. Ele tem muitos.
- Não sei como um cara destes ainda tá vivo.
- Ele sempre deu sorte. E paga bem a moçada dele.
- Paga mesmo? Não vão cair em cima de quem apagou ele?
- Até pode. Mas não vão passar de alguns conhecidos.
- Medo de ser coisa dos homens? Os tiras tão matando adoidado.
- Vão se encolher direto. Procuram alguns malandros conhecidos, só.
- O negócio está parecendo fácil demais, cara.
- Não é isso. Ele é defunto barato mesmo.
- Não vai muito nessa não. Pode ser barato, mas ninguém pegou.
- Só porque ele tem fama de atirar com a esquerda bem?
- Principalmente. Aquele puto com duas armas na mão vai ser difícil.
- Já tentaram, parece. Ele percebeu, pegou antes.
- Eram principiantes. Com a fama que ele tem, as armas tremeram.
- Sabe bem do caso?
- Todos moradores antigos sabem. Matador não treme.
- Eu tremi com Russo. Confesso que tive muito medo.
- Mas medo a gente tem mesmo. E Russo era muito melhor que este.
- Acha mesmo, cara? Não desfaz não. O risco aumenta.
- Tá querendo correr, mano?
- Nem pense nisto.
- Quer virar herói, malandro?
- Nada. Quero tirar o adversário da reta, como você.
- Ele é adversário vagabundo. Obedece ordens.
- Não acho vagabundo não. Ele quer subir.
- Melhor para nós. Vão achar que foi olho grande demais.
- Nem tô aí para o que vão achar. Quero ver o homem morto.
- Está muito confiante, mano.
- Nada. Sei que risco existe. Não nasci ontem.
- Vamos fazer isto logo. Ele desconfia da gente?
- Sei não. Se desconfia, nunca deu para notar.
- Ele é malandro velho, mano. Engana bem.
- Precisa de ser muito malandro para disfarçar tanto. Não é artista.
Era artista. Os homens conversando não notaram quando um homem entrou no bar de subúrbio, acompanhado de dois outros. A mesa onde estavam sentados tinha muitas garrafas de cerveja. Os três atiraram muito, acertando em cheio os alvos. Caíram em poças de sangue. O tráfico e a proteção mútua entre bandidos é assim. Fazem de tudo, principalmente quando se sentem ameaçados.
Voaram cacos de garrafa para todos os lados, com as balas perdidas.

Caminho sombrio


Tocaia








Rua escura, céu estrelado. Quem disse que o brilho das estrelas ilumina o caminho?
Ilumina nada, quem faz isto é a Lua. O homem apertou as mãos dentro da japona de lã, coisa de marinheiro. Confirmou que era do mar quando entrou no boteco que não fechava durante a noite. Pediu e tomou uma farta dose de conhaque e uma xícara de café. Comprou cigarros e percebeu que nas quatro mesas com toalhas de plástico, enxadrezadas vermelho e branco, estavam servindo sopa. Com o estômago forrado a conhaque e café, e ainda por cima fumando, havia acendido um cigarro, a visão dos pratos da sopa de entulhos não agradou nada.
O frio tinha aumentado um pouco por causa do vento, mas a dose dupla de conhaque mais o café esquentavam bem.
Passos calmos e lentos, o homem um pouco alto, moreno e de cabelos cortados curtos, apalpou o cabo de uma pistola que carregava na cintura. Arma séria – todas as armas são sérias – mas esta era uma arma de guerra, Colt calibre 45. Havia outro carregador cheio, no bolso de trás da calça.
Alguns casais passavam na rua antiga do bairro velho. Muitas casas, quase nenhum edifício. Todas em razoável estado de conservação. Olhou o relógio: meia-noite e vinte minutos. Pensou mais uma vez que seu trabalho, se é que isto é trabalho, seria fácil. Ato contínuo, levou a mão até o cabo da faca. Mais de 20 centímetros de lâmina, coisa de profissional. Aço cromo-molibdênio, material de primeiríssima ordem.
Conhecia bem a casa para onde se dirigia. Andou olhando por algum tempo, antes. Sentou no meio-fio e esperou. Nem olhou direito o carro da Polícia Militar. Conserva sua carteira de segundo-sargento, embora a Marinha estivesse expulso o verme das suas fileiras. Não demorou, e o homem apareceu. Camisa de lã grossa, cinza. Não se incomodou com mais um bêbado sentado. Vira muitos, na volta para casa. A maioria, dormindo. Bebiam demais!
Não deu para perceber quando o homem saltou. Coisa de gato e já estava em cima da vítima, faca em punho, pistolas fazem barulho. Depois de dois golpes, colocou a mão na jugular do atacado. Nenhuma batida. Era sempre assim, o aço entrava estraçalhando os ventrículos. Nem uma leve batida na veia do pescoço. Morto, mortíssimo, aquele era menos um.
No dia seguinte, recebeu a parte final do pagamento. O traído estava eufórico e deu o dinheiro com prazer.
O matador, não contou o maço que lhe foi entregue.
Também não acreditava, como não acredita, que o seu fim será bem parecido, o que não incomodava.

Mangueira sem Jamelão

Jamelão








Após cinquenta anos, a Mangueira vai sair sem seu cantor Jamelão.Ele não gostava do título de "puxador", dizia que era de fumo, maconheiro. Ele era cantor. Aos 95 anos de idade, a figura histórica dos Carnavais cariocas vai levar a sua Mangueira pela Sapucaí. Do Céu. Muito difícil encontrar quem o suplantasse, agora se tornou imbatível. Não tenho informações privilegiadas, mas tenho certeza que os tambores da Escola vão rufar em sua homenagem.

Deus o guarde, José Bispo Clementino dos Santos.