quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Guerra civil dissimulada

Soldados

















            Certos fatos que acontecem não podem ficar desconhecidos. 
            Sempre postei neste espaço literatura, mas do jeito que vai a discórdia no Rio de Janeiro, em bem menor parte onde nasci e vivo até hoje, Niterói, senti-me na obrigação de falar o que penso e descrever fatos.  Afinal, sou colunista político, é minha obrigação.
            Nos últimos dias de novembro de 2010, os mais incrédulos devem admitir a realidade.
            Existe uma guerra civil sendo travada no Rio de Janeiro.  Em dezesseis horas, foram queimados doze carros e ônibus na cidade.  Cabines da Polícia Militar metralhadas por bandidos organizados, que não estão dando tréguas ao vandalismo e ao combate armado.
            “É o preço que se paga de ter afogado o tráfico”, diz uma autoridade.  Sem dúvida que é, mas não só isso.
            O combate ao crime organizado obteve muito êxito nos dois últimos anos.  É verdade que os policiais exageraram um pouco na dose indicada.  Mataram demais, a chefia ficou desorganizada, o tráfico acuado e o crime voltou a ser como nos anos 50: assalto a motoristas de táxi, totalmente indefesos.  Agora, a guerra aberta.  Vítimas poucas, mas talvez por sorte.
            Alguns asseguram que as ordens estão sendo dadas pelos chefões presos, no Paraná, inclusive.  É possível.  Mas se conhecem a origem, por qual motivo não silenciá-la?
            O governo federal diz que as tropas da Força de Segurança estarem prontas para ajudar.  O governador Sérgio Cabral recusa.  Não sem motivo.  A última vez que aqui atuaram, os policiais tinham mais medo de levar um tiro amigo, tão despreparadas são para o combate, do que levar um tiro de um marginal.
            Em boa hora o povo ordeiro disse não aos covardes e pusilâmines defensores do desarmamento.  O cidadão de bem, trabalhador e honesto, necessita de arma para defender sua residência.  Não o revólver ou pistola, difíceis de uso com precisão, mas carabinas trinta e oito e espingardas calibre doze, de repetição.  Este é um direito que não pode ser cerceado, dificultado.
            É necessária lei federal que facilite aos extremos a compra destas armas, que devem ser mantidas em casa, sem qualquer restrição a quem provar não ter antecedentes criminais e trabalho certo.
            Caso o governo não assegure tal fato plenamente, está jogando ao lado dos bandidos, o que não é nada impossível. 
            Marginal também vota!




Tem hora que o colunista político não pode calar.
Links: http://www.votebrasil.com/coluna/jorge-sader/a-guerra-civil-disfarcada
           http://port.pravda.ru/news/cplp/26-11-2010/30830-guerra_civil-0/


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Miséria humana
















Girassóis/Van Gogh


            As cartas de Van Gogh ao seu irmão Theo e o depoimento deste, não deixam dúvida.  Pouco antes de morrer, Vincent disse que la misère ne finira jamais.           

            Mais uma conclusão do pintor que revolucionou a arte.


            Vincent não afirmou que a miséria monetária do homem não teria fim.  Seu alcance foi bem mais longo.  Ele sabia que a miséria humana não tem fim, sentiu esta verdade dentro de sua alma.
 
            O homem sofre, é uma condição da vida.


            Sentiu ao longo da sua existência que o fato é verdadeiro, embora tenha sido um doente.  Da sua doença surgiram os mais belos quadros e sobretudo expressivos que conhecemos.  Além de mestre nas tintas, compreendia bem a vida. Não fosse assim, não conseguiria transmitir a emoção que quis e conseguiu passar para a Humanidade.
            São pinturas expressivas aos extremos, ora tristes e igualmente de uma beleza incomum.  O par de botas, o quarto do pintor, ele mesmo com a orelha decepada por um corte de navalha, fruto de uma briga com o seu contemporâneo Gaugin, tudo isto importa numa visão de vida exterior e interior muito grande.
            O homem nasce sozinho, vive sozinho e morre sozinho, a despeito do que queremos crer.  Por mais amor que o cerque, sua existência é solitária.
            Foi isto que o mestre concluiu e viveu.
            Seus campos, seus trigais. As cenas humanas retratadas mostram um homem que conhece suas limitações e misérias.
            Mostram igualmente a grandiosidade de um homem que mesmo sabendo nada, soube transmitir o tudo...
            É verdade que a Vida está cheia de lados negros.  Mas o melhor é vivermos com todas as felicidades que ela nos oferece.
            A começar pelo amor.  Tem tanta coisa...

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Encantada


 Mulher
                                                                                                             
Disse Guimarães Rosa que quando uma pessoa morre ela se encanta. Uma forma poética de ver a Vida e a Morte, o bem e o mal, preocupações do nosso fecundo e admirável escritor.
Mas esta não é uma história de morte; ao contrário. Trata-se de uma louvação à Vida, um agradecimento aos céus.
Diz o povo que nada acontece ao acaso. Dizem os ilustrados a mesma coisa.
O fato é que estes novos Romeu e Julieta se encontram por acaso. Este acaso, segundo o que já foi dito antes, parece estar escrito em todos os cantos. Na areia, onde o mar pode apagar, mas ele se projeta no céu, entre as estrelas, e de lá não pode sumir mais. É parte do firmamento, do universo grandioso e belo...
Quando aconteceu, foi um amor intenso, almas confundiram-se, sentimentos ficaram entrelaçados. Paixão verdadeira, paixão encantada.
Romeu, digamos que este seja o nome mesmo, duvidou da sua Julieta. Belíssima, angelical figura que carregava e ainda leva uma bagagem espiritual grande, rica, sadia, forte.
“É demais para mim”, pensou. E assim passaram-se anos. Poucas vezes se encontraram. Sempre que isto acontecia, ele era chamado medroso, por não assumir a situação confusa. Ele tinha medo sim. Muito medo.
Certas situações colocam o mais valente com o rabo entre as pernas, lembrando Machado.
Era exatamente assim que ele se encontrava. Parecia ter sido tomado por uma síndrome malsã toda vez que via a bela princesa. As palavras não fluíam, o sentimento estava sendo massacrado pela razão.
Longo tempo passou. Escondida no seu ser, ela estava viva, muito fortemente viva. Mas ele mantinha a sua posição. Primeiro a voz do pensamento, depois a do amor.
Um erro lastimável, um erro de muitos, um erro de quem tem medo de amar!
Súbito, leva um susto. A sua Bela faz uma declaração direta. O coração de Romeu é tomado pela alegria. Ele sabe que é amado! Fica confuso, mas as palavras são reais. Ela confessa seu amor, e diz esperar ouvir que a distância maltrata, que aguarda ainda, ansiosa, ouvir um “eu te amo”.
Quando ouve, cai o pano. Não há mortes. Apenas – apenas?, um esperar sufocante.
Encantada! A espera do final, só os deuses sabem...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O concerto de Aranjuez

A fantasiosa alma do povo, que caracteriza os mais diversos grandes grupos existentes na Terra, além de interessante é contraditória: existem várias interpretações para um fato determinado.
Todas as artes são fruto da mais dignificante expressão humana, mas a música parece levar uma vantagem sobre todas as outras. Pelo menos para mim, parece.
Contam que Joaquim Rodrigo, o violonista flamengo admirado por todos, perdeu um filho moço, de muito pouca idade. Sua mulher ficou desesperada, não comia, não dormia direito, só fazia chorar. Na verdade, mãe nenhuma deveria perder um filho, especialmente quando ele é um menino que começa a dar os primeiros passos em direção ao seu estágio mais compreensivo da Vida. Ninguém duvida disso.
Joaquim, como pai e bom marido, preocupava-se com a esposa e sentia a dor da perda. Sofria duas vezes.
Procurou por várias formas consolar a mulher, e com este ato estava procurando alívio para si também. Quem disse que só as mães sofrem a perda de um filho? Não conseguia nem confortar a mãe desesperada, nem mitigar seu sofrimento.
Perdido, totalmente sem rumo e incapaz de enfrentar uma situação tão adversa, Rodrigo passou a meditar como seria possível sair desta situação triste, doída, sofrida, malvada e perversa. Sua mulher era a principal preocupação, poderia passar à insanidade a qualquer momento.
Os músicos são privilegiados. Costumam chorar suas dores e lamentos usando suas armas. Os instrumentos falam!
O pai desencantado já não tocava mais seu violão. Estavam mudos, naquela casa, Rodrigo, sua mulher e o violão guardado na sua caixa de madeira. Não era mexido. As idéias do seu dono, massacrado pela perda irreparável, não traziam nenhum incentivo a tocar, ou compor.
Desilusão...
Mostrava-se claramente, na casa do músico famoso, cuja mulher definhava a cada dia. O único filho, morto! De que adiantava ser o maior violonista de Espanha?
Os amigos procuravam confortar. Os amigos, que são o sal da Terra. Mas nada, nem mesmo os mais queridos conseguiam diminuir a tristeza da Rodrigo e da sua mulher.
Joaquim não era covarde. Procurava a cada momento dar algum destino ao sofrimento que passavam, mas na sua altivez, preocupa-se antes de tudo com a sua sofrida companheira.
Pensava, rezava como todo bom músico. Não chegava a nenhuma conclusão, o que fazia aumentar seu sofrimento.
Mas, dizem os entendidos, a dor não é permanente.
Faz parte da Vida. Não, o homem não nasceu para sofrer, embora muitos filósofos negativistas entendam desta maneira, que não conduz a lugar nenhum. Ajudam a piorar o estado dos que já padecem...
Rodrigo chegou à conclusão de que precisava se aproximar de Deus, de pedir que o sofrimento da mulher fosse consolado, que ele pudesse retornar ao seu violão, tocando, compondo, encantando. Pedia isso todos os dias às paredes, ao Sol, às estrelas, às flores do campo.
Determinada manhã, quando o dia estava iluminado, as árvores com suas folhas verdes, o céu transparente e mostrando o esplendor do que não acaba, o que não tem fim, Rodrigo tirou o violão da caixa de madeira limpa e bem cuidada.
Segurou o instrumento como se fora o uma parte sua, seu filho, talvez.
Estava um pouco desafinado, mas os dedos nas cordas, e os da mão esquerda nas cravelhas logo colocaram o violão com seu som distinto de todos os outros, o violão flamengo.
“Eu preciso rezar, eu preciso falar com Deus”, pensou o músico. Fez alguns acordes, notou que o som saía limpo, claro e afinado.
Ninguém jamais saberá explicar a causa. Rodrigo talvez rezasse mal, mas quando tocava, era uma bela prece que estava fazendo.
Tangia as cordas com facilidade, a música tomou conta de toda a casa. Para seu espanto, sua mulher chorava de maneira diferente. Não era mais o choro sofrido, doído, amargurado. Mostrava felicidade, e sorria para o marido que continuava seu improviso, o improviso que rogava a Deus que o escutasse, que fizesse parar a tortura a que estavam submetidos.
A cada toque na corda, o ambiente alegrava-se. Tudo estava mudando como num grande passe de mágica, não havia mais tristeza, as dores foram-se embora, a mulher sorria, e o violonista continuava tocando o que hoje conhecemos como o Concerto de Aranjuez.
Esta é a mais bela lenda que envolve a peça flamenga, que fez os corações pararem de chorar de dor, tristeza e melancolia.