quarta-feira, 27 de julho de 2016

Apenas pensamentos

                               
 
            Estava sentado com um livro aberto.  Bonito lugar, um parque florido.
            Não lia; estava pensando nas palavras que ouvira.  Pensava e nada concluía.  Nem sempre somos donos do nosso destino.  O amoroso, nem é bom pensar.  Ao mesmo tempo em que olhava o beija-flor, com o seu voo diferente, ela estava presente, pelo menos no pensamento.  O pássaro era visto, mas a alma estava longe.
            Recebera o comunicado.  Grávida.  Ao mesmo tempo em que se alegrou, sabendo a amada estar vivendo um dos momentos mais felizes da Vida, seu íntimo derramou lágrimas.  O filho não era dele, ela não havia se casado com ele, estava longe, distante, inatingível.
            O beija-flor voou para longe, um vento fraco virou a folha do livro que estava no seu joelho e o homem cuja face contraída, os cabelos já embranquecendo e portador de expressão enigmática, continuava no seu devaneio.  Não, aquilo tudo não deveria ter acontecido.
            Algumas crianças que brincavam perto viam a figura com a barba por fazer.
            — Moço, o livro vai cair.
            Já havia caído.  O pirralho pegou rapidamente e entregou ao dono, a esta altura cercado por infantes que podem sim, admirar uma menina da idade deles.  Enganam-se quem pensa que a criança não tem sentimentos.  Alguns se apaixonam como se adultos fossem.  Mas não pensam em filhos, não chegam a tanto.
            — Como se chama, rapaz?
            — Yuri.
            — Como?
            — Yuri. É Jorge em português.  O nome é russo.
            — Eu sei, Yuri, eu sei.  Seus pais são russos?
            — Não.  Minha mãe gosta desse nome. Aí botaram o nome em mim.
            Yuri.  Haviam combinado que se tivessem um filho, o nome seria Yuri, dariam sozinhos a volta ao mundo num veleiro, morariam no espaçoso apartamento dele, arquiteto e engenheiro naval, que havia montado uma fábrica de veleiros de fibra de vidro, depois substituída por carbono, nos fundos de uma velha casa.  Sonhos... Amor e sonhos.  O que seria do mundo não fossem eles?
            Fato que não impediu uma gota de lágrima na grama macia.
   
Bronze: Ana MM Sader 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O cinzento brasileiro

                          

            A cor cinza, embora não pareça, é difícil de usar e lidar.
            Não me refiro a simples mistura do preto com o branco, mas tento avaliar com alguma segurança o que estamos passando.  Nós e o resto do mundo.  O cinzento, o indefinido, parece ter tomado conta de tudo e de todos.
            Políticos corruptos e venais.  Grande parte deles, gente mesmo.  Grandes empresários vivendo como se bandidos fossem.  Luta covarde e desleal pelo poder, fato idiota.  Acaba de provar isso o Primeiro-Ministro inglês Cameron. Declaradamente a favor da permanência da UK na Comunidade Europeia, uma vez vencido renunciou ao cargo no ato.  Não está preso ao poder ou ao mando.  No Brasil, o fato não acontece, salvo os que já renunciaram a cargos públicos para não perderem o mandato, quando isso ainda era possível.
            Ficou implantado aqui, pelo menos momentaneamente, o “nós e eles”, política típica de regime atrasado, falido e sem valor algum.  Um povo não pode viver separado, com raiva um dos outros, sob pena de perder sua identidade. O que pode e deve existir, claro, são ideias republicanas que divirjam entre o conservador e o liberal.  Isso sempre existiu, e deve manter-se vivo para o bem das instituições.
            Política não se improvisa, nem muda de regras durante um regime determinado.  Repete-se: enquanto Cameron renunciou ao cargo de Primeiro-Ministro da Inglaterra, posto que poucos mortais ocuparam, aqui, deputado ou senador, ou mesmo presidente da República, o que é o mais grave, teimam em manter seus cargos sem nenhuma razão.  Usam todo e qualquer tipo de fraude, ou apelam para o Judiciário Superior, para continuarem iludindo o povo. Dizem que foi golpe situação indefensável politicamente.  Não têm, como afirmou nosso historiador Capistrano de Abreu, “vergonha na cara”.
            O povo paga e sofre uma inflação sem controle, ainda que não alarmante.  Mas o desemprego castiga.  Convém notar que ele não atinge uma só pessoa.  Temos treze milhões de desempregados, atualmente.  Ora, grande maioria tem dependentes, ou seja, o problema atinge a muitos.
            Tudo culpa do governo presidencialista, política retrógrada, que nos levará definitivamente ao caos total.  Presidente da República é ditador com mandato certo.  Esta figura acabou no mundo todo.  Existe nos Estados Unidos, é verdade, mas naquele país as eleições são diferentes, passam por etapas, e o Congresso sempre dita a norma final.
            Ou seja: quanto mais protelarmos este sistema ultrapassado de governo, estaremos marcando passo no desenvolvimento político e social.

            Parlamentarismo.  Chega de ditadores!