sábado, 8 de dezembro de 2018

Um julgamento

                                       

            Lembro bem.  Acordei já apreensivo, o dia era mais do que importante.
            Barba muito bem feita, banho caprichosamente tomado, aguardando a hora de enfrentar os julgadores da primeira Auditoria Militar do Rio de Janeiro, vinte e cinco anos, já formado e com relativa experiência no Tribunal do Júri.  Não, ali nada era igual.  A começar pela entrada do suntuoso prédio, perto da Praça da República, guarnecido na entrada por dois soldados da Polícia do Exército, com seus capacetes vermelhos, metralhadoras seguras em frente ao peito, sérios demais.  Tudo ali era sério.
            Comi pouco, como manda a boa regra.  Estômago cheio não dá boa defesa.  Entro no lugar com os oficiais acusados, dois clientes meus, um capitão e outro segundo-tenente. Escoltados e em companhia de outros acusados, todos militares.  Acusação: tentativa de tomar o poder constitucional do Estado do Rio.  O governador, nesta época era o general Paulo Torres, um mito.  Amigo da minha família, eu não poderia tocar em nada que envolvesse o nome dele e, na verdade, o general Torres nada tinha a ver com o processo, ou melhor, tinha e muito, mas indiretamente.  No caso, vítima.
            Um tribunal militar do Exército nada tem a ver com o Júri.  Estavam sentados na mesa sete oficiais, um com patente de coronel, pois havia um major acusado e assim sendo, pelas leis da época, deveria haver como julgador do colegiado um militar com patente superior.
            O juiz-presidente, civil, após todas as formalidades de praxe, ordenou que o escrivão fizesse a leitura da peça acusatória. Os sete oficiais que compunham a mesa, ouviram atentamente, com semblante feio.
            O juiz passou a palavra à defesa, depois de ouvida a acusação, promotor militar que diante da fraqueza das provas colhidas, limitou-se ao tradicional pronunciamento ‘faça-se Justiça’.
            É uma oportunidade sem igual, hora da defesa falar pouco, pouquíssimo, e explorar rapidamente o dito pelo Ministério Público Militar, por todos temidos.
            Os advogados dos outros réus, para aparecerem e justificarem o ganho alto monetário, falaram, falaram e falaram, como se todos os seus constituintes fossem santos, às vésperas de canonização.  Nervoso, temi por um mal. Um menino, talvez.  Elegante, sóbrio, comedido, interferi na defesa de um colega.
            — A defesa do capitão e do tenente envolvido está satisfeita.  Toda vez que o Promotor pede justiça, está pedindo absolvição, por falta absoluta de provas.  Faço o mesmo.
            Meus colegas acompanharam minhas palavras, a defesa de todos estava mais do que feita.  Fechada a sala para o julgamento, quando novamente aberta, foi lida a sentença.  Todos absolvidos, sem prejuízo de sanções estritamente militares que poderiam estar envolvidos.
            Então sim!  Duas doses duplas de uísque estrangeiro foram maravilhosamente bebidas.  Eu havia sido pago na hora, e a quantia modesta permitia a excelente marca escolhida. Quantia modesta? Bem, advogados falam o que devem, principalmente em causa própria.
            Não, não comemorei com os meus constituintes.  Eu, minha noiva e meu pai, na minha casa,  felizes, comemoramos minha vitória.
            Tempos felizes, tempos de paz.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Em frente

                                       

            Um casal.  Nem tão jovem, os dois estavam conversando tranquilamente sentados na cadeira do bistrô famoso, Paris, França.
            — Eu não disse isso.
            — Certo, mas deu a entender claramente.
            — Também não dou a entender. Falo.  Não gostou, se lixe.
            — Está sendo grosseiro. — A mulher não estava agradando nada a conversa.
            — Ora, a porta daqui não tem trinco.  Aliás, porta nenhuma tem fechadura.  A existência é a principal delas, a mais valiosa. De momento para o outro você ‘encanta-se’.
            — Sei disso e não há de ser você que vai me dar lições de vida.
            Ambiente tenso.  Lá fora, clima agradável, nem frio, nem calor.  Eram escritores.  Gente complicada, por vezes, e excessivamente gentil, por outras.  Tudo surgira num comentário de uma revista.  Yuri não gostara nada do que vira escrito.  Elogiar sim, faz parte. Bajular com termos que ele não gostou, não. Para dizer a verdade, não gostou de nada e a partir deste momento tudo pode acontecer.  Desde que reprovara uma atriz famosa num teste de textos, pois ela queria também escrever peças dramáticas, a coisa não andava nada bem para o seu lado.  Bebeu uma farta dose de conhaque, e quase em seguida pegou o café.  Deu vontade de ter um cigarro, naquela hora.  Mas havia deixado de fumar a muito tempo.
            — Sabe? Melhor acabar tudo agora. Foi longe demais.
            — Quem foi longe demais?  Você sabia de tudo, não fiz trapaça.
            — Não fez trapaça? Leia! —  E atirou a revista para a mulher.
            — Que tem demais?
            — Que tem demais, sua descarada?  Este “meu amor” aí é pouco, por acaso?
            — Maneira de dizer, só isso. — falou enquanto ajeitava a saia de lã muito fina. Tempo bastante ameno não necessitava de tecidos grossos e quentes.
            Yuri lembrou-se da atriz brasileira, que também queria escrever peças teatrais. Linda, divinamente linda, mas sem o menor talento para ficar diante de uma tela de computador escrevendo o que absolutamente não seria capaz.
            “O azar está solto”, pensou.  Ele havia se tomado de graça, amor não, mas simpatia pela tal bela.  Agora, mais esta.
            Morreu ensanguentado pela bala da gendarme, que a tudo assistia e percebeu o ataque com a faca de queijos que o escritor iria fazer,  não fosse alvejado.
            Acontece; é bom não duvidar do inesperado. 

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Democracia plena

                                   

            Todos estamos unidos por uma bandeira, e ela simboliza união de gente, raça, religião, língua, costumes, tradições.
            Acabamos de vir de dura eleição presidencial, onde muitos candidatos representavam as correntes políticas do povo brasileiro.   Não está havendo o repeito democrático devido.  Algumas confusões já ocorreram, pela simples e democrática vitória de um brasileiro nato, condição constitucional para ocupar esta função.
            Onde está a dignidade do povo?  Os que perderam têm todo o direito de protestar, somos iguais!  Mas fazer oposição antes mesmo que o novo governo tenha sido empossado, mostra a imaturidade política brasileira.  Em certos segmentos, a maldade mesmo.
            A estrema direita não está representada, segundo parece.  Direita sim, extrema não.
            O que fazem os perdedores?  Ao invés de aguardarem para montar oposição democrática, juntam vagabundos que nada têm a ver com o processo político e começam a promover desordens.  É o fim!  O governo novo nem no poder está.  É um péssimo exemplo que se está dando, para nossas gentes.  Mas sabe bem o povo brasileiro que isso não vem da massa.  A eleição foi honesta e ninguém reclamou de fraude!  Que ótimo.
            É mais do que hora em unir o país sob um ideal, a grandeza de todos, a extirpação das mazelas nacionais, a consciência que somos só um povo que quer crescer sem desigualdades, honestamente, tanto entre as gentes, como nação, pátria, sem ficar em disputas sem sentido.
            É dever de todos, indistintamente.  União!  Nunca precisamos tanto dela!

sábado, 13 de outubro de 2018

Socialismo

                                   

            A mais bela e pura, romântica inclusive, forma de governo é socialista. Nasceu com as primeiras comunidades cristãs, onde todos fracionavam os bens, o pão e o vinho.
            Alguns países da antiguidade adotaram o sistema, não mais como as comunidades cristãs, mas muito semelhantes. Foi o sistema adotado antes de Cristo.  Podemos, sem medo, dizer que a Grécia Antiga praticava um sistema político bastante socialista, o que nunca aconteceu em Roma.  É sabido por todos que além das diferenças entre as duas civilizações, a grega foi infinitamente maior. Os romanos conheciam o socialismo de estado, tal qual como é praticado agora por países atrasados.  Todos os conhecem, nomes são desnecessários.
            A doutrina, antes filosófica e só encontrada nos ensinos dos mestres, passou por modificações de caráter econômico.  Marx e Engels arrasaram a doutrina original, criando o socialismo de estado, ou o comunismo.  É uma triste memória.  O verdadeiro socialismo é entre pessoas, ou não existe.  A tese é difícil, quase todos se confundem.  Aqui não há raças, pobreza, riqueza, miséria e abastança.  É o regime dos iguais, nos campos espirituais, materiais e do comportamento comum.  Difícil, raro ou mesmo impossível?
            De modo algum.  A explicação teórica talvez seja muito difícil, mas a prática é extremamente simples.  O norte europeu quase todo pratica o socialismo moderno, o despido de qualquer preconceito ou formalidade.  Os países são os mais adiantados de todo o planeta Terra, e não existe utopia nisso.  Existem amor e riqueza, em quantidade. Fome, miséria e criminalidade em excesso não são conhecidas.  O ensino é grátis, a saúde igualmente e não existe preocupação com o sanitarismo, que está resolvido em toda a Escandinávia, por exemplo.
            Defeitos?  Existem muitos, como em qualquer sociedade.  Mas não os fundamentais.  O regime político?  Parlamentarista puro, não existe presidente da República, uma figura típica de países atrasados, exceto nos Estados Unidos, onde o Congresso em tudo manda!
            O povo brasileiro, ainda muito inculto, sem bases e estudo, talvez demorará a chegar a este estágio.  É preciso lembrar que aqui, de acordo com conclusões internacionais recentes, poucos sabem a língua-mãe, o português, e a matemática.  Ou isso muda, ou nada!
            Esperemos pelo melhor!   

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Tempo de eleição

                            

            Não temos, no Brasil, tempos que coloquem o povo mais em polvorosa do que eleição, Copa do Mundo e Carnaval.
            Os comportamentos mudam, o povo discute, as torcidas funcionam esbaforidamente.  O brasileiro é um passional.  É uma característica desta gente.  Sala grande, ambiente agradável sem luxos, próprio de quem sabe viver bem sem ostentações desnecessárias.
            — Pois eu digo que não vai ser nada fácil.  Candidatos que não levantam o povo não animam ninguém — falou o Teles, antigo advogado criminal, experimentado no assunto.  Um artista.   Não! Não era o Humberto Telles, que num Júri no Rio de Janeiro levantou tese de coação irresistível da fome.  “Um escárnio”, diziam uns, “uma desgraça diária”, ficava raivoso o lado contrário. Tudo isso porque um proprietário de pequena e simples casa não teve seu aluguel pago dois meses consecutivos.  Estava almoçando num bar comum.  Periferia, quando o inquilino pediu para esperar poucos dias, conseguiria o dinheiro e não seria despedido.  O não, agressivo e maldoso, deu lugar a dois tiros seguidos.  Morreu ali mesmo.  O advogado do homem foi o Humberto Telles.  “Coação irresistível da fome” deu o que falar entre policiais, advogados e juristas.  A tese, sem dúvida, era revolucionária.
            Coação irresistível da imbecilidade é o nosso sistema de governo.  É incrível que o presidencialismo ainda seja o sistema de governo, inclusive dos Estados Unidos.  Um homem, eleito pelo povo, torna-se ditador com mandato certo, absurdo dos mais agressivos.  Mesmo nos EUA, onde o Congresso manda, não tem o menor cabimento.  Um só homem não pode dirigir um país, isso é óbvio.  Um conselho de ministros deve cumprir esta missão, que se torna mais independente e menos sujeita a erros.  O Primeiro-Ministro errou?  Voto de desconfiança nele!  O parlamento aceitou o voto?  Outro é nomeado, após eleição interna.  Nada de tumultuar o andamento normal de um país do que politicagem entre os que dele fazem parte, com função de mando.  Presidente da República não deve existir em caso algum.
            Candidatos nitidamente fracos, muitos contra este sistema, todos, sem a menor dúvida, todos, deveriam procurar o que fazer, e não ficar atrapalhando o país, que vai mal, infelizmente, ao contrário do que dizia o Chanceler Oswaldo Aranha, quando cumprimentado pelos seus colegas da ONU, “o Brasil vai bem, obrigado.” 
            Continuamos esperando a profética fala do almirante Tamandaré, do alto  da fragata ‘Amazonas’, na gloriosa Batalha Naval do Riachuelo. “Sustentar o fogo que a vitória é nossa". "O Brasil espera que cada um cumpra com seu dever.”   

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Domingo frio

                                                   Domingo frio

Pois!  Era um belo domingo, céu transparente em azul puríssimo.
Barba grande, cabelos grisalhos, e só usando uma camisa de malha, sem mangas compridas, o distraído homem prestava atenção aos bonitos pedaços grandes de carne que iam assando vagarosamente na churrasqueira.
A bebida destes momentos costuma ser cerveja, mas no caso era um tinto de melhor qualidade.  Alguns pingos já haviam caído na sua camisa.  O aspecto não é dos melhores, mas faz parte.  Depois tomaria banho mesmo, a carne na brasa que fora acesa a partir de alguns pedaços de madeira, dá este cheiro de defumado onde passa. 
Alpendre agradável, bem protegido, e a tal churrasqueira feita por Osório, Mateus ou Pinguço, famosos na arte, estava dando lugar a uma moderna e prática que agora esqueço o nome.  O ar frio não incomodava o nosso homem, que pelo visto entendia muito bem do ofício.  “Ora, churrasco é muito fácil de fazer”, dizem muitos.  Engano.  Não é não.  A carne deve ser escolhida. Há os que gostam de gordurosa, e seus ‘opositores’.  Gordurosa, a melhor é maminha de alcatra mesmo, haja colesterol!  Mais seca, o mignon.  Mas o charme mesmo é a picanha: era um bom corte que estava assando, na brasa de muito antes preparada.  O odor inundava toda a redondeza, que talvez gostasse de estar presente.  Gostasse ou gostaria?  Ora, que diferença faz, verbo com carvão, carne, Sol bonito, a amada perto, trazendo vez por outra o destilado que fazia dueto com o tinto e esperava a picanha tomar a cor terra-de-siena queimada?  Segredo: não leve a carne para a churrasqueira com sal, para 'selar' a mesma. O sal, de preferência o grosso, colocado antes, faz a carne ficar pingando.  Deixe pegar uma cor antes.
Coisas simples, ao alcance de todos, e um prazer da gota serena.  Ah! Sei que a expressão é nordestina.  E daí?
Afinal, este é o país das etnias, do negro ao caucasiano, do flamenguista ao são-paulino, e tantas, tantas outras coisas mais! Ruim é o umbandista com o evangélico.  Fazer o quê?
“Servido, compadre?” e apresenta uma fatia da picanha. A fumaça cheirosa continua subindo aos céus...

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Encontro

                                           

Lugar calmo.  Vista para o mar, sem muitos problemas com os vagabundos que infestam o Rio, hoje.
                — Acha que vai dar certo?
                — Sempre deu, desde que sincronizado.  Quem está dentro deve saber a hora quase exata, em segundos, para cair fora, pena de continuar nas grades.
                — Tem certeza?
                — Quase total.  Já houve uma tentativa antes, com pleno sucesso.
A ideia era de se furtar uma máquina forte da prefeitura.  Por momentos, já que seria facilmente descoberto o crime antes.  Mas quando o fosse, estariam todos longe.  Uma retroescavadeira seria furtada e sem delongas usada numa operação especial.   Tratava-se de quebrar o assédio de um presídio especial, que guardava presos perigosos.  
                Na hora exata, previamente combinada, os celulares nas mãos dos bandidos que continuam usando ninguém sabe a causa, o maior aliado em comunicações tanto entre cidadãos normais, como no crime, avisou por mensagem de texto que dentro de quatro minutos a máquina furtada arrebentaria uma parte da construção lateral do presídio. Ansiosamente, lá estavam os encarcerados, que tão logo estariam em plena liberdade.
                O barulho do impacto foi grande.  A guarda do lugar, no entanto, não conseguiu impedir a fuga.  Somos recordistas em crimes de todas as espécies, e ao que tudo indica, vamos continuar sendo, salvo, graças aos céus, o terrorismo.
                Funciona assim; esta é uma das regras do jogo.

imagem: nascente do São Francisco. Nada a ver com a crônica.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Era assim

                              

            De quatro em quatro anos, o Brasil para, dá um faniquito geral e a moçada endoida.  Sempre no frio; o inverno começa dia 21 de junho de 2018.  O primeiro jogo já foi um mico: empate de 1X1 contra a Suíça, que não é lá grande coisa como time, mas também não são pernas de pau.  O furor é o goleiro, segundo as mulheres.  Muito bonito.
            Ora, esta qualidade nada tem a ver com o futebol.  Se o camarada é bonito ou não, isso não vai fazer diferença no resultado.  Se assim fosse, Tite, o técnico da Seleção Brasileira, teria convidado a mim, por exemplo.  Mas velho não joga mais futebol, aprecia bebendo encolhido, aqui no hemisfério Sul, sua preferida.  Está explicado?
            Pois é, não sou Hideraldo Luís Bellini, o capitão que primeiro levantou a taça na Suécia, camisa improvisada, azul, feita às pressas pelos roupeiros da Seleção imbatível, onde apareceu um certo Pelé, na época com 17 anos.  Magrinho, ninguém fazia fé no homem, mas hoje tem o apelido de Rei.  É injusto?  Nada, o CR7, Cristiano Ronaldo, joga muito bem, mas porque é um atleta treinado, e excelente atleta.  Facilita tudo.  Naquela época, Edson Arantes do Nascimento, o pequeno, jovem e magrinho jogador brasileiro, onde nomes inesquecíveis como Didi, o “doutor Didi”, armador do Botafogo e até hoje só com um adversário, também botafoguense e flamenguista, Gérson de Oliveira Nunes, niteroiense, o homem que fumava dois maços de cigarros por dia, são dignos das honrarias de distribuir bolas aos jogadores melhor colocados em campo.  Tem mais: bobeou, eles chutavam a gol e resolviam a parada.  Lembram-se de Gérson no México, contra a Itália, quando o Brasil foi tricampeão mundial?  Pois é.  Gérson fez o segundo gol brasileiro, fato que além de dar ânimo ao time, deu prostração aos italianos.
            Não temos mais isso hoje.  Valem as mansões dos aparentes heróis de um futebol em decadência.  Meu mestre dizia que a Seleção era “a pátria de chuteiras”.  Nelson Rodrigues, não é preciso consultar o Google.
            Era, mestre Nelson, era.  Hoje são os mercenários da ilusão.


Imagem: Nílton Santos, o mais famoso lateral esquerdo do mundo  

terça-feira, 22 de maio de 2018

"Os velhos marinheiros"

                              

            — Pois é o que eu digo!  O comandante Vasco existiu mesmo.
            — Ele e Papai Noel.  Quem me trouxe foi a cegonha.
             Larga de deboche, homem.  Tem um livro que conta tudinho.
            — É um romance, rapaz.  Não é História.
            Este diálogo estava sendo travado num bar suburbano, famoso por suas batidas e empadas diversas.  Os tipos eram comuns, de meia idade, já afetados pela manguaça.  Um exemplar estropiado estava na mão de um deles, que poderia muito bem servir de personagem para Jorge Amado.
             Quer dizer que um homem fardado é mentiroso?
             Mete na cabeça, cara.  Isto é apenas um livro dum escritor famoso.
            — Então que é verdade mesmo.  Um escritor famoso não escreve mentira.
             Ele criou a história toda.
            — Criou?  Você está dizendo que ele inventou aquilo tudo?
            — Entendeu, burrão.  Inventou sim.
            — Ninguém é capaz de inventar a vida de um homem.  Tem o nome, o lugar onde viveu, os amigos, as farras.  Invenção nada, não acredito.
             Olha, vamos parar.  Eu sou ignorante, mas já li alguns livros, quando ainda estava na escola.
             Livros de mentira ou de verdade?
             De mentira, de verdade, eu lá sei o que você quer dizer.
             Como o do comandante Vasco.  Marinha Mercante, o amigo Georges Dias Nadreau é que era da Marinha de Guerra.  Capitão dos Portos.
             Invenção também.
            Pediram mais empadas de palmito.  Os copos de batida ainda estavam bem cheios.  Já estavam no quinto martelo grande.  Clima frio ajuda.  Não perceberam quando entrou no boteco um cidadão de cabelos grisalhos, troncudo, com um paletó esquisito, grosso, azul escuro e um quepe com uma âncora.
             Os amigos permitem que eu tome um grogue junto?
             Grogue.  Era isso que ele preparava na casa decorada com objetos de marinheiro.  Que coincidência!
             Posso saber do que está falando, grumete?
             Grumete?
             Sim.  Grumete.  Ainda não me parece um marujo.
             E você quem é?
            — Comandante Vasco Moscoso de Aragão.  Um velho marinheiro, às suas ordens.


sexta-feira, 4 de maio de 2018

Caminhando


                                    

            Geralmente, quando caminhamos sozinhos, nossos pensamentos vagueiam nestes desconhecidos caminhos que a Vida nos apresenta sem cessar.
            Dia frio, sem exagero. Céu luminoso, azul intenso, que contrastava com o jeans do jovem que seguia, com descrição, a moça que estava um pouco adiante.  Esta sim, chamava a atenção.  Bermuda de lycra justa, apertada, mostrando claramente boa parte do seu corpo.  Jovem.  É bom ser jovem!
            Com o discreto andar pelo longo calçadão, beira de praia, pouco se importava se chamava a atenção.  Mas chamava, e como chamava!  Interessante.  Se estivesse se exibindo, possivelmente passaria despercebida. Não estava, daí a naturalidade da sua formosura, seu corpo atraente, sua beleza sadia e natural.  Difícil, isso!
            — E se eu chamasse você para tomar um chope gelado no bar mais famoso desta praia?  
            — Como?
            — Está ali adiante.  Chope de caneco, sabor especial, gelado como só ele.
            — Não lhe conheço, moço!
            — Nem eu conheço você.  Compromissada?   
            — Interessa?
            — Mas claro que sim.  Mulher compromissada, quando por amor, é idiotice tentar uma aproximação.
            — No momento, não.  Estou livre e muito bem.
            O elegante bar foi alcançado.  Uma? Tomaram umas quatro canecas de um chope magnífico, com tudo que pode acompanhar esta bebida.  Linguiça frita e batatas idem.
            Dia seguinte, ainda falantes e sorridentes, deliciavam-se com o café matinal, perfumando a casa dele.  Sim, casa!  Naquele local elas são muito comuns.

            


segunda-feira, 16 de abril de 2018

Serra

                                      

             Não, não é o político feio, careca e inteligente.
            É a serra de Friburgo, Nova Friburgo, para ser mais exato.  Frescor característico, os pulmões agradecem quando se enchem do ar limpo. Tanto ele como ela, marido e mulher, moravam ali fazia anos.  Construção de alvenaria, primeira qualidade, e madeira, muita madeira, especialmente no teto de alto pé direito.  Dizem um erro, fazer assim na serra; no entanto o tamanho da lareira, em pedra do lugar, não era nada incapaz, para os dias de meses frios.  
            Atividades? As mais diversas.  Todo o lugar permitia.  Acordar quando o sol ainda não tinha nascido, ligar o fogo — de gás, o tradicional fogão a lenha demora um pouco para fazer o delicioso café que perfuma a casa toda, mas não a floresta.  Esta dá o tom.  É seu mesmo e já estamos incomodando muito.
            O som de água corrente não cessa.  Desperdício, deixar a torneira aberta?  Qual!  Ela está assim há não se pode imaginar quanto tempo.  É um riacho que corre nos fundos da casa, que não precisa ter torneiras, mas tem. A água, desviada para uma grande caixa, querendo ou não querendo as leis do controle, não vai cessar.  O riacho é grande.  Foi trabalhoso canalizar e colocar a água.
            O que fazia, e faz o casal?  De lá saem belíssimos bronzes.  Esculturas que dão gosto ver.  E livros, “livros à mão cheia, e manda o povo  pensar”.  Não pode imaginar como?  É fácil.  Basta pensar que nossa vida tem uma alternativa atrás da outra, e que nada está estático no Universo.  O ar não cessa de soprar, a água de jorrar, a vida de correr e nós de participarmos deste mundo maravilhoso.  Muitas vezes, conscientemente.  Muitas, também, com propósito determinado.  São tantos... Uns muito construtivos e cheios de igualdade.  Outros, onde impera a maldade, a desavença, a crueldade.
            Reclamar não adianta.  Nunca fomos perfeitos e, em tempo algum, conseguiremos alcançar este estágio.
            É pena!  Muita pena!
            “Não me perguntes por quem os sinos dobram.    Eles dobram por ti” — John Donne.


segunda-feira, 12 de março de 2018

Emasculado

                                           

            Dizem que a vingança é um prato que se come frio.
            Euclides comeu gelado.  Não, não é o famoso geômetra que lançou ao mundo o famoso postulado.
            Apenas, mais um desses pobres coitados que sofrem com a vida e com quem o cerca.  Euclides ganha pouco, vai de trem, ganha quase nada, é pouco criativo, fluminense doente, feio, duro e já meio impotente.  A mulher não ajuda em nada, persegue o infeliz desde que ele acorda até a hora de dormir.  Feliz do homem enquanto está no trabalho repetitivo e neurótico.
            Dia desses, ele saiu para dar uma voltinha perto da fábrica onde trabalha.  Numa cutelaria, viu uma faca sueca, soube depois pelo vendedor, que o encantou.  Bonita, boa pegada, ele tinha sido agricultor quando jovem, viu a qualidade do aço, cortante como navalha.  Comprou a faca, na bainha de couro cru.
            Voltou à maldita fábrica, esperou a sirene que dava por encerrado o maldito trabalho, pegou o maldito trem que o levava para a maldita casa de volta.
            A mulher não estava com bons bofes.  “Bebendo cachaça, vagabundo?” “Trabalhando”, respondeu o homem.  “É, quantas vagabundas tinham neste trabalho?”
            Ele já não suportava mais.  Botou o órgão para fora, pegou da faca e cortou pelo meio, ou perto dele.  Na frente da mulher.  Ela ficou imobilizada, pela cena.  Imobilizada morreu com a certeira facada que acabou com seus ventrículos.
            Não duvide!  Acontece. 


A plácida foto que ilustra? Ora, é um contraste.  Afluente do Velho Chico, onde nasce. 

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Livros

                             

            Leio muito.  Educação: devo isso aos meus pais. 
            Não deixaram nunca de presentear-me com bons livros.  Minha mãe era professora.  Mesmo sabendo que não se deve — teoricamente, claro, ensinar a ler antes dos cinco anos, com esta idade já escrevia com desenvoltura.  Conhecia um princípio de matemática e escrevia com muita facilidade, naturalmente pelo hábito da leitura diária.
            Meu pai, advogado, jornalista e político atuante, numa época que o jogo sujo não existia, mesmo nas bancadas da ditadura getulista.  Ensinou-me estas artes, tudo a meu pedido.  Até hoje sou um apaixonado e estudioso da nobre arte do diálogo, por vezes ríspido, mas nunca agressivo, na data passada.
            E que tem isso a ver com o que quero falar, melhor, contar ao meu povo blogueiro?  Alguns não têm blog, mas são apaixonados em participar comentando.
            Vamos lá: já disse que escrevia desde pequeno.  “Chegou a hora do meu”, pensei.  Nem sabia que o livro seria concluído.  Foi.  O problema era editar.  Mandei cópias para editoras famosas, e lá vinha o famoso bilhetinho “lamentamos informar, que embora contendo bons elementos, seu livro não foi aprovado”. 
            Procurei uma editora especializada em autores novos.  A Protexto, que lançou o meu primeiro livro, “A Regra do Jogo”.  Fazia parte da primeira página deste, com o título ‘publicados’.  Como os pedidos foram poucos, levei um pontapé e perdi o selo.  Migrei para a Amazon, e lá coloquei toda a obra, no formato de livros eletrônicos.  Continuam todos na gigantesca editora.  O problema não era esse, eu queria livros físicos, e embora a Amazon tenha também desta forma, o processo é complicado.  Mas uma editora norte-americana entrou em contato comigo e acabou publicando em inglês “The Rules of the Game”, cuja capa aparece no começo deste blog. 
            Dois livros que tenho orgulho de ser o autor: o citado e “Casarão”.  Sumiram as preocupações dos livros físicos.  Publiquei-os e já estão disponíveis no Clube de Autores, que não é propriamente uma editora, mas como diz o nome, um grande clube.  Enfim, fiquei satisfeito.  De lá não perderei mais a oportunidade de vê-los fisicamente publicados.
            Dirá o meu leitor: “está fazendo publicidade”.  Claro que estou.  Quem quiser fazer a compra, basta teclar em cima das capas.  Aparecem preço e modo de adquirir.
            Feliz, portanto!  Não me interessam vendas, dinheiro.  Mas quero saber se meus leitores gostaram ou não das obras disponíveis.



The Rules of the Game está hoje no catálogo do Clube de Autores.   

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Parlamentarismo

                                                    

            Temos, todos nós, eu inclusive, a mania de lavar roupa suja em público.
            Assim é agora e todo o sempre.  Os petistas estão em pânico.  Queriam porque queriam uma América do Sul bolivariana.  Ora, Bolívar foi um alienado político.  Não enxergando um palmo adiante do seu nariz, pretendeu juntar as Américas sob sua estranha doutrina, na qual só podemos pensar, nunca por em prática.  Ela é exclusivista, discriminatória e não atende as normas gerais de Direito Constitucional aceito e respeitado em todo o mundo.
            Socialista atual?  De jeito nenhum.  Mesmo da forma antiquada, onde o regime restringia-se aos ditames de um povo inculto e carneiro das elucubrações marxistas?  O filósofo inglês Bertrand Russel simplificou com muita propriedade o pensamento marxista: perigoso filosoficamente e equivocado matematicamente.  Russel foi conhecido matemático, enquanto Marx, advogado, nada entendia desta muita difícil ciência. 
Existem advogados apaixonados pela ciência dos números, como por exemplo, o ministro Barroso, do STF.  Mas conforme ele mesmo declarou, numa entrevista televisionada, parou seus estudos quando entrou o cálculo newtoniano.  Não por falta de capacidade, mas era, na época, chefe de um escritório muito movimentado no Rio de Janeiro.  Era preciso dedicação integral, e sua responsabilidade profissional exigia isso.
Ora, o STF já decidiu, em 2016, que transitada em julgado uma sentença de segunda instância, o réu deve ser preso e passar à pena incontinente, os recursos são muitos e corre-se o risco de prescrição, até julgamento final do Supremo.
Foi o presidente mais popular?  Talvez sim.  Mas também o que mais subtraiu o Tesouro Nacional, desde que temos dirigentes aqui no país, inclusive os das Capitanias Hereditárias, das quais somos vítimas até hoje.
Orgulhamo-nos da nossa democracia.  Que democracia, se os algozes nos ferem, e só em janeiro de 2018 já morreram treze policiais militares no Rio de Janeiro, combatendo o crime organizado?
A situação atual é muito pior da que se imagina.  Social, educativa e desenvolmentista.  A solução é uma só: trabalho.  Trabalho honesto, por toda a sociedade e pelos representantes dela.  Sem presidencialismo, o motivo de todas as discórdias, mas com um parlamentarismo exemplar.  

         

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Acontece mesmo

                            

            Fora de moda, de tempo, de tudo.  Aliás, se está fora de moda, não é preciso dizer mais nada. 
            Para variar, calor.  Também para variar, sujeira, baderna, bandidos, uns de gravata, outros de tênis ‘de marca’ e bermudas.
            Entrou num botequim sujo.  Tomou duas talagadas grandes, antes de consumir o resto do copo.  Como andava de tênis, o copo era de aguardente mesmo.  Álcool é bom, mesmo para quem está viciado em maconha.
            ── Tudo em cima, Zezinho?
            ── Tudo.  Geraldo já deu as caras?
            ── Eu não vi.
            ── Tá me devendo.  Entreguei oitocentas gramas.
            ── Dizem que é de confiança.
            ── Se não for, é chumbo nele.
            Pediu uma cerveja.  Imagine, um homem de péssimos antecedentes, maconhado, bebendo cachaça e cerveja.  Estava armado.  A tal ‘Glock’, pistola da moda, cara no país, barata na Europa.  A televisão do bar estava ligada.  Surgiu uma imagem de mulher, que ele reconheceu na hora.  Fora assassinada, havia traído o chefão do lugar.  Com um policial, imaginem só, com um policial!  Só a morte mesmo, com tortura anterior.  Foi exatamente isto que aconteceu.
            Sinal dos tempos.  Sim, dos tempos e acontece em qualquer lugar do mundo.  Este?
            Foi no Brasil mesmo.  Onde tem cachaça no mundo?  Calor, vagabundos e impunidade?  Aqui.  Infelizmente, aqui, especialmente onde o caso ocorreu, no Rio de Janeiro, para a minha vergonha de carioca.  Brasileiro?  Claro, mas este assunto merece CPI.  Não sabe o que é isso?  Comissão Parlamentar de Inquérito.  Bandido julga bandido, nestes casos mais rasteiros. 
            Pena!  Grande pena.  Mas acontece!