— Pois é o que eu digo!
O comandante Vasco existiu mesmo.
— Ele e Papai Noel.
Quem me trouxe foi a cegonha.
— Larga de
deboche, homem. Tem um livro que conta
tudinho.
— É um romance, rapaz.
Não é História.
Este diálogo estava sendo travado num bar suburbano,
famoso por suas batidas e empadas diversas.
Os tipos eram comuns, de meia idade, já afetados pela manguaça. Um exemplar estropiado estava na mão de um
deles, que poderia muito bem servir de personagem para Jorge Amado.
— Quer dizer que
um homem fardado é mentiroso?
— Mete na cabeça,
cara. Isto é apenas um livro dum
escritor famoso.
— Então que é verdade mesmo. Um escritor famoso não escreve mentira.
— Ele criou a
história toda.
— Criou? Você está
dizendo que ele inventou aquilo tudo?
— Entendeu, burrão.
Inventou sim.
— Ninguém é capaz de inventar a vida de um homem. Tem o nome, o lugar onde viveu, os amigos, as
farras. Invenção nada, não acredito.
— Olha, vamos
parar. Eu sou ignorante, mas já li
alguns livros, quando ainda estava na escola.
— Livros de
mentira ou de verdade?
— De mentira, de
verdade, eu lá sei o que você quer dizer.
— Como o do
comandante Vasco. Marinha Mercante, o
amigo Georges Dias Nadreau é que era da Marinha de Guerra.
Capitão dos Portos.
— Invenção também.
Pediram mais empadas de palmito. Os copos de batida ainda estavam bem
cheios. Já estavam no quinto martelo
grande. Clima frio ajuda. Não perceberam quando entrou no boteco um cidadão
de cabelos grisalhos, troncudo, com um paletó esquisito, grosso, azul escuro e um quepe com uma
âncora.
— Os amigos
permitem que eu tome um grogue junto?
— Grogue. Era isso que ele preparava na casa decorada
com objetos de marinheiro. Que
coincidência!
— Posso saber do
que está falando, grumete?
— Grumete?
— Sim. Grumete.
Ainda não me parece um marujo.
— E você quem é?
— Comandante Vasco Moscoso de Aragão. Um velho marinheiro, às suas ordens.