terça-feira, 16 de abril de 2019

Escrevendo

                                           

            Estes calçadões costeiros que existem em tantas cidades do Rio de Janeiro são mágicos.
            Veja: servem para passear, namorar, fotografar, ficar quieto pensando na vida, olhar para as mulheres bonitas que vão pegar uma cor no sol da praia, enfim, penso que todos conhecem como são agradáveis e úteis.  Mais: no outro lado da avenida que contorna o lugar, sempre tem uma cadeia de restaurantes, bares dos sofisticados até aos mais simples, onde tudo se fala, tudo se comenta, tudo se vê.
            — Nunca tinha escutado falar nisso?
            — Nunca.  Olha lá, não se esqueça que não estudei literatura. Sou advogado.  Velho, mas sou.
            — Meu colega de turma e amigo de longos anos.
            — Mas nunca escrevi nada, embora goste muito de ler e estudar a teoria.
            A conversa desenvolvia-se entre dois homens de meia idade, vestidos simplesmente, era verão, tempo que não convida elegância, salvo a dos trajes de praia.  Por ofício, sempre viveram de escrever. Um juiz; outro jornalista mesmo.
            — Está mais do que em voga que um escritor deve levar na sua bagagem uma boa dose de sofrimento.  Dostoievsky falou claramente sobre assunto.
            — E Hemingway arrematou com um ‘óbvio’.
            — Também já ouvi falar nisso.  Mas nem um, nem outro, escreveu sobre o assunto
Verdade. Não havia nada escrito sobre esta condição indispensável para um homem transformar-se num escritor.  A gente presume talento e entende que isto já é até demais!  Engano.  Talento puro não faz profissão nenhuma. O bom padeiro sabe, por exemplo, quando a massa batida e sovada, deixada para descansar, deve ir ao calor exagerado, digamos cento e oitenta graus centígrados, no mínimo.  Ah! Isto não é calor?  Ora para forjas de aços cortantes, armas e tantos outros instrumentos, realmente é apenas um calor, nunca uma têmpera.  Esta, quando se dá na literatura, vai direto, não tem termômetro que meça.  As regras também vão mudando. O antes bem discreto, hoje se transformou em evidente, especialmente quando se fala em sexo.  Os biógrafos de Freud são unânimes em afirmar que ele lia muito Édipo, de Sófocles, Hamlet, de Shakespeare e Os Irmãos Karamazov, de Dostoievsky. Os dois primeiros são óbvios, mas o último complica.  São muitos os personagens, o romance é longo e as análises mais ainda. Escrever é arte muito complicada. Esta, por exemplo, ficou fraca. Não está me agradando.  Mas segue. Senão o estudo fica sem valor.
Deram um longo e final trago no chope gelado e foram-se embora. A deusa Ficção acompanhou-os, com sua pantalona cinza e sorriso discreto.