Acertando o rumo
Dia frio, sem exageros.
A varanda do casarão tinha três homens, que sentados em torno de mesa
enorme, cadeiras confortáveis, armário de bebidas para ninguém botar
defeito. O panorama que se via era
verde, um pouco desmatado em frente à casa, mas disperso por todo resto.
Montanhas. Muitas,
de pouca altura, mas paleta de pintor experimentado no verde. Casarão?
Para os dias de hoje, sim. Três
banheiros e cinco quartos, mesmo que em lugar bem perto da civilização que
conhecemos, a casa era muito grande sim.
Grande, simpática e aconchegante, num local perto de Teresópolis. Local privilegiado.
— A coisa não está tão feia, Leandro.
— Como não está?
Inflação, desemprego, safadezas políticas uma após outras, recessão, e
você acha isto pouco?
— Não se trata de achar isto ou aquilo, meu caro. O que eu pergunto a mim e a vocês é a saída
desta confusão toda.
— Como de todas as outras vezes. Já somos calejados com
governos de exceção.
— Mas este não é assim, foi eleito!
— Acha mesmo que estas eleições foram honestas? Enquanto aquela maquininha de votar não
imprimir o seu voto, eleição para mim é fraude eletrônica.
— Um deputado apresentou projeto sobre isto. Reacionário, mas seus colegas aprovaram.
— Está parado.
Claro que não vai dar em nada, estamos no país da falsidade. — Estendeu
o braço, apanhou a garrafa com a estranha mistura, cachaça com canela em pau,
envelhecida em pequeno tonel de carvalho, era o orgulho deles. Todos amigos de longa data, podiam ficar sob
o mesmo teto sem maiores dificuldades, fato raro.
— Claro que não confio nesta máquina. Sem imprimir meu voto, nada feito. Fraude eleitoral, brasileiro é muito
presunçoso, acha que pelo fato do resultado sair no mesmo dia da eleição, somos os maiores do
mundo.
— Mas desviamos o assunto. E a solução?
Dólar a mais de quatro reais, exportações difíceis, férias coletivas
para evitar desemprego em massa. Onde isto termina? — O que falou era o único
que protegia a cabeça, era careca, usava um gorro de lã. Velhos têm medo da pneumonia. Quando ataca, é difícil sair dela, se não
estiver forte. Este, de forma um tanto
neurótica, protegia-se da morte tomando chá verde em jejum. Depois, era o café, com frutas, torradas,
queijo e iogurte, prescrição da dietista.
Mas na hora de beber, adeus prescrições. Estava certo, o velho Cidoca,
apelido comum para o seu nome, Alcides.
— Quem enxergar a melhor saída que se pronuncie.
Não há melhor ou pior saída. Há trabalho honesto, por parte de todos, fato
que se torna obrigatório em todas as sociedades. Uma vergonha brasileira! Sair em todas as manchetes mundiais como país
desonrado.
Este fato é novo.
Na verdade, o Brasil nunca significou nada, para o mundo externo. Com o trabalho desenvolvido, conseguiu a
sexta posição como país mais rico. Em
menos de um ano, passou para a décima posição, e se persistir esta crise
criminosa que o governo teima em politizar, vai acabar como completamente
desmoralizado.
— Vou repetir. Quem souber a melhor saída que se
manifeste.
Ninguém falou nada!
Silencio absoluto. Surgiu então,
na cabeça de todos, a velha afirmação de Capistrano de Abreu, historiador de
bom conhecimento: “Todo brasileiro deve ter vergonha na cara”. É a melhor e mais sábia solução.