quarta-feira, 23 de março de 2016

Inexistente

                                  

             Calor, mas nem tanto.
            O homem de bermudas azuis, já não muito novo, tomava uns chopes em bar limpo e bem frequentado, próximo ao mar, perto da praia.  Sentia a suave sensação de frescor vindo do vento marítimo, enquanto observava o mar, o céu, as nuvens e as pessoas que passavam.
            Era inevitável.  Seu pensamento foi tomado pela linda moça que havia conhecido.  Ficaram muito amigos; aliás, passaram bastante disso.  Misteriosa mulher!  Tinha nome, profissão definida e pais vivos e felizes.  Ela, lindíssima.
            Entre outros talentos, Maria Eduarda fora modelo famoso no Porto, Portugal.  Fez o convite: “vamos morar lá? A casa é herança, é dos meus avós”.  Ambos tinham falecido, e a bela Maria Eduarda era a herdeira e sucessora por eles nomeada, certidão passada em cartório.
            Para o homem de bermudas azuis o problema não era tão simples.  Ainda trabalhando no Brasil, uma mudança repentina era arriscada.  Um antigo laço amoroso servia para complicar mais a situação, embora não fosse sério a ponto de impedir qualquer decisão.  O trabalho sim, este era problema, embora Maria Eduarda já tivesse afirmado que profissões liberais, quando quem as exerce é tido como competente, não são obstáculos ao exercício na terra dos nossos avós.
            Ela estava no Porto.  Ele, no Rio.  Mandou um e-mail.  Era mesmo a solução, iria ao seu encontro e fosse o que os deuses quisessem.  A mensagem voltou no ato.  O endereço estava incorreto, ou não existia.  “Não existe como, se falei com ela ontem?”.  Falei é a maneira de expressar-se.  Não falou, escreveu.  E também não teve resposta.  A elegante e linda mulher havia desaparecido.  Nada de respostas
            As saladas de alface, agrião e queijo branco, sempre servidas na sua casa, acompanhadas de vinho branco português, de melhor qualidade, com pão e azeitonas, não eram mais divididas pelos dois.
            Ele escreveu, escreveu, escreveu e nada, as mensagens não eram enviadas.  Voltavam logo que partiam, com a advertência de “endereço não encontrado”.
            Ora, não era personagem imaginária.  Ele esteve com ela!  Não uma, mas várias vezes.  Acontece.  É uma das facetas do mundo de hoje, mas acontece. 
            Quis chorar.  Lembrou-se dos angariados pelo terrorismo.

            Bebeu mais um delicioso chope duplo e foi-se embora.