“Os Velhos Marinheiros”
Nosso
escritor maior, pelo menos assim eu o julgo, foi muito feliz quando escreveu
“As aventuras do comandante Vasco Moscoso de Aragão, capitão-de-longo-curso.”
Para
quem nunca leu, e para os que leram e gostaram como eu, relembrar é dar
gargalhadas, ao mesmo tempo em que podemos com nitidez perceber a alma do
artista transformando fatos comuns em acontecimentos grandiosos, quando assim
ele entende. Transforma com facilidade o
vencido em vencedor, e sabe suplantar a mediocridade sem ser agressivo nem
grosseiro.
Vasco
era um rico comerciante de Salvador, que frequentava uma roda importante, todos
ostentando títulos. Sentia-se pequeno;
diploma não tinha. A cada dia, mais
envergonhado, até que o Capitão dos Portos, comandante Georges Dias Nadreau tem
uma conversa séria com o amigo. Queria
saber por que Vasco andava tão macambúzio.
Após
insistência, surgiu a verdade. “Sou um
merda, todo mundo é doutor, você, por exemplo, manda em marinheiros, tem
patente, é o Capitão dos Portos.”
Revelado o segredo, ouve de resposta que “idiota, com o dinheiro que
você tem, troco minha patente por ele.”
Como isto não é possível, Georges arranja uma farsa ideal. Através de um exame onde imperou a mentira,
Vasco torna-se, por obra e graça do Comandante Nadreu, capitão-de-longo-curso,
habilitado a comandar navios pelos mares do mundo, mas com uma séria
advertência: “veja lá o que vai me aprontar. Não se atreva a comandar navio
nenhum”, e a resposta do amigo, agora sorriso só, foi um imediato “Deus me
livre.”
Jorge
Amado diz que os amigos “são o sal da terra”, e são mesmo! O cabisbaixo Vasco torna-se valente
comandante, senhor dos mares, rei das meretrizes que pululam nos portos, tem
história atrás da outra para contar.
Aposentado
e desfeita a turma dos amigos, muda-se para Periperi, arredores de Salvador,
onde cedo se transforma no mais importante morador da pequena cidade. E tome
mentira, uma atrás da outra, casos de naufrágio, tempestades, mulheres
apaixonadas...
Não
escapa das maledicências de Zequinha Curvelo, fiscal de rendas aposentado que
não suporta o comandante; tomara-lhe o posto de contador de histórias na
cidade. Mas a história de Zequinha era
só uma: as “tricas e futricas” sobre o seu processo na justiça, onde lutava por
pagamento que, no seu entender, deveria ter sido feito. Falava horrores da justiça, mas seu ódio era
contra o comandante Vasco, a quem chamava de impostor, vagabundo, que nunca
havia pisado no convés de um navio.
Mas
como tudo é possível, chega autoridade e solicita os préstimos do comandante, o
único ainda encontrado na lista da Capitania.
Vasco recusa, mas sabe que não vai adiantar nada, como de fato
aconteceu. Teria que comandar um Ita,
cujo comandante falecera
Um
porre de cachaça faz com que ele consiga dormir numa pensão vagabunda.
Mas
a quem Deus prometeu, nunca faltou, dizem todos. Ventos tenebrosos e mar enfurecido
desarvoraram todos os navios, menos o Ita, firme no porto, guiado pela mão
segura do Comandante Vasco Moscoso de Aragão, capitão-de-longo-curso.
Jorge
Amado soube transformar a mediocridade humana num feito de grandes
proporções. Já li este romance um sem
número de vezes...
Imagem: Zélia Gattai, esposa e companheira de Jorge Amado