quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

A mangueira morreu


 

                                            A mangueira morreu

 

            Pois é!   A enorme e bela mangueira, que era uma referência da minha casa, morreu.

            Existe uma praga de cupim, que ataca árvores frutíferas, com mais frequência.  Pegou a mangueira que eu e meu pai plantamos.  Na época, aos sete anos de idade, ou pouco menos.  Mas guardo recordação disso até hoje.

 

            Ela cresceu muito, seu tronco só dois homens o abraçavam.  A fruta?  Deliciosa e quando chegava novembro, já apareciam as primeiras, deliciosas, enormes, sem fiapos, doces que só elas!  Uma dádiva!  A molecada da rua botava-nos, eu e minha mulher, doidos: “moça! Moooçaaaaaaa! Me dá uma manga?”  Então fui obrigado a instituir uma regra.  Manga só de manhã, durante a tarde nem pensar.  Lei respeitada por todos, comentavam uns com os outros  a decisão de seu Jorge.

            O que eu não sabia é que seu Jorge havia ficado famoso.  “Muito boa praça, mas meio doido só deixa pagar manga de manhã.  E avisa que pode ‘pelar’ a mangueira”,  é o que diziam.  Realmente, era assim.

            Desconfiava que muitos estavam matando a fome com as mangas enormes. Sim, caso você comesse  uma inteira, não almoçava, várias vezes experimentei isso, no calor de verão. Fosse comida uma manga tirada do pé, doce como era, não autorizava depois um prato de feijão.  Só mais tarde, bem mais tarde.

            Certa noite fui até a padaria próxima, comprar cigarros, havia esquecido dos dois maços tradicionais.  No meio do quarteirão, vejo uma figura forte, e se dirigindo para mim.  “Ferrei-me”, pensei.

— Seu Jorge!

— Sim, eu!

— Está de cabelos brancos!

— Ninguém é jovem a vida inteira, meu caro. Mas diga.  Donde me conhece?

— Não se lembra do Nico, que o senhor chamava de mico, quando subia na mangueira da sua casa?

Em pouco tempo lembrei-me do fraquinho e bem moreno guri, que vinha com um saco, subia nos pontos mais altos da mangueira, depenava tudo e me deixava nervoso, tão alto ele subia, em galhos finos.

— Lembro sim!  Não me diga que é você, cara!

— O próprio.  Por sua causa não tive fome muitas vezes.

— Como assim?

— Eu comia uma manga, vendia as outras e quase todo o verão era a mesma coisa. Não lhe dou um grande abraço porque estou muito doente.  Obrigado, seu Jorge.  E foi-se embora rápido.

Nunca mais o vi.

 

Sabem?  Deu-me mais saudade da minha mangueira. Soube agora que ela tem 'filha' e 'neta', em sítio de um primo. E mais outras, perto da minha casa.  A morte não existe! 


Imagem: rosa.  Eu plantei. De galho, na poda.