sábado, 27 de fevereiro de 2010

Não era amor

Ventimiglia












Ventimiglia é uma pequena e muito antiga cidade italiana, que faz fronteira com diversas cidades, mas pela estrada que contorna o Mediterrâneo está próxima a Menton, França.
Quem conhece a paradisíaca estrada, que permite ver as águas do oceano de cor azul intensa, fica maravilhado e a primeira coisa que lhe vem à cabeça é estabelecer uma comparação.
Isto não existe. Cada lugar tem sua alma, diversa de todas mais.
Dirigindo um Fiat alugado, o homem levava um carregamento na mala nada interessante. Automóvel alugado tem muitas vantagens. Basta apresentar os documentos da locadora, com seguro, e sua carteira de motorista, passaporte e qualquer autoridade, salvo quando há alguma verificação. Os policiais não incomodam.
O homem que dirigia estava ao lado de uma linda mulher bem jovem, pele queimada, cabelos dourados e usando um boné vermelho da Ferrari. Havia feito a escolha com cuidado, em Nice. Prostíbulo de alta categoria, bem caro. Era a mais disponível, no momento, dentre as mais bonitas. Outro golpe. Policiais não costumam incomodar quem está acompanhado de mulher elegante e bonita.
Estacionou o carro, tomou a moça pelo braço, era pouco mais velho, mas não a ponto de chamar atenção. Onze horas da manhã.
Sentados na cadeira de elegante bar à beira da praia, ele pediu uma grapa ao simpático garçom. Ela aceitou a sugestão do companheiro. Campari, gelo e rodela de limão. O homem esperado não se fez demorar. Entregou um envelope que foi examinado pelo bebedor do conhecido destilado italiano, a grapa. Entregou uma espécie de presente, ou seja, a caixa assim estava embrulhada.
- Quero minha parte. Não sabia que estava sendo contratada para tráfico de ecstasy.
- Fala baixo, vamos até um lugar seguro.
Entrou numa estrada estreita, dava numa praia maravilhosa. Tudo deserto. Contou o dinheiro, estava certo. Este meio não admite falsidades; sempre custa uma vida.
Custou a da jovem de boné vermelho, que levou um golpe mortal e foi abandonada inerte, olhos assustados, num lugar tão bonito.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A volta do malandro

Essencial






Branco, jeans, barba curta e com uma cara muito folgada.
Não se sentou; aboletou-se.
- Quem manda na espelunca?
- Moço, aqui não se manda não. A gente conversa.
- E quem vai trazer a minha lima-da-pérsia? Tem um valente aqui que faz e é conhecida.
- Seu Venâncio. Vão brigar?
- Mas que brigar, rapaz. Valente não briga com valente. Entra em acordo. Não desconversa. Traz logo minha lima.
- Não é igual a do seu Venâncio.
- Vai ficar falando nele? Que apito ele toca?
- Ele é poeta...
- Poeta? Cadê o homem? Pago uma nota boa para ele.
Neste exato momento, adentrava no Boteco, sim, Boteco com maiúscula, um cidadão com ar decidido, magro, camisa para fora das calças.
- Bom dia. Ouvi falar no meu nome e em dinheiro.
- Venâncio?
- É o meu nome. Não vendo poesia. O que o cidadão está querendo?
- Venâncio, meu compadre, meu irmão. Tinha uma mulher linda. Aquela com um verso bonito, volta.
- Que coisa é essa, rapaz? Já andou tomando umas manguaças por aí.
- E não é para tomar? Olha o retrato dela aqui.
Mostrou o retrato. Mulher linda, olhos de quem está pedindo amor, boca chamando para um beijo de horas. Ele olhou o retrato cuidadosamente, era fotógrafo também. Precisava tomar cautela para não despertar ciúme no valente. Seria ruim.
- T’aí. Escrevo um poema sim. Se ela voltar avisa.
Escreveu o poema. Entregou. Mas não fez a batida. O malandro havia voltado para o Boteco.
Para a alegria de todos.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Os ciúmes do Ferraz (final)

  Namoradas











Sim, Ferraz guardou a arma e foi-se embora, para a sorte sua, da mulher e da bela administradora do colégio onde Angela trabalhava.

O gatilho sempre foi mau conselheiro. Se tivesse sido usado, a desgraça seria grande.

Desde os dezenove anos, já cadete da AMAN, Ferraz e sua linda irmã Maria Lúcia, tinham-se tornado amantes apaixonadíssimos. Sempre desejaram isso. Mas a famosa moral impedia fortemente. Irmão com irmã? Nem pensar! Mas dia-a-dia a paixão aumentava.

Até que certa noite, depois de conversa amena e amorosa, tomando um bom tinto chileno com queijo, torradas pequenas e azeitonas deliciosamente perfumadas pelos temperos no azeite extravirgem, aconteceu o inevitável. Um longo beijo, com ambos enlouquecidos na casa em Teodoro de Oliveira, serra friburguense, um foi do outro numa agonia. Riam, falavam, trocavam carícias, estavam nus, admiravam-se e o fato se consumou.

Não houve arrependimento; a paixão aumentou. E nunca mais deixaram de ser amantes apaixonados.

Por isso, Ferraz guardou a arma.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Os ciúmes do Ferraz

  Namoradas











Motivo não havia. Ambos eram moços, Américo Ferraz e Angela Meira, que também tinha o sobrenome do marido.
Ferraz andava casmurro. Há algum tempo estava assim. Depois de sete anos de casamento, meteu na cabeça que Angela havia arranjado um namorado, não se sabe a causa da idéia do homem simples.
Estas situações são sempre perigosas, tanto para o homem, quanto para a mulher. Precipitam chuvas inconscientes, a razão de pouco vale. A causa da desconfiança tinha um sentido, mas era incerta.
Tudo começara quando ele ouviu a mulher finalizando uma ligação telefônica com um “te amo”. Ficou arrepiado como um gato acossado por cachorro grande.
- Ama quem? - Vivi, querido. – Quem poderia ser, senão a irmã única, que praticamente foi sua mãe desde que a verdadeira havia morrido, quando eram pequenas? Lindas, as duas. Viviane era mais velha quatro anos. Recebeu de pronto ligação de Ferraz. Já havia sido prevenida pela irmã que o marido andava muito desconfiado. Sua voz confirmando que Angela havia acabado de ligar foi imediata.
O homem sossegou momentaneamente e ficou olhando a bela mulher que o mirava sem muita vontade. A repulsa de Angela era fácil ser notada. Cumprindo rigorosamente o seu papel, passava-se por irritada com a desconfiança do marido.
Como sempre, os pedidos de perdão, abraços e beijos, davam certa repugnância naquela mulher.
Lancharam bem. Era um dos bons hábitos que tinham. Frutas, queijo e torradas. O café era uma mistura esquisita. Meia dose do comum, e a outra de descafeinado. Evitava uma insônia ou excitação incômoda. Conversaram enquanto viam um chato programa de televisão, e foram dormir cedo, como de costume. Ela por ser professora, ele por ser militar, em início de carreira. Capitão do Exército.
Saíram cedo. O que Angela jamais poderia supor era que estava sendo seguida por um motociclista de capacete preto. Ferraz pedira a um colega de armas o excelente veículo para estas tarefas. Angela estacionou seu automóvel já passado, mas em perfeito estado e muito limpo.
Entrou em outro carro, cujos vidros escurecidos não davam para saber quem estava lá dentro. Um automóvel é presa fácil. Pouco distante, a moto estava seguindo.
Quando entraram na simpática casa de campo, onde havia uma plantação orgânica, tanto de legumes como de tomate, agrião, alface e rúcula, o local era produtivo, Ferraz saltou, esperou um tempo, conferiu sua Colt quarenta e cinco e entrou, forçando uma janela. Experiente, não foi visto pelos três lavradores. Arma em punho, disposto a matar, olhou por uma comunicação da casa, janela comum. Nua e apaixonada, Angela estava em êxtase com uma supervisora do colégio. Ele a conhecia muito bem. Guardou a arma e foi-se embora.
Para sorte dos três...



O cronista, muitas vezes, deve chocar. Sigo o conselho de Nelson Rodrigues, nosso maior dramatugo.