terça-feira, 27 de novembro de 2018

Em frente

                                       

            Um casal.  Nem tão jovem, os dois estavam conversando tranquilamente sentados na cadeira do bistrô famoso, Paris, França.
            — Eu não disse isso.
            — Certo, mas deu a entender claramente.
            — Também não dou a entender. Falo.  Não gostou, se lixe.
            — Está sendo grosseiro. — A mulher não estava agradando nada a conversa.
            — Ora, a porta daqui não tem trinco.  Aliás, porta nenhuma tem fechadura.  A existência é a principal delas, a mais valiosa. De momento para o outro você ‘encanta-se’.
            — Sei disso e não há de ser você que vai me dar lições de vida.
            Ambiente tenso.  Lá fora, clima agradável, nem frio, nem calor.  Eram escritores.  Gente complicada, por vezes, e excessivamente gentil, por outras.  Tudo surgira num comentário de uma revista.  Yuri não gostara nada do que vira escrito.  Elogiar sim, faz parte. Bajular com termos que ele não gostou, não. Para dizer a verdade, não gostou de nada e a partir deste momento tudo pode acontecer.  Desde que reprovara uma atriz famosa num teste de textos, pois ela queria também escrever peças dramáticas, a coisa não andava nada bem para o seu lado.  Bebeu uma farta dose de conhaque, e quase em seguida pegou o café.  Deu vontade de ter um cigarro, naquela hora.  Mas havia deixado de fumar a muito tempo.
            — Sabe? Melhor acabar tudo agora. Foi longe demais.
            — Quem foi longe demais?  Você sabia de tudo, não fiz trapaça.
            — Não fez trapaça? Leia! —  E atirou a revista para a mulher.
            — Que tem demais?
            — Que tem demais, sua descarada?  Este “meu amor” aí é pouco, por acaso?
            — Maneira de dizer, só isso. — falou enquanto ajeitava a saia de lã muito fina. Tempo bastante ameno não necessitava de tecidos grossos e quentes.
            Yuri lembrou-se da atriz brasileira, que também queria escrever peças teatrais. Linda, divinamente linda, mas sem o menor talento para ficar diante de uma tela de computador escrevendo o que absolutamente não seria capaz.
            “O azar está solto”, pensou.  Ele havia se tomado de graça, amor não, mas simpatia pela tal bela.  Agora, mais esta.
            Morreu ensanguentado pela bala da gendarme, que a tudo assistia e percebeu o ataque com a faca de queijos que o escritor iria fazer,  não fosse alvejado.
            Acontece; é bom não duvidar do inesperado.