Um casal. Nem tão
jovem, os dois estavam conversando tranquilamente sentados na cadeira do bistrô
famoso, Paris, França.
— Eu não disse isso.
— Certo, mas deu a entender claramente.
— Também não dou a entender. Falo. Não gostou, se lixe.
— Está sendo grosseiro. — A mulher não estava agradando
nada a conversa.
— Ora, a porta daqui não tem trinco. Aliás, porta nenhuma tem fechadura. A existência é a principal delas, a mais
valiosa. De momento para o outro você ‘encanta-se’.
— Sei disso e não há de ser você que vai me dar lições de
vida.
Ambiente tenso. Lá
fora, clima agradável, nem frio, nem calor.
Eram escritores. Gente
complicada, por vezes, e excessivamente gentil, por outras. Tudo surgira num comentário de uma
revista. Yuri não gostara nada do que
vira escrito. Elogiar sim, faz parte.
Bajular com termos que ele não gostou, não. Para dizer a verdade, não gostou de
nada e a partir deste momento tudo pode acontecer. Desde que reprovara uma atriz famosa num
teste de textos, pois ela queria também escrever peças dramáticas, a coisa não
andava nada bem para o seu lado. Bebeu
uma farta dose de conhaque, e quase em seguida pegou o café. Deu vontade de ter um cigarro, naquela
hora. Mas havia deixado de fumar a muito
tempo.
— Sabe? Melhor acabar tudo agora. Foi longe demais.
— Quem foi longe demais?
Você sabia de tudo, não fiz trapaça.
— Não fez trapaça? Leia! — E atirou a revista para a mulher.
— Que tem demais?
— Que tem demais, sua descarada? Este “meu amor” aí é pouco, por acaso?
— Maneira de dizer, só isso. — falou enquanto ajeitava a
saia de lã muito fina. Tempo bastante ameno não necessitava de tecidos grossos
e quentes.
Yuri lembrou-se da atriz brasileira, que também queria escrever
peças teatrais. Linda, divinamente linda, mas sem o menor talento para ficar
diante de uma tela de computador escrevendo o que absolutamente não seria
capaz.
“O azar está solto”, pensou. Ele havia se tomado de graça, amor não, mas
simpatia pela tal bela. Agora, mais
esta.
Morreu ensanguentado pela bala da gendarme, que a tudo
assistia e percebeu o ataque com a faca de queijos que o escritor iria
fazer, não fosse alvejado.
Acontece; é bom não duvidar do inesperado.