terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Chuta que é macumba

                                                        Chuta que é macumba


    Uma vez autorizado pelos leitores a prosseguir com a trova modificada, em razão do número de leituras, não muito grande, mas nada inexpressivo vou continuar postando o gênero poético.
    Falei no texto que tenho um amigo que toda vez que se depara com alguma situação embaraçosa, fato desagradável e situações semelhantes, solta logo seu brado de guerra “chuta que é macumba.”
    Ranhetice, velhice ou todas estas doenças que terminam em “ice”, a coisa funciona.  Começa a surtir efeito desde o semiberro chuta que é macumba.  Os desconhecidos poderes mentais entram em ação e segregam um hormônio chamado contra-aporrinhola, conhecido por poucos na medicina moderna.
    A contra-aporrinhola, como seu nome está dizendo, é um velho antídoto segregado pela mesma glândula de produz a serotonina.  Esqueci o nome, perdão.  Não sou médico, logo não tenho obrigação de saber estas coisas.  Dito hormônio tem o poder de espantar aborrecimentos, também conhecidos com o nome de aporrinholas, neologismo criado pela morena, aquela minha velha conhecida, bonita de fazer pena e que está me assessorando na presente tese de alto interesse e profunda indagação.
    Reduzindo à expressão mais simples: aporrinhola é tudo aquilo que chateia, aborrece.  Neste caso, não duvide: chuta que é macumba!
    Por falar em neologismo, nosso simpático  João Ubaldo Ribeiro, acaba de ganhar o maior prêmio da literatura portuguesa.  O Prêmio Camões foi merecidamente ganho, reconhecendo a obra do literato famoso.
    Em dinheiro, cem mil euros, quase trezentos mil reais.  Sem falsa modéstia, Ubaldo declarou que “se ganhei foi por que mereci”, afirmação verdadeira, muito, muitíssimo oportuna.  Um grande abraço, Ubaldo.  O povo brasileiro agradece. 
    Deus do céu, que trapalhada!  Também pudera.  Quem mandou eu permitir que a morena participasse desta tese?
    Um conselho final: não gostou?
    Fácil. Chuta que é macumba. 



O Black Label e o Jack Daniels, favor não chutar!  Enviar para o autor.



sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Casarão

                                                         

Capítulo 1

              Estavam sentados em torno da grande mesa, feita de uma só tábua de madeira nobre.
              Grande a casa, pé direito alto, construção que mostrava bom gosto.  A sala onde alguns beliscavam queijos e grãos oleaginosos, um hábito deles.  Oito homens, mas somente um preferiu beber conhaque, naquela noite.  Os outros estavam tomando uísque, em copos médios, com muito gelo.  Terminada a rodada, a maioria, como de costume, dava boa noite e se retirava.
              Palmas e campainha tocando?  Àquela hora?  Um dos poucos servidores voltou do portão e falou baixo ao mais velho, que acabara de colocar seu copo na mesa.
              — Um tipo estranho, senhor.  Está vestido com uma espécie de túnica branca.  Parece um peregrino e tem ótimo aspecto.
              — E o que ele quer?
              — Pediu pousada.  Só quer dormir e amanhã sai antes do Sol nascer.
              — Estranho.  Traga até a antessala.  E fique por perto, nunca se sabe o seu intento.
              Escolheu uma bengala pesada, ajeitou o robe e aguardou que o visitante estivesse dentro da casa.  A um sinal do empregado, foi ao encontro.
              Realmente, o tipo tinha aspecto excelente, muito limpo e exalando um perfume completamente desconhecido.  Leve e muito discreto, cheiro de homem mesmo.  Estava com uma túnica branca, barba longa e usava uma sandália de couro, o mesmo da bolsa que trazia a tiracolo.
              — A Paz esteja nesta casa, senhor.  Obrigado por atender.
              — É hábito neste lugar.  Meu empregado disse que quer abrigo.
              — Se for concedido, aceito de bom grado.  Venho caminhando há muitos anos.
              — Toma uma bebida conosco, antes de dormir, peregrino?
              — Se for vinho, aceito.
              Estranho.  O homem tinha um andar como se na terra não estivesse.  O olhar inspirava grande confiança.  Ninguém lhe perguntou o nome.  Quando viu os pães redondos feitos na casa, pediu licença, rasgou um pedaço para ele, e fez um gesto que parecia estar convidando a comerem juntos.  Provou o vinho, deu logo após um longo gole, quando um barulho se fez escutar.
              Era um ruído estranho, muitas vezes seguido de um vento frio.  Vez por outra, o fato acontecia no lugar.
              — Fora!  Este lugar não é para você.  Fora!
              Ninguém entendia nada.  Com quem falava?  Súbito, as luzes apagaram.
              — Fora!  Fora!
              E os presentes viram que seu corpo emanava luz, clareando o ambiente.  A energia elétrica retornou. 
              Tranquilo, o homem perguntou se poderia tomar mais um cálice de vinho, logo posto no seu copo pelo mais velho do casarão.
              Na manhã seguinte, como havia falado o peregrino estava de saída.
              — Volte sempre, amigo!  Gostamos de você.
              — Vou em corpo.  Não se incomodem.  Estarei sempre presente.  E desapareceu como se não existisse.

              A vida guarda segredos insondáveis.  O que tinha acontecido naquela casa era inexplicável.  De nada adianta ficar indagando; não se tem resposta.
              Manhã clara no casarão, onde as janelas, bem calculadas arquitetonicamente, permitiam a luz de o Sol iluminar com harmonia toda a sala principal.  Os mais velhos conversavam, dominados ainda pelo acontecimento noturno.  O mistério atrai profundamente os homens, e era exatamente o que tinha acontecido.  Afinal, o que teria acontecido, na realidade?  Que significava a visita do estranho e pacífico homem que pediu pousada?  E os acontecimentos sequentes?  As frutas e o chá, consumidos com moderação pelos que haviam testemunhado os fatos, não auxiliavam a compreensão dos mesmos.
              Casa de fazenda grande, produtora de leite e grande plantação de legumes; anacrônica, diziam.
              O tempo havia passado e a construção refeita.  Datava da época da escravidão, mas nenhum traço poderia revelar tal fato.  Nem mesmo a capelinha restaurada com todo rigor que se fazia necessário.  E o pelourinho.
              As diversas casas dos trabalhadores distanciavam-se pouco do casarão.
              Faina começando cedo, cheiro de café, pão caseiro.  Não havia desperdício de alimentos, mas uma fartura que não é notada em casas de trabalhadores.  O tradicional doce de abóbora, a broa de milho com os sabores de quem conhece, cravo, especialmente.
              Dizer que a vida transcorria sem graça era um exagero.  Pois que havia sim, bastante movimento quando não estavam trabalhando.  O rio, manso, em muitos lugares não dava pé, água fria o ano todo, mesmo no verão.
              Raul e mulher, ele excelente carpinteiro, ela doceira de mão cheia, aguardavam a chegada dos padrinhos de batismo do filho mais novo.


              O lugar era uma mata rasteira, árvores poucas, meio torcidas: vegetação de cerrado.  O riacho fazia a música do lugar, água fria, cristalina que corria em destino a outro bem maior.
              — A água tá fria?
              — Tá uma gostosura.  Lavou até por dentro.
              — Por dentro não lavou foi nada.  Nem bebeu um gole, e ‘inda que tomasse não lavava, bicho ruim.
              Bastião Neném não ouviu bem o comentário da amiga.  Estava enxugando o couro grosso e pelejando com uma garrafa de cachaça.  Couro grosso sim, aquilo não poderia ser chamado de pele.
              Rita já havia tirado toda a roupa, e seu corpo brejeiro foi alvo de elogio do velho companheiro.  Fazia seis anos estavam juntos.
              — Só meu.  Isso tudo é só meu.
              — Dá um beijo.
              — Mulher gosta dum beijo.  Não reclama do cheiro.  Dei uma talagada grande.
              — Depois tomo meu jenipapo também.  E fazemos alguma coisa...
              — Agora não, a barriga tá roncando.
              Iriam batizar o menino Januário, sobrinho deles, filho de uma irmã de Rita.  Mais dois dias de tropel, estariam dormindo em redes velhas, mas coisa de primeira: nem um pouco esgarçadas, limpas e perfumadas de ervas.
              Bastião Neném ouviu barulho na mata.  Não era coiteiro nem metido em bandos.  O que passou, passou.  Correu para um emaranhado de mato, escondeu-se e no maior silêncio engatilhou sua velha mas bem cuidada parabellum, antiga ferramenta de trabalho.

*


Primeiras linhas de romance meu, de mesmo  nome.