Criançada
- Entra pra dentro, Zébinho. Tá chovendo muito.
- Já vou vó. Vamos enterrar a cobra.
- Que cobra, menino?
- A que nos matamos agora. Os gatos e cachorros podem comer.
- Tá morta mesmo?
- Mortinha. Tenho mira com minha atiradeira, vó. Foi na cabeça.
- E que raio de cobra é esta?
- Jararaca. Menos uma.
Enterraram a maldita. Tudo isso se estava passando num lugarejo distante. Nos confins do sertão mineiro. Zébinho era o apelido de José Eusébio, uma espécie de chefe de um bando de meninos. Todos encapetados, mas no bom sentido da palavra.
O lugar era passagem de trem, carregando minério de ferro. Como a parada era obrigatória, nasceu o vilarejo, com bar e restaurante. Umas trinta casas, um riacho de respeito, água pura e cristalina, por todos apreciada. Na fonte, jorrando da pedra, dizem que fazia milagres. A água pura faz milagres mesmo. Tomada em jejum, um copo, encarrega-se de limpar o organismo. Dois litros ao dia, e não existe mal-estar, de coma-se ou beba-se. Verdade é que no lugar, por mais simples a refeição, é feijão, arroz, couve fatiada fininha, aipim e carne picada. E a farinha com torresmos... Deliciosa!
Se exposta a algum entendido da área de comer, a carne seria parte do cardápio duas vezes semanais. Mas qual! Aqui não tem disso não.
- Zébinho, vai tomar banho. Você é lama pura!
- Eu sei, vó. Mas vou pegar umas mudas de roupa, vou tomar banho na cascatinha.
A chuva tinha abrandado. José Eusébio estava como nasceu. Limpo de corpo e alma, e para os que acreditam, batizado. A água, saindo da pedra, confirmou o batismo, e limpou a lama de um menino, cujo reino dos céus foi a ele prometido.
3 comentários:
Zébinho batizado com a limpa água da vida...A chuva trazendo Deus em si.. Um conto que nos remete a infância na serra e no sertão..... ..
Que marrativa maravilhosa.
Que vontade que dá de sair a procura de lugares assim, despidos de falsas riquezas
e com o genuíno encanto da natureza e dos causos dos Zés e das Marias. Beleza!!!
bjs
Esse mata a cobra e mostra o estilingue... Talvez, Mestre Jorge, uma de suas mais belas crônicas. Mas, difícil dizer, tantas e tantas que são incomparáveis. Mande mais, que os amigos gostam...
Postar um comentário