Trismus
Até o ano de 1972, mais ou menos, estava ancorado no Iate Clube do Rio de Janeiro um veleiro estranho, de ferro, material que não é empregado na construção destes barcos a vela.
Amarelo e de dois mastros, sua tripulação era tão estranha quanto ele. Bebiam ah! Como bebiam aqueles tipos que pareciam ter saído de alguma história de piratas ou navegadores antigos. Todos, sem exceção, eram estrangeiros das mais diversas nacionalidades. Não me recordo se eram oito ou mais barbudos fortes e queimados, sempre com um copo na mão.
Haviam dado a volta no planeta várias vezes, e quando estavam a bordo do Trismus, parecia ficção. Um deles lembro bem, com longa cabeleira ruiva e encaracolada, subia na gávea – isto mesmo, o veleiro tinha gávea – e punha-se a tocar um estranho instrumento de sopro. Convidavam muita gente, falavam o português com desembaraço e ao som da estranha buzina passeavam pela baia da Guanabara e proximidades.
Som forte, Sol forte, bebidas fortes e mulheres bonitas, todas convidadas. Não, não pensem mal! Muitas delas estavam com os seus namorados, a coisa era passeio e farra mesmo, na mais inocente, louca e inacreditável forma de distração.
Que a gente do mar bebe, todos sabem. Que gostam de mulheres, igualmente. Mas completamente varridos como os tripulantes do Trismus, ninguém do mundo do iatismo conheceu. Estavam ancorados no Rio há três anos. Além das mais variadas batidas que sabiam fazer e marcas de cachaça que conheciam, todos eram bons batuqueiros. Nenhum deles era brigão ou conquistador. Tirando alguns pecados cometidos sob o efeito do álcool, nada desabonava a conduta de qualquer deles.
Faziam trabalhos no próprio clube, para sobreviverem. Pintura de barcos, reparos elétricos, limpeza de cascos das embarcações que ficam no mar, poitadas e recebendo todo o tipo de cracas, inclusive mexilhões, os doidos e simpáticos marinheiros iam desfrutando os prazeres da Cidade Maravilhosa, falando qualquer idioma. Segundo um deles mesmo me contou, estavam no mar há dezoito anos. Conheciam o mundo, mas encantaram-se com a costa brasileira, que já haviam navegado toda. Quatro mil milhas marítimas, cerca de sete mil e quatrocentos quilômetros.
Como não existe marinheiro que acabe em terra firme, num dia ensolarado o Trismus e seus tripulantes foram-se. Toda vez que passava pela bóia onde ficou poitado, sentia saudades do velho veleiro de ferro, dois mastros, gávea e cor amarela berrante. Fazia parte da paisagem.
De vez em quando, mandavam notícias dos mais diversos lugares do mundo. Um dia, elas cessaram. Velejadores famosos do mundo inteiro conheciam o Trismus e seus tripulantes. Não sabiam dizer nada a respeito.
Até hoje ninguém sabe o que aconteceu. Segundo muitos, o Trismus naufragou numa tempestade no Oceano Índico, e Netuno toma conta tanto dele como dos seus marinheiros.
Os fatos narrados nesta crônica são reais.
3 comentários:
Sim, Jorge. Os alegres, fortes e experimentados tipulantes do Trismus desapareceram com ele, e a sua informação é certa. No Índico, um oceano perigoso.
Uma lástima. Fui imediato do Saga o veleiro de corridas mais famoso do Brasil, na época.
Jorjão, aí está mistério, muito bem contado, que será difícil de resolver. Vai ver, deram com a ilha das sereias de Odisseu, e por lá ficaram. Paixão por mar é, mesmo, coisa definitiva.
É um grande prazer ler você, Jorge.
Além dos seus relatos serem muito realistas, este ainda é verdadeiro.
Um final triste para o Trismus, mas uma homenagem a velejadores famosos.
Abraço, parabéns.
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