A entrada da Guanabara/ams
Lembro dos tempos em que era um prazer enorme desfrutar das águas da Guanabara. São passados anos, muitos anos.
As praias não ofereciam perigo nenhum aos frequentadores, eram de águas limpas e tão transparentes que era possível ver os pés na areia, com a água pela cintura. Todas elas, com exceção de pequenos trechos onde havia, e ainda há, desaguamento de riachos, sempre sujos desde há muito.
Sendo morador próximo, a Praia de Icaraí era a mais frequentada, a princípio com os pais, e logo em seguida com os amigos, moleques que nem eu. Eram muitos, lembro-me de todos. Todos amigos que o tempo perpetuou, mas a morte separou dois, e algum mau acaso da vida separa outro.
Nas águas de Icaraí, sempre acolhedoras, aprendi a nadar com oito anos. Lembro-me a alegria e o contentamento que me invadiram, quando percebi que era capaz de ficar n’água sem tocar os pés no fundo. A partir deste momento, tornei-me useiro e vezeiro na pratica da natação, hoje infelizmente impossível em toda a baia, devido à poluição.
Nunca o mar era forte a ponto de impedir a saída dos banhistas. Quando havia ondas maiores, e algumas vezes ressaca, todos os habituados em Icaraí, que quer dizer “água grande e mansa” na língua original, o tupi, nada havia que impedisse a entrada na água, sem medo. Podia-se optar por duas formas de distração: ou se apanhava o famoso “jacaré”, descendo as ondas num surfe primitivo e adorável, onde a prancha é o nosso próprio corpo, ou enfrentavam-se as ondas, furando-as sucessivamente.
Não existiam correntes traiçoeiras, capazes de levar um mais afobado para longe, às vezes com trágica consequência. As correntes da Guanabara, até hoje, são bem fracas, comparadas com as de mar aberto, bem próximo à saída da baia. Cabe aqui um esclarecimento. Surgiu uma tese que a baia da Guanabara se inicia na praia de Piratininga, e termina nas proximidades do Forte de Copacabana. Tem sempre um inventor de coisas novas. A delimitação exata, desde o descobrimento da Guanabara por Gaspar de Lemos na primeira expedição exploradora (1501), é a linha imaginária que liga o Pão de Açúcar com a Fortaleza de Santa Cruz, inexistente na época do descobrimento, é óbvio, mas assinalada pelo promontório onde foi construída. O simpático jornalista e historiador Eduardo Bueno pode confirmar a afirmação.
Quando se pegava uma barca para fazer a travessia para o Rio de Janeiro, ou no sentido inverso, Rio - Niterói podia-se ver o nado sincronizado dos botos que gostam de exibir suas qualidades de nadadores-artistas, em bandos dando cambalhotas enquanto nadam.
Tudo isto faz parte do passado. Hoje, a Guanabara agoniza. Seu fundo de areia transformou-se numa lama que contém material orgânico em quantidade, das mais variadas espécies, inclusive esgoto.
São feitos planos e mais planos para despoluir a baia. Com a chegada dos Jogos Pan-Americanos, não se tem certeza de que as raias do Iatismo estarão dentro da Guanabara.
Segundo comentários de velhos conhecedores da baia, uma outra entrada, na posição onde se encontra o Forte do Imbuí, permitia o melhor fluxo da água. Estes mesmos comentários atestam que o canal foi aterrado, por razões de segurança na época das invasões, principalmente a francesa. No lugar do aterro, que impede outra entrada ou saída da Guanabara, construiu-se a Fortaleza que até hoje existe, mas militarmente está desativada.
Muitos estudos concluem que se novamente fosse aberta a passagem, muito mais rápida seria a recuperação da baia, pelo constante fluxo d’água que inevitavelmente iria acontecer. Seria uma dádiva para Niterói. Conheço o lugar falado. Aprendi a velejar com quatorze anos de idade, e conheço a área descrita tanto por dentro da baía, como pelo lado oposto, no oceano. Talvez, abrindo o canal outrora existente, mude todo o sistema de correntes e renovação da água que está contida na Guanabara, mas esta é uma opinião sem autoridade, pois não sou especialista no assunto. Tomar inesquecíveis banhos de mar, caminhar pela areia dando um mergulho quando em vez, aproveitar a tranquilidade da Guanabara para dar velejadas pelo menos duas vezes por semana, fato que não faço há anos, é uma coisa. Outra, bem diferente, é entender corretamente de despoluir massa d’água tão volumosa.
Existe outro aspecto interessante, neste local onde está localizado o Forte do Imbuí. Também quando mais jovem, com espírito aventureiro que caracteriza a idade, fomos eu e meus amigos, de bicicleta, passando pelo Forte, até Piratininga, praia oceânica de Niterói. O percurso, passando pela edificação do Exército, hoje tombado pelo Patrimônio, é muitíssimas vezes menor do que pela estrada que liga normalmente a cidade até aquela praia oceânica.
Cogita-se na construção de um túnel, que faria a ligação. Absurdo dos maiores, pois não acredito que o Exército ou o Patrimônio impediriam uma pequeníssima estrada capaz de levar com extrema facilidade o povo que perdeu uma das mais belas praias internas, por sujeira, até as límpidas águas do oceano.
Os incessantes trabalhos de despoluição começam a mostrar resultados. Há dias em que o banho de mar é permitido em Icaraí, por exemplo.
5 comentários:
Tá com falta de mar! É o terceiro consecutivo que coloca no blog, onde a água salgada está presente.
Vai velejar de novo, Jorge!
Ótimas crônicas, parabéns.
Grande abraço.
oi, tem um selo pra vc no http://metareflexoes.blogspot.com
beijos
Excelente o seu espaço !
Parabens, tenha certeza que o visitarei sempre para deleite, consulta e aprendizado.
FRaterno abraço,
George Arribas
É um pecado o que o ser humano faz com a natureza, Jorge. Hoje, para encontrar áreas preservadas, é preciso andar muito - percorrendo caminhos ainda desconhecidos pela maioria das pessoas. Ainda bem que temos memória...
Beijos
Márcia
Acho que o bom da internet é que há liberdade que não há nas outras mídias em denunciar e ainda com estilo o que tão urgentemente está acontecendo com o clima e a Natureza. Não entendo como tanta gente não enxerga, puxa, eu sou hiper-fã da Natureza, em empecial o mar, amo de paixão sem explicaçao mesmo! E sinto mal ao retornar a lugares antes tão lindos e hoje tão descuidados. Dá uma tristeza de amargar!
Muito importante seu conto, ainda espero que possa curar "cegos"!
beijos
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