Namoradas
Motivo não havia. Ambos eram moços, Américo Ferraz e Angela Meira, que também tinha o sobrenome do marido.
Ferraz andava casmurro. Há algum tempo estava assim. Depois de sete anos de casamento, meteu na cabeça que Angela havia arranjado um namorado, não se sabe a causa da idéia do homem simples.
Estas situações são sempre perigosas, tanto para o homem, quanto para a mulher. Precipitam chuvas inconscientes, a razão de pouco vale. A causa da desconfiança tinha um sentido, mas era incerta.
Tudo começara quando ele ouviu a mulher finalizando uma ligação telefônica com um “te amo”. Ficou arrepiado como um gato acossado por cachorro grande.
- Ama quem? - Vivi, querido. – Quem poderia ser, senão a irmã única, que praticamente foi sua mãe desde que a verdadeira havia morrido, quando eram pequenas? Lindas, as duas. Viviane era mais velha quatro anos. Recebeu de pronto ligação de Ferraz. Já havia sido prevenida pela irmã que o marido andava muito desconfiado. Sua voz confirmando que Angela havia acabado de ligar foi imediata.
O homem sossegou momentaneamente e ficou olhando a bela mulher que o mirava sem muita vontade. A repulsa de Angela era fácil ser notada. Cumprindo rigorosamente o seu papel, passava-se por irritada com a desconfiança do marido.
Como sempre, os pedidos de perdão, abraços e beijos, davam certa repugnância naquela mulher.
Lancharam bem. Era um dos bons hábitos que tinham. Frutas, queijo e torradas. O café era uma mistura esquisita. Meia dose do comum, e a outra de descafeinado. Evitava uma insônia ou excitação incômoda. Conversaram enquanto viam um chato programa de televisão, e foram dormir cedo, como de costume. Ela por ser professora, ele por ser militar, em início de carreira. Capitão do Exército.
Saíram cedo. O que Angela jamais poderia supor era que estava sendo seguida por um motociclista de capacete preto. Ferraz pedira a um colega de armas o excelente veículo para estas tarefas. Angela estacionou seu automóvel já passado, mas em perfeito estado e muito limpo.
Entrou em outro carro, cujos vidros escurecidos não davam para saber quem estava lá dentro. Um automóvel é presa fácil. Pouco distante, a moto estava seguindo.
Quando entraram na simpática casa de campo, onde havia uma plantação orgânica, tanto de legumes como de tomate, agrião, alface e rúcula, o local era produtivo, Ferraz saltou, esperou um tempo, conferiu sua Colt quarenta e cinco e entrou, forçando uma janela. Experiente, não foi visto pelos três lavradores. Arma em punho, disposto a matar, olhou por uma comunicação da casa, janela comum. Nua e apaixonada, Angela estava em êxtase com uma supervisora do colégio. Ele a conhecia muito bem. Guardou a arma e foi-se embora.
Para sorte dos três...
O cronista, muitas vezes, deve chocar. Sigo o conselho de Nelson Rodrigues, nosso maior dramatugo.
3 comentários:
Não entendi. O homem entra de arma em punho, disposto a matar. Desistiu e foi embora só pela axompanhante ser mulher? Nem dá uns tapas? Estranho, mas com narração que não deixa piscar, seu forte.
A teoria do imprevisto, as regras das exceções, aleatórias, alinham-se com Jorge Sader. Lembra a história do papagaio atacado pelo pitbull: o louro repetia as palavras-de-ordem do dono em comum, a fera ficou confusa, deitou, rolou, deu a pata e fingiu-se de morto...
Relato meteórico, com fecho surpreendente. Coisa de quem sabe o que faz.
Um fato que ocorre muito, mas não é divulgado. En amour, ni jamais, ni toujors.
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