União
Lembro como se fosse hoje. Fui acordado no meio da noite, pela minha mãe. Pedia o meu auxílio, dizendo que a casa estava sendo atacada.
Tinha sete anos, mas fatos assim não se esquecem nunca. Levantei depressa e o frio não me incomodou. Estava com um dos meus pijamas de flanela, feito pela minha avó.
Minha mãe pediu que eu escutasse. A janela da cozinha estava sendo alvo de manobras com um arame, que tentava abrir o trinco.
Dois heróis! Mamãe era a própria doçura – qual a mãe que não é? – e de faca da cozinha na mão, entregou-me uma pesada vassoura, do tempo em que elas não eram feitas para durarem mês.
Meu tacape de guerra estava pronto. A então valente guerreira, faca na mão, acendeu a luz da cozinha, falando com voz de sargento: “quem está aí?”, o que bastou para colocar em fuga o ladrão. Defendemos nossa casa, colocamos um ladrão pra correr e nos abraçamos vitoriosamente.
Meu pai era parlamentar e chefe da Guarda Municipal. Estava na Câmara. Pedia para os guardas de um parque próximo, distante uns cem metros, que dessem uma olhada na casa. A vigilância do parque do parque era feita por quatro guardas. Armados.
Os dois guardas que por coincidência se dirigiam para cá e viram o homem correndo. Um tiro para o alto, ou nele mesmo, não se pode confiar na palavra de quem surpreende um ladrão, fez com que o marginal parasse. Apanhou demais. Os guardas, que a uma hora daquelas enfrentavam o frio para manter a vida e a casa, descontaram no marginal, que sofreu horrores. Não tinha nem um canivete. Felizmente meu pai não estava. Teria usado seu Colt.
Nunca mais fomos vítimas de nada. Eu e minha mãe, heróis que defendemos a avó, o irmão menor e a casa.
Nunca esqueci o fato.
9 comentários:
Sader, o que forja o caráter é principalmente a origem. Pais honestos e íntegros raramente têm seus filhos desencaminhados. Na essência, está a índole, capaz de perpetuar ou resistir a quaisquer exemplos ou ensinamentos.
O menino de outrora, vivo e irriquieto em sua alma, continua sendo motivo de orgulho não apenas para seus pais, mas para todos seus amigos. Uma honra, incluir-me entre eles.
Olá, Jorge. Pessoas especiais, como nossos pais, são capazes de atos inimagináveis de bravura e de heroísmo.Obrigada pela visita ao meu blogger. Volte sempre. Beijinhos.
Que amor de história mais bem lembrada e contada. Lembrei-me também da minha mãe. Qdo éramos crianças, morávamos na casa dos meus avós. Um ladrãozinho roubou-nos o botijão de gás, ficamos sem o café da manhã. Foi lá a minha mãe, na casa do sujeito de quem ela desconfiava. Com isso, ajudou a polícia a recuperar mais botijões que foram roubados de outras casas que serviam para acolher andarilhos. De casa de vovó dá cada história...
Ler essa história deu vontade de conhecer a mãe...
belo texto, valente menino Sader...
Amplexos...
Márcia
Bons tempos esses em que usávamos nosso pijamos de flanela feitos por nossas avós ou mães...
Bons tempos em que roubavam-se apenas galinhas...
Bons tempos em que ainda podíamos cometer atos de bravura sem que perdêsssemos nossas vidas...
Ah desses momentos eu confesso:
-Sou saudosista!
Dia (ou noite ) de herói não se esquece não, ainda mais se a doçura da mãe mostrou-se de força - isso é o mais bacana de tudo.
Mães são surpreendentes e filhos acabam sendo reflexo e isso é saudável.
Ao ir lendo, imaginei cenário , pessoas e a vassoura - que como tudo - durava e aposto que o fogão era Cosmopolita.Durava anos.
(excedo-me , perdoa)
Heróis platinados de almas puras..Saudosismo puro...Estamos num mundo de anti-heróis...Bravo JOrge!!! Saudadess!!!
Bela história.
Repito Chico Xavier: "Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim".
Ninguém que passou pela vida sem fazer conscientemente o mal necessita arguir seu tribunal maior.
Ninguém que assim se posicionou,pode dizer que nada fez. Fazemos tudo simplemente vivendo o dom dado por Deus, a vida e, principalmente, entendendo o que seja ser justo, como em lapidar reflexão sua é declinado: "Os justos não são apenas filhos de Deus, são Ele mesmo, e é preciso que isto seja reconhecido".
Se toda uma vida sem nada fazer, o que é inverdadeiro para você, fosse vivida para ao final manifestar esse postulado, evidentemente foi uma vida pródiga, não viveu-se em vão.
Sua querida mãe, heroína com você, e inteligente pai, estão orgulhosos de sua vida por todos os motivos. Que Deus o proteja.
Do "fratello mafiosi" Celso.
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