domingo, 31 de março de 2013

Luz



                                     

           Aurora que desponta no horizonte
           trazendo tanta luz qual fosse fonte
           de amor, compreensão, cândida harmonia
           removendo das gentes a agonia.

           Vai para longe a treva da malvada
           ira, que faz terrível enxurrada
           e tanto leva abaixo,  destruindo
           sonhos, ilusões, tudo o mais bem-vindo.

           Mas brilha o Sol, a Terra se ilumina
           — brumas cinzentas que antes envolviam
           somem,  a escuridão por fim termina.

           Cantam todos, é grande esta alegria
           despertando do sono que dormiam...
           A velha e escura noite fez-se dia!


Imagem:  Marinha, o/s/t, Castagneto

terça-feira, 26 de março de 2013

Vila dos Confins



                                          

            Parece difícil alguém começar a escrever sem antes ter passado por um processo que costuma formar quem pratica este tipo de arte.
            O início é a leitura, sempre.  Depois as redações, geralmente feitas no colégio.  Fui encaminhado pela educação, e naturalmente pelo gosto de contar histórias.  Desde pequeno meus pais cuidaram com carinho da leitura, que souberam passar muito bem aos filhos — aprendi a ler e escrever com minha mãe.  Comecei com Monteiro Lobato, como a maioria dos pequenos leitores.  Mas nada conheço de Dona Benta, Emília ou Pedrinho.  Que eu me lembre, o primeiro livro que li foi “Os doze trabalhos de Hércules”, se não me engano, na época, composto por dois volumes.  Li, reli e vivia lendo, até hoje conheço as aventuras do herói grego, filho de Zeus e da mortal Alcmena.  Digo que me lembre porque tinha o hábito de ler o que me caísse na frente, fora as histórias que me eram contadas.
            O tempo passou, entrei para o ginásio e os professores recomendavam uma serie de livros.  “Iracema”, “A Moreninha”, “Meus oito anos”.  José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e Casimiro de Abreu sempre foram autores obrigatórios no ginásio.  As provas eram sempre constituídas de duas partes.  A primeira, redação.  A segunda, análise de algum trecho e gramática. Jamais tive a menor preocupação com a matéria.  Tirava nota máxima, ou perto dela, na redação que sempre valia cinco pontos.  Depois, saía catando respostas da segunda parte, e juntava mais uns pontinhos.  Enfim, nunca minha nota foi menor do que seis e meio, tudo por causa da leitura que me acompanhou todo o tempo.
            Pouco mais tarde, ainda por recomendação escolar, li o primeiro livro ‘mais sério’, se é que esta classificação existe.  “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, que me impressionou profundamente.  Estava aberto o caminho para uma sucessão que se estende até hoje.
            Mas quando li vorazmente “Vila dos Confins”, de Mário Palmério, pensei comigo mesmo “ainda vou escrever assim”.  Vontade tenho até hoje, mas realmente o romance onde é contada a vida política do sertão, as falcatruas eleitorais, a figura do padre Sommer, o matador de onças pretas, zagaiadas sem medo, a vida do interior mineiro com todos os seus pormenores grandes ou pequenos é rica demais e muito difícil de ser simplesmente reduzida a um simples comentário.  É impossível, esta é a verdade.  O então deputado federal Mário Palmério, duas vezes eleito pelo PTB getulista, que foi educador, político e diplomata esgotou o assunto.  Foi prefaciado por Rachel de Queiroz, um passaporte vermelho para qualquer editora, não fosse o fulgurante talento do autor.  Veio depois “Chapadão do Bugre”, também excelente, mas sem a força do primeiro.
            Enquanto Guimarães Rosa soube mostrar a vida do sertão com requintes de realidade, Palmério, seu sucessor na Academia, fez o mesmo, mas politicamente.  Tempo das eleições onde quem tinha título, honesto ou  obtido mediante fraude, comparecia a seção eleitoral com a sua melhor roupa e orgulho, hoje uma chatice onde o traje é a bermuda.
            “Ainda vou escrever um livro assim.” Foi como tudo começou, uma admiração grande e incontida, não passei na época de contos e crônicas, a vida na farra era bem melhor.  Jamais deixei de ler e escrever, mas o primeiro romance, um texto despretensioso, apareceu tarde.  O segundo, do qual muito me orgulho, anda preso em concursos, não deve virar livro até que eu escreva coisa melhor, se conseguir.  “Casarão”.  Nele estão presentes o bem e o mal, a saúde e a doença, a virtude e o vício, o caráter e o cafajestismo.
            Tudo isto por causa do deputado e Acadêmico Mário Palmério, feliz autor de “Vila dos Confins”, indelével marca na literatura nacional.  

sábado, 16 de março de 2013

Trovas, a poesia do povo




                                          

                     Já postei crônica afirmando que não escrevo poesias.
            Tive estes dias duas agradáveis surpresas.  A primeira veio com “A lenda do miosótis”, que a minha querida amiga Carmem Velloso, revisora dos meus trabalhos maiores, acrescentou num site literário.
            A outra foi quando me deparei com uma trova do meu amigo e colega de turma na Faculdade de Direito da UFF, Eduardo Antonio de Oliveira Toledo, presidente da União Brasileira de Trovadores, UBT.
            Sempre achei a trova a mais democrática forma de expressão poética de um povo.  Não é qualquer um que se interessa pelo soneto alexandrino, e mesmo a grande maioria dos poetas não o sabe compor.  Não acontece o mesmo com a trova, acessível às gentes e de composição repentina do autor.
            A graça da trova que encontrei me animou.  Vejam a sutileza:

                                “A saudade se embaraça
                                 E a paixão se intensifica...
                                — Não pelo instante que passa,
                               Mas pelo instante que fica.”    Eduardo Toledo

            Tomei coragem:

                                Tantas folhas espalhadas,
                                Tantas flores pelo chão
                                Quais lágrimas derramadas,
                                E todas elas em vão...           Jorge Sader Filho 


A trova de Eduardo Toledo foi vencedora nos Jogos Florais de Nova Friburgo, em 2001, conforme informou o meu amigo.  Os Jogos de Friburgo são considerados os mais importantes de todo o país.  O tema exigido foi "Instante". 

sábado, 9 de março de 2013

Bolivarianismo



                                            

            Quando escreveu a Carta da Jamaica, em 1915, Simón Bolívar pretendia uma união entre países de língua espanhola, principalmente na América do Sul.
            A doutrina pode ser resumida em duas partes, que acabarão se unificando.  A primeira diz respeito à língua, religião e costumes, todos eles das nações hispânicas no continente.  Dada a semelhança muito grande entre elas, a ideia parece ser bastante lógica quando afirma ser ideal para aqueles povos a união de pensamento e, como consequência, a comunhão política.
            Em seguida, aparecem os principais objetivos: educação pública gratuita e obrigatória, repúdio a intromissão estrangeira na AL e a dominação econômica, para afinal ser construída uma só unidade política, nos moldes do que hoje é a União Europeia.
            Passada por exame cuidadoso, tanto do ponto de vista histórico como social, a doutrina mostra-se frágil, eivada de radicalismo e fora dos tempos atuais, quando não respeita a grande desigualdade dos povos, mesmo que de aparente igual origem.  As nações da AL não são formadas por espanhóis e portugueses, no caso do Brasil. Os conquistadores aqui chegaram quando já existiam muitas civilizações antigas e solidificadas, como incas e índios de grandes tribos que dominavam o continente.  Submetidas ao domínio estrangeiro colonialista, estas civilizações ou se perderam, como no caso da cultura inca, dizimada criminosamente pelos espanhóis, ou ficaram submissas, como os índios que até hoje habitam a AL.
            O Brasil nada tem em comum com a cultura dos países vizinhos, por exemplo.  Existe, claro, a semelhança entre os costumes humanos, mas esta é uma característica do homem habitante do planeta Terra, e não caracteriza uma unidade de costumes e pensamento com os outros latino-americanos.
            Do ponto de vista prático, o bolivarianismo é absurdamente ultrapassado.  Suas metas principais ficaram completamente destituídas de valor, com a passagem do tempo.  A educação deve ser sim gratuita e pública, mas exclusivamente a básica, fundamental, elementar, com professores altamente capacitados e muito bem pagos.  A formação universitária foge desta regra.  Convém lembrar o ensino profissionalizante, em larga escala, sério e bem ministrado.  Ele está ainda bastante modesto e não institucionalizado.
            Outro ponto que foge ao nosso tempo é a independência na economia, quando o mundo todo, no momento, resume-se a um só interesse: o ganho anual no desenvolvimento do PIB, que virou mania mundial, principalmente chinesa.  Bolívar jamais poderia supor mudanças que acontecem no mundo atual, onde mesmo o comunismo pode estar mesclado com capitalismo voraz e desumano, como o existente na China.
            Enquanto isto, homens da mais profunda mediocridade, Hugo Chávez e Evo Morales, antidemocratas por excelência, anunciam a doutrina como verdadeira panaceia para curar os problemas do continente Sul-Americano.  Até mesmo Lula, preocupado tão somente com a sua figura e projeção dada pela imprensa mundial a serviço do interesse econômico dos seus países, especialmente França e Inglaterra que ensaiam um novo colonialismo, o suspeito e ainda inocente ex-presidente fugiu do antigo pensamento a toda velocidade, inclusive por ser seu ideal político o ‘lulismo’.
            Talvez, não se pode afirmar nada, a doutrina de Bolívar fosse boa para o seu tempo.  Hoje não tem mais o menor cabimento.      

segunda-feira, 4 de março de 2013

Tempo cinza


            Já havia colocado a pesada japona usada na marinha, lã pura, azul fechado.  Antes de sair, esquentou o café ainda fresco que havia tomado antes de vestir roupa para o frio.  Colocou na caneca de cerâmica e bebeu em pequenos goles, estava delicioso.
            Saiu, desceu a escada, um só lance, pois estava no primeiro andar, abriu a porta do edifício velho, mas muito bem conservado, como todos do local.  Uma rajada de vento frio açoitou-lhe o rosto.
            “Diabos soltos, vento e neve fina”, pensou.  Meteu as mãos nos bolsos, estava sem luvas, não gostava de usar, incomodava, tirava o tato. Colocava quando não tinha jeito mesmo, o frio era selvagem.
            O relógio no poste mostrava dez e quinze, boa margem para chegar ao grande escritório da redação.  Duas quadras, não seria penoso aguentar aquele maldito vento gelado no rosto.  Lembrou-se de Sofia Irinova, sua pele macia e quente, seu corpo aconchegante.  Estaria esperando com as instruções e a papelada, formalidades indispensáveis para o encontro com o presidente.  Conseguira a entrevista, fato quase impossível, graças ao seu amigo Timothy Bancroft-Hinchey, diretor da edição em português do Pravda.  Não é qualquer jornalista, por mais conhecido e importante que seja que se aproxima do todo poderoso Vladimir Putin, o mais forte político da Federação Russa.  Forte e temido, havia sido o último chefe da KGB, o serviço secreto da Rússia comunista.  O assunto era a compra de aviões militares, principalmente caças, e interessava ao governo tanto a venda, como a divulgação da notícia, que poderia ser dada por um ministro ou militar que trabalhasse na área, mas não.  Desta feita o próprio Putin queria passar a informação, valendo-se dela para usufruir pessoalmente as vantagens do bem sucedido negócio russo com o governo brasileiro.
            Sofia Irinova resplandecia beleza no seu vestido cor terra de siena queimada.  A calefação transmitia uma intimidade naquele espaçoso escritório onde a fumaça dos cigarros era intensa.  “Mas como fumam, estes russos!  Fumam, bebem e comem.”  Alan acendeu também um cigarro, enquanto saboreava outro café, desta vez oferecido por Sofia, cujo corpo perfeito estava modelado pela roupa justa.   Guardou a papelada numa pasta pequena, que a bela jornalista russa havia lhe passado, junto com os documentos.
            O almoço não poderia ter sido melhor.  Batatas cozidas cobertas de creme de leite, salmão defumado guarnecido com aspargos, arroz e vinho branco.  Trocaram carícias e passariam o fim de semana juntos, no apartamento dela.   Havia mudado de roupa para o encontro.
            Putin, como sempre, estava num elegante terno cinza claro, gravata vermelha e fala solta.  Quem o imagina mudo ou reticente está enganado.  Quando interessa, o homem fala pelos cotovelos.  Era o caso, a notícia correria os jornais europeus e americanos.  Venda de armamento sempre é manchete destacada, os concorrentes que perderam o negócio amarguram a derrota, as fábricas perdem dinheiro e prestígio.
            Reunião terminada e rua novamente.  Parada obrigatória para tomar um conhaque da Armênia, mais café, e outro cigarro.  Quinta-feira, ele estava perto de ficar colado a Sofia, e semana seguinte, Rue du  Faubourg Poissonnière uma vez mais.  Paris, França.  Ouviu os passos próximos, olhou para trás e não gostou do que viu.  Rápido o chaveiro que era colocado num mosquetão de escalada e no rapel, tão em moda, serviu para ser usado como um soco-inglês.  O golpe desferido foi na têmpora esquerda do tipo.  Marginal, sem dúvida, a polícia não perderia tempo apurando quem havia feito tão bom trabalho.
            Alan fizera o serviço militar nas forças especiais francesas, treinadas contra o terrorismo urbano.  Sabia como se defender, e sabia também que quanto mais cedo fora da Rússia, melhor.  Sofia Irinova ficava para a próxima, e no dia seguinte estava outra vez bebendo um tinto num bistrô na esquina do Boulevard Poissonnière com a Faubourg Poissonnière, perto da estação do metrô Bonne Nouvelle.  Tão logo o verão carioca terminasse, voltaria para o pequeno, mas muito confortável apartamento na Rua Barão da Torre.  Os dias cinzentos ficariam luminosos e coloridos.