sexta-feira, 15 de agosto de 2014

João Cai-Cai

  

            Seis horas da tarde, sexta-feira.  O leve zumbido do ar refrigerado não chegava a incomodar.
            Sala forrada em madeira escura, móveis pesados, elegantes, um belo escritório de duas salas, com cozinha pequena, ínfima, e excelente banheiro.
            Meu pai e eu ocupávamos o escritório de advocacia quando estava no seu auge.  Quem se dedica com afinco e uma espécie de determinação exagerada, quase uma obcessão, acaba conseguindo seu lugar no espaço.
            Ninguém mais para atender, nem esperava cliente algum. Abri o botão superior da camisa, afrouxei a gravata, um copo e uma garrafa de uísque de melhor qualidade guardada num dos armários.  A pia da cozinha lavou meu copo.  Gelo?  A primeira dose, não.  E assim me vi sentado no melhor dos confortos, o uísque estava delicioso, relaxando até quase mesmo dormir. A visão dos poucos livros na estante, advogados não costumam ter sua biblioteca no escritório, mas em casa.
            Cigarro aceso, sim isso mesmo, naquela época até mesmo os médicos fumavam, a fumaça sendo levada pelo exaustor do ar refrigerado.  Três batidas na porta, embora houvesse campainha. Como já disse, não esperava ninguém.
            Abro a porta.  Um jovem negro, vestido todo de preto, estende a mão e manda uma “boa noite, doutor”.  Nunca o tinha visto. “Foi o delegado — e disse o nome do amigo  — que me indicou o senhor.”  Na hora da folga!  Mas o xerife era amigo mesmo, não havia como não mandar o jovem entrar.
            — Peguei o senhor em má hora, doutor.  Quer que volte na segunda?
            — Não estou esperando ninguém.  Senta aí, meu caro.  Um uísque. Aceita?
            — Olha, doutor, é folga minha, mas aceito sim.  O caso é sério.
            Lavei outro copo, servi com gelo ao ainda desconhecido, que me disse chamar João Eustáquio.  Estava com uma quarenta e cinco na cintura, percebi quando se sentou, apareceu sob o paletó aberto.  Policial, com toda certeza. Era mesmo.  Da turma do meu amigo delegado.  Lembrei do nome, era um cara que não conhecia perdão, ou integridade física, moral, qualquer coisa de um inimigo, geralmente bandido.  Gostava de bater nos rins, causa sempre estrago considerável.
            Havia fuzilado um candidato a vereador mequetrefe, carinha sem eira nem beira, a mando de outro político importante, que pagou muito bem, mas não queria envolvimento algum, depois de feito o serviço.  Contou tudo, enquanto bebia o seu uísque.  Reparei um volume estranho, no outro lado da cintura que portava a arma.  Não me contive:
            — Que coisa é esta aí?
            — Minha arma doutor.  Sou policial, já disse.
            — Mas vi uma quarenta e cinco no lado direito.
            Ele sorriu.  — É a outra.

            Duas pistolas quarenta e cinco.  Naturalmente, quatro carregadores, contando com os que estavam nas armas.  E provavelmente a faca comprida, ou punhal mesmo, também na cintura, mas nas costas.  Gente perigosa!  Contou o caso.  Homicídio por encomenda, pago.  Alguns crimes têm razão de serem cometidos.  Poucos, mas têm.  Um safado pede para morrer todos os dias, e ainda não apareceu ninguém que lhe aponte um rifle com luneta.       

3 comentários:

Jorge Sader Filho disse...

Por erro, este post foi deletado.
Todos os costumeiros amigos que aqui me dão o prazer de comentar compareceram, em número de treze comentários.
Reproduzo para não ficar faltando ao blog.
Jorge Sader Filho

Evanir disse...

Meu amigo passando para desejar um feliz final de semana.
Abraços..Evanir.

Janete Sales Dany disse...

Parabéns nobre escritor Jorge Sader,
linhas interessantes que me prenderam até o fim...
Tive até a vontade de que não tivesse terminado!
Um dia de muita paz
Abraços