Existem tipos nesta vida que não se apagam. Ou para muitos, quando são artistas,
principalmente, ou para um reduzido grupo de amigos. Às vezes, para um só mesmo.
Sempre bem barbeado, banho tomado, terno azul de tecido
leve, sem gravata na maioria das vezes, o magro comandante Carlos surgia do
nada e para ele voltava sem deixar vestígios.
Tinha cinquenta anos, pouco mais ou pouco menos. Invariavelmente, estava embriagado. Falta de educação, ou mesmo a chamada
vergonha na cara? De modo algum. Doença mesmo, que matou um irmão. Etilismo.
Como
a Vida não é feita só de desgraças, Carlos era um homem destes que não
esquecemos com facilidade. Para quebrar
toda a sua angústia interna, que não revelava, nem falava no assunto, era um
observador arguto do que se passava no cotidiano. O rum não impedia suas observações deste
mundinho em que vivemos. Gostava,
sobretudo, de gaiatices e fatos que incomodam muitas vidas. Gostava de uma boa farra, bebidas, cigarros,
mulheres que passados os fatos festivos, sumiam para sempre. Experimentadas.
—
Vocês são muito burros. Não sabem fazer
um negócio malandro parecer um fato normal.
O
comandante Carlos estava cercado de jovens, muitos casados de pouco tempo.
—
Estou dizendo. Se quiserem passar uma ou
mais noite na esbórnia — gostava de palavras difíceis — tem que saber jogar, ou
morre seco. Homem costuma ser chefe de
família. A mulher, como fica? Chega bêbado em casa, cheirando a mulher? Isso lá é papel?
—
Que fazer, comandante? — foi a vez de um casado de pouco.
—
Fácil. Vá ao encontro. Beba, agarre a mulher, pegue com vontade,
elas gostam e se for para cometer traição, cometa com sabedoria, moleque. Pegue, beije, faça o que quiser e não se
incomode com nada. Aproveite, não é
sempre que isso acontece.
— E
a hora? De noite não dá!
—
Como não dá, infeliz? Deixe o tempo
passar. Quando forem dez da noite, a
mulher está uma fera, estrangula você.
— E?
— E
você deixa passar o tempo. Dez,
meia-noite, uma da manhã. Às duas, ela
já ligou para a mãe, que por sua vez fala com o filho mais velho.
—
Maldade!
—
Maldade é você não consumar o ato. Isso
sim é maldade. A partir das duas, ligam
para a polícia, hospitais, amigos, é uma confusão dos diabos, tem gente que
começa a rezar, pedem proteção, imaginam que pode ter acontecido o pior, fazem
promessas.
— E
você...
—
Continua aproveitando. Quando o dia
raiar, vá embora. No caminho, passe numa
padaria. Compre duas bisnagas. Duas
bisnagas, rapaz, você ouviu bem.
—
Mas não entendi!
— É
burro mesmo! Pegue o rumo de casa,
chegue amarfanhado, com a cara amassada e hálito alcoólico, vão urrar de
alegria, você está vivo, conseguiu se livrar do sequestro sem arranhões e ainda
passou na padaria. O pão! Nunca se
esqueça do pão, é festa total!
14 comentários:
Bom estrategista esse Comandante Carlos... Abraços, Jorge.
Esse comandante não conhece as mulheres de hoje. kkkkk Tenho certeza de que, qualquer dia desses, ele seria surpreendido, ao chegar, pela manhã, em casa... kkkkk
Hilário, Mestre Jorge! Enquadrando no tempo mais de meio século a menos, perfeito... Hoje quem anda passando na padaria cedinho e chegando toda bagunçada é a muierada!
NEM COM UMA FLOR
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10153593943860922&set=pcb.10153593945495922&type=3&theater
Pão?
Com ou sem glúten?
Integral, de preferência...
Sem lactose ou carboidratos...
Será que se lembrará disso tudo?
kkkk...
Abraço.
Que cara mais mal arrumado. Tem que merecer um traste desse mesmo pra aceitá-lo assim..
Vagabundo é tão miserável que nem leva mortadela pra comerem com o pão???
Te contar, viu, Jorge!?
Bom conselheiro esse seu personagem. O conto continua? vai botar a mortadela no próximo episódio??
Genial!!
Quem acertou foi o Caio, Jorge. Há cinquenta anos, o conto está perfeito.
Hoje tem que mudar os personagens!
Engraçada, a sua história. Beijos.
Carmem
rssss
Essa me lembrou uma do grande mangueirense Carlos Cachaça.
Uns parentes da mulher chegaram sem avisar no sábado de manhã e ela resolveu fazer um cozido aproveitando a feira que funcionava na Visconde de Niterói. Mas, faltava repolho. Então pediu o Carlos pra comprar no pé do morro.
Carlos foi e na volta encontrou a "rapaziada". Uma pinguinha aqui, um sambinha ali, perdeu a hora. Perdeu a hora e o dia, voltou na segunda de manhã.
A mulher estava uma onça, os parentes foram embora e o cozido não teve repolho.
No meio da bronca que teve um monte de "cachaceiro", "irresponsável", "grosso" e outros adjetivos inconvenientes para um blog literário, Carlos interrompeu e soberano disparou: Mas, meu amor, tá reclamando sem razão, eu trouxe o repolho!
Grande Jorge! Grande Carlos Cachaça!
Esse negócio de sem medidas em tudo, birita, virar as costas para a família, etc, não dá certo, esse cara precisava e tomar uns taponas na cara, bem dados, daqueles que faz rodar que nem pião, meu filho é bom nisso,já vi dar um só em um sujeito que furtou a bola da irmã Renata, e saímos de carro procurando, e achamos, quando conseguiu levantar depois do coice, como um capeta correu sem parar,como um louco. Parece que ensinei bem. Não gosto de vagabundos e a desculpa é babaca. Ridícula.E como disseram seus amigosm blogueiros,meio sáculo atrás, podia ser, você é testemunha disso, hoje um par de chifres para essa conduta e outras seria tranquilo, se já não era,na moita e bancando santa. As mulheres aguentavam biriteiros e malandros burros, com seus trocos..... Abraço. Celso
Vim por indicação de uma amiga, mas confesso que achei sem graça a história, desculpe.Um bêbado, pior condição humana, viciado, que não liga para a família que podia pensar que estava em perigo ou morto. Um sujeito que não vale nada, egoísta. Podiam botar veneno no pão que ele trouxe e servir a ele com um bom café da manhã,esses tipos não fazem falta. Quem ia dar conta que ele já era, ninguém.
Sergio Restieri.
Jorge, você escreve muito bem, impecavelmente, sem dúvida, mas, não gostei desse mau-caráter comandante Carlos...
Aquele beijo de sempre!
Sim, existe isso pelo simples fato de que psicopatas existem. E em vários graus.
Se dá nojo, é outro problema; se causa indignação e uma vontade louca de acabar com a criatura, também é outro problema.
Vemos coisas mais ou menos assim, maquiavélicas, quase todos os dias. E ninguém gosta ou aceita histórias assim, mas andam por aí.
Meu abraço, Jorge!
Argumento desenvolvido com habilidade. Parabéns Jorge! Abraços
Jorge,achei esse conto muito machista.
Conta outro ao contrário ...
bjus
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