Nestes dias conturbados, onde o tumulto domina as ruas,
as praças, os prédios públicos e especialmente o Congresso, vale muito um
refrigério, uma história de amor.
Os melhores conhecedores do casal Jorge Amado e Zélia
Gattai, além dos depoimentos pessoais de ambos, em entrevistas diversas,
lembram momentos de amor, compreensão e companheirismo ao longo de cinquenta e
seis anos de casados.
Jorge e Zélia gostavam de terminar o dia, vendo a tarde
morrer, juntos sentados ao pé de uma mangueira grande que até hoje existe na
casa onde viveram, no Rio Vermelho. Ali
conversavam sobre o dia que se acabava, suas impressões sobre o mesmo, o que
tinham sentido e escrito. Uma confissão
mútua, enfim.
Sendo ambos escritores famosos, destas conversas devem
ter nascidos romances também famosos.
Quais, nunca saberemos, ninguém nunca falou sobre isto. Mistério, o que
sempre fascina o homem comum e mesmo outro escritor. O fato é que estas
conversas de fim de tarde, íntimas e naturalmente muito proveitosas,
prolongaram-se ao longo do tempo. Parece
que “Tocaia Grande” teria nascido assim, mas certeza não existe. Jorge sempre se disse um grande “contador de
causus”, o que ele foi realmente, além de notável escritor; não gostava de
revelar sua intimidade como um grande contador de histórias.
Fascinante! Que
mais chama a atenção do homem do mistério, que afinal se torna verdadeiro? Difícil dizer. O fato é que não há ficção nesta
história. Tudo isto aconteceu realmente,
ou seja, um casal de humanos tinha hábito de terminar o dia vendo sentados, sob
uma mangueira até hoje existente na casa famosa. Aconteceu, é o fato mais importante. O que conversavam fica por conta da
intimidade dos dois, parece que não devemos nos intrometer nisso, uma velha e
costumeira mania de todos nós.
O tempo flui, e corre depressa. Até hoje lembro as entrevistas, vistas ao
vivo na televisão, tanto de Jorge, como de Zélia. Ficaram guardadas na memória.
Eram apaixonantes! Mas Jorge
foi-se. Cremado, suas cinzas foram
depositadas ao pé da velha mangueira, onde conversava com a mulher. Um ato que viria a ser milagroso, no sentido
mais extenso da palavra.
Ninguém é eterno, uma afirmação banal. Passados alguns anos, a querida Zélia, nossa
querida, uma grande mãe, falecia também.
Por decisão da família, especialmente da filha Paloma, foi cremada e
suas cinzas jogadas ao pé da mesma mangueira onde conversava com o seu Jorge, e
que ali também está até hoje.
Sem mais palavras, incapazes de traduzir um
sentimento. Mas é a verdade. Verdade de um amor eterno.
13 comentários:
"Verdade de um amor eterno"... que difícil aceitar que os amores de hoje, nada têm de eterno. Com toda certeza a base desse amor foi o diálogo. Assim acredito. Um belo exemplo. Fico imaginando quanto de cada um foi revelado para o outro sob aquela árvore. Na verdade, fico imaginando mil coisas que são esquecidas e que podem fazer de um amor..eterno. Lindo texto.
Maturidade, respeito e amor, são ingredientes para que um casal permaneça junto por tanto tempo.
Alma gêmea é um assunto muito sério, esotérico, profundo e raramente acontece. Talvez, esse encontro insólito e maravilhoso, tenha ocorrido com eles.
Texto lindo, Jorge!
Beijos!
Fiquei com uma inveja de ter um amor assim
:)
Belo texto o seu xará lhe inspirou. Abraços, Jorge.
Jorge a data, Dia dos Namorados não poderia receber, homenagem, melhor!
Sua lembrança foi feliz, assim como a crônica,relembrando o querido casal de escritores.
Quantos diálogos à sombra da velha mangueira e, ali puderam ter suas cinzas depositadas, isso é lindo!
Abraços.
Nadir
Estes são os verdadeiros amores. Sinceros, pacientes, tolerantes e respeitosos uns para com os outros. São verdadeiros porqUÊ SENTEM dentro de si mesmos as verdades que habitam em cada ser que sente algo profundo, transcendente dentro de si mesmos e que se expande para um espaço imenso.
Abraços.
Jorge, parece que você se especializou em fatos marcantes da vida de grandes escritores brasileiros. Sua bela crônica não é igual, mas mostra também a grandiosidade do relacionamento entre Guimarães Rosa e Aracy, que salvaram muitos e muitos judeus, correndo risco, no tempo em que o escritor era diplomata na Alemanha. "Aracy", é o nome dado ao texto, se não me engano.
Beijos
Carmem
Pautar um relacionamento na cumplicidade e doação é viver momentos amorosamente marcantes. Experiência própria.
Abraço.
Muito bonita sua crônica, Jorge. Mas hoje não não é fácil encontrarmos amores baseados na cumplicidade, no companheirismo, no desinteresse. Tudo é muito imediato, e nessa, não dá. A própria casa do casal era lindinha, um ninho...
Casal maravilhoso, bem própria a homenagem no Dia dos Namorados.
Grande abraço, congelado aqui do sul!!
Perfeito, Jorge! De fato, impecável! O seu xará e Zélia souberam viver a vida, nos mistérios de sua intimidade absolutamente preservada. Merecem nossa admiração e respeito! Parabéns pela crônica, exemplo raro de bom jornalismo. Abração!
Suas inspirações eram recíprocas.
Jorge Amado era mesmo um mistério. Seria por causa do nome? Vai saber...
Havia dois lugares que o bom baiano curtia: a mangueira e a rede da varanda. Conta a lenda que um dia, Caetano foi visitá-lo e, recebido por Zélia, recebeu orientação que Amado estava na varanda. Íntimo da família, Cae foi até lá e encontrou nosso grande Jorge, o Amado, sentado nú, com as pernas abertas diante de um ventilador. refeito do susto Caetano perguntou: Que isso Jorge? Resposta: Na Bahia faz muito calor...
Coisas de baianos geniais.
E você, continua amado e escrevendo como convém aos Jorges.
Meu carinho, parceirinho querido,
Anderson Fabiano
Uma história de amor, que revela a força desse sentimento através do tempo e do espaço. Bela e verdadeira, tão difícil de ser encontrada nos dias de hoje... Tua crônica é bela! Parabéns!
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