Estava sentado com um livro aberto. Bonito lugar, um parque florido.
Não lia; estava pensando nas palavras que ouvira. Pensava e nada concluía. Nem sempre somos donos do nosso destino. O amoroso, nem é bom pensar. Ao mesmo tempo em que olhava o beija-flor,
com o seu voo diferente, ela estava presente, pelo menos no pensamento. O pássaro era visto, mas a alma estava longe.
Recebera o comunicado.
Grávida. Ao mesmo tempo em que se
alegrou, sabendo a amada estar vivendo um dos momentos mais felizes da Vida,
seu íntimo derramou lágrimas. O filho
não era dele, ela não havia se casado com ele, estava longe, distante,
inatingível.
O beija-flor voou para longe, um vento fraco virou a
folha do livro que estava no seu joelho e o homem cuja face contraída, os
cabelos já embranquecendo e portador de expressão enigmática, continuava no seu
devaneio. Não, aquilo tudo não deveria
ter acontecido.
Algumas crianças que brincavam perto viam a figura com a
barba por fazer.
— Moço, o livro vai cair.
Já havia caído. O
pirralho pegou rapidamente e entregou ao dono, a esta altura cercado por infantes
que podem sim, admirar uma menina da idade deles. Enganam-se quem pensa que a criança não tem
sentimentos. Alguns se apaixonam como se
adultos fossem. Mas não pensam em
filhos, não chegam a tanto.
— Como se chama, rapaz?
— Yuri.
— Como?
— Yuri. É Jorge em português. O nome é russo.
— Eu sei, Yuri, eu sei.
Seus pais são russos?
— Não. Minha mãe
gosta desse nome. Aí botaram o nome em mim.
Yuri. Haviam
combinado que se tivessem um filho, o nome seria Yuri, dariam sozinhos a volta
ao mundo num veleiro, morariam no espaçoso apartamento dele, arquiteto e
engenheiro naval, que havia montado uma fábrica de veleiros de fibra de vidro,
depois substituída por carbono, nos fundos de uma velha casa. Sonhos... Amor e sonhos. O que seria do mundo não fossem eles?
Fato que não impediu uma gota de lágrima na grama macia.
8 comentários:
Lindo...
Quantas ilusões que se foram e retornam...
Vale sonhar, gerar, e concretizar, se possível... sem dúvida alguma!
Abraço.
Uma delicadeza de conto, Jorge. Pode ser confundido com a realidade.
Linda escultura da sua mulher, acredito que seja.
Beijos a ambos.
Carmem
Mestre Jorge Sader sempre a superar-se... Forma límpida, conteúdo esmerado, bela escolha da ilustração. Forte abraço, Escriba!
belíssimo seu "escrito"...show!
Muito bom, Jorge. Difícil saber onde termina a realidade e começa a fantasia. Abraços.
'Recebera o comunicado. Grávida. Ao mesmo tempo em que se alegrou, sabendo a amada estar vivendo um dos momentos mais felizes da Vida, seu íntimo derramou lágrimas. O filho não era dele, ela não havia se casado com ele, estava longe, distante, inatingível.'
Bonito amor assim, mas triste. Ainda mais tocando às margens da realidade. Mas fiquei com pena, Jorge, e não sei porque. Os sentimentos andam tão escassos que fiquei com pena da situação tão conflitante para uma alma só.
Abraços, amigo.
Perfeito!!
Parabéns,Jorge!Um lindo conto retratando um sonhador.Gostei do Yuri,o menino que o tirou do sonho e o trouxe à realidade.
Saudações.
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