Vou logo avisando aos que vão me levar para o último
refúgio: não me joguem terra!
Não tenho muito a reclamar desta passagem, ou melhor,
algumas coisas tenho sim. Na hora onde
posso tomar meu tinto seco, com pão e azeite, sou obrigado a mudar para
legumes, aveia, peito de frango grelhado e congêneres, comida típica de
hospital que se preze. Tudo por culpa da
taxa de glicose, que vai variando de acordo com o que como ou bebo. Então, segundo meu médico, tenho que moderar
bastante para não me estropiar antes do tempo.
Estropiar antes do tempo? Já estou mais do que estropiado, como dizia
meu pai, e o acadêmico José Cândido de Carvalho registrou numa crônica, “ser
sexagenário não é graça para ninguém rir.”
Ou seja, a ideia está no sangue.
Tenho vivido bem, felizmente, desde que me entendo. Velejei no oceano, subi montanhas altas,
senti o frio da mata acima de mil e quinhentos metros. Algumas tive que escalar, como o Pico das
Agulhas Negras, coisa não muito difícil, mas um tombo seria fatal. A Pedra da Gávea está nesta lista, como a
face de pedra do Morro do Cantagalo. Já
havia bandidos na época, mas eles não se atreviam a ir queimar um baseado por
aquelas bandas, e aproveitar para deixar sem nada os montanhistas. Não tive medo de gente, tive pânico do
paredão de noventa graus, suava frio, entreguei a alma a quem de direito. Então, surge um resto de coragem: já que vou
é me danar mesmo, sigo em frente. Quando dou por mim, estou em lugar espaçoso e
seguro! Com a bermuda e a camisa
empapadas de suor, coladas ao corpo.
Na hora em que se retorna à calçada, a alegria de ter
conseguido vencer aquele medo pavoroso e a escalada difícil, fico querendo
relaxar. Lembro bem. Hidratei o corpo com três garrafas de cerveja
gelada, copo atrás do outro. Não fiquei
eufórico, ou embriagado. A sensação de
vitória não permitia.
A causa deste devaneio?
Nem me interessa! Já vivi muito
intensamente, é o que quero dizer. Não
venham me achincalhar numa hora tão séria, e quando estou indefeso. Se me fizerem isto, juro que me vingo. Vou ser cruel, insidioso. Alma penada querendo desforra, dizem os
entendidos, nem é bom pensar.
Por isso, não me joguem terra, não fechem o caixão com os
trincos nem passem cimento na laje.
17 comentários:
Se for para jogar alguma coisa que seja flores!
Bonito comentário fez minha antecessora. Tanto a vida, como a morte, têm que ser profundamente respeitados.
Beijo, Jorge.
Carmem
Jorge,essa foi a crônica mais linda e sensível que já escreveu.Indefeso!não acredito.Um homem com sua coragem, quando muito, deve sentir-se tolhido da liberdade de fazer o que dá prazer.Você tem a maior força do mundo que é a palavra e credibilidade, coisa que pouca gente tem.Por isso jogo... beijos
É isso. Se houver arrependimento, que seja pelo que se deixou de viver, não pelo vivido. Abraços, Jorge.
Caro Escritor, Jorge, sua crônica será imortal, e que sejam as flores, sempre, suas eternas companheiras. Sensível e bem redigida, abraços da Luiza
Quando tal notícia por aqui chegar... cairão tristes lágrimas... Mas, é a realidade. Não somos imortais!
Abraço.
Adorei, Jorge! De que adianta viver até cem anos comendo só verduras e se privando de tudo?
Sabe, tua crônica me fez lembrar de um episódio que eu já tinha esquecido: Minha mãe estava aguardando a internação no hospital para operar a vesícula. Eu e uma irmã estávamos com ela. Ela estava amarela, muito amarela. No dia anterior, tinha passado muito mal. De repente, ela disse: "Vou ali na barraquinha comprar paçoca." Eu e minha irmã, mais que depressa, respondemos: "Não pode! Você está passando mal da vesícula!" Fizemos de tudo, até que ela perdeu a paciência, e decidiu: "Eu - vou - comer - paçoca." E foi. E comeu. E dias depois, ela operou e morreu.
Fico sempre pensando: se não tivéssemos deixado ela comer a paçoca, de que adiantaria?
Pois, Mestre Jorge! Gostei!
Deu pra rir sozinho nesta madrugada friazinha de inverno, numa pausa salutar no editorial do Repórter.
Desde os longínquos tempos em que era - ou me achava - imortal, decidi: botem-me as cinzas numa lata e levem ao mar sem firulas, quiçá aos sons do emblemático "Fita Amarela", de Noel.
Forte abraço, meu amigo!
Jorge, interessante teu texto. Quando ficamos com mais idade, nos rondam estes pensamentos. Abrs Mardilê
Esqueceu de mencionar q escalou paredes lisas e altas dos hotéis em Paris, para testar equipamentos de alpinismo!
Estou certa?
Sei bem como é isso. Acabo de sair de uma internação pra lá de complicada e andam me enchendo de verdes, frutas e café com leite. Você conhece algo pior que café com leite? Pô, ou café ou leite!
Mas há algo pior: 1º, Quando me perguntam se estou melhor. DEPENDE!
2º, quando os guris cruzam comigo trôpego pelas calçadas e perguntam "Quer ajuda tio?" TIO É A MÃE!
Ou 3º, também conhecido como ante sala do umbral: "Que tal uma canjinha?" ARGH!
rsss
Jorjão querido,
meu eterno carinho,
Anderson Fabiano
Oi, Jorge!
Tudo passa, mas os bons momentos ficam...
Também já subi montanhas e pedras... Lembro da Pedra Bonita. Íamos em grupo e não tínhamos receio de nada. Voltávamos cansados e felizes... Senti saudade.
Mas, recordações à parte, gostei muito de seu jeito expressivo e espontâneo de dizer lembranças...
Parabéns, amigo! Inté.
Jorginho,velho amigo de tantos anos. Vim aqui na certeza de que estaria também em seu espaço de alguns amigos blogueiros, a matéria que está no Recanto por mim comentada, para ratificar que somos terra, pó, e a ela voltaremos,independente das exéquias e sua estrutura de adeus.
A partida em algum momento é inexorável. Só há que entender continuar a vida na metamorfose serena e bela da natureza, agora e no depois, não devendo incidir temor ou receio, pois não somos uma piada como disse repetindo Einstein, se fôssemos só isso, "TERRA".Há vida além do pó, como existe em vida o outro lado essencial e que nos habita quando em corpo físico, sem o que não existiria pensamento. Nada há a temer, e devemos ser só amor,principalmente em hora definitiva, sem medos, basta uma vida de medos e sofrimentos como humano. Vivamos com alegria os momentos da maturidade plena. Abração do amigo velho. Celso
Jorge, se você já fez tudo isso, escalou o céu e a terra e continua no ‘mais ou menos’, e está consciente, assim mesmo é bom ir com menos sede ao pote, meu amigo!
Ótima sua crônica!
Bjs.
Olá, escritor!
Vc. fez uma crônica muito boa por ser leve e tocar com naturalidade nesse assunto a que ninguém escapa, seja novo ou idoso.
É ótimo recordarmos nossa infância e nossa juventude, pelo prazer que tínhamos em viver, e sem temor ao que nos poderia surgir.
Há um grande poder em nossas vidas que é a adaptação.Vivendo-a diante do que nos surge, podemos ser mais felizes, pois não adianta brigar com a realidade. Permita-me dar uma sugestão. Verduras cozidas, mudanças de dieta também podem nos oferecer pratos saborosos. É preciso experimentar. No início estranhamos, mas adaptando-nos só nos oferecerá benefícios.Porquê não experimentarmos?
Abraço. Seja feliz.
Olá meu amigo!
Já li esse texto antes e tenho certeza que o comentei. Talvez, antes de sair, eu deva ter esquecido de salvar... sei lá!
Mas de fato, se tem algo do qual não pode se queixar, é de ter sabido viver e que foi um privilegiado em poder olhar a vida por tantos ângulos.
A vida é uma passagem em vida. Vivemos várias fases e poucos são os que realmente sabem aproveitá-la como ela merece. Hoje, tens a missão de viver a vida em letras e levá-las aqueles que precisam entender o que é viver. Deus te abençoe e te inspire sempre.
Voltei para te dar uma força. Fiquei feliz em ver que amigos blogueiros vieram se solidarizar. Nada tem com o que se preocupar. Vai vivendo sua vida como se oferece, com as boas lembranças da Pedra da Gávea etc, esta que subimos junto ainda jovens várias vezes.Não vão jogar terra em cima de vc, prometo, se estiver vivo não deixo, vc conhece nossa amizade. A vida é para ser vivida como se apresenta. Abração. Qualquer hora vou tomar um wisky com vc, abaixa o açucar, vc sabe. Celso
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