sábado, 8 de dezembro de 2018

Um julgamento

                                       

            Lembro bem.  Acordei já apreensivo, o dia era mais do que importante.
            Barba muito bem feita, banho caprichosamente tomado, aguardando a hora de enfrentar os julgadores da primeira Auditoria Militar do Rio de Janeiro, vinte e cinco anos, já formado e com relativa experiência no Tribunal do Júri.  Não, ali nada era igual.  A começar pela entrada do suntuoso prédio, perto da Praça da República, guarnecido na entrada por dois soldados da Polícia do Exército, com seus capacetes vermelhos, metralhadoras seguras em frente ao peito, sérios demais.  Tudo ali era sério.
            Comi pouco, como manda a boa regra.  Estômago cheio não dá boa defesa.  Entro no lugar com os oficiais acusados, dois clientes meus, um capitão e outro segundo-tenente. Escoltados e em companhia de outros acusados, todos militares.  Acusação: tentativa de tomar o poder constitucional do Estado do Rio.  O governador, nesta época era o general Paulo Torres, um mito.  Amigo da minha família, eu não poderia tocar em nada que envolvesse o nome dele e, na verdade, o general Torres nada tinha a ver com o processo, ou melhor, tinha e muito, mas indiretamente.  No caso, vítima.
            Um tribunal militar do Exército nada tem a ver com o Júri.  Estavam sentados na mesa sete oficiais, um com patente de coronel, pois havia um major acusado e assim sendo, pelas leis da época, deveria haver como julgador do colegiado um militar com patente superior.
            O juiz-presidente, civil, após todas as formalidades de praxe, ordenou que o escrivão fizesse a leitura da peça acusatória. Os sete oficiais que compunham a mesa, ouviram atentamente, com semblante feio.
            O juiz passou a palavra à defesa, depois de ouvida a acusação, promotor militar que diante da fraqueza das provas colhidas, limitou-se ao tradicional pronunciamento ‘faça-se Justiça’.
            É uma oportunidade sem igual, hora da defesa falar pouco, pouquíssimo, e explorar rapidamente o dito pelo Ministério Público Militar, por todos temidos.
            Os advogados dos outros réus, para aparecerem e justificarem o ganho alto monetário, falaram, falaram e falaram, como se todos os seus constituintes fossem santos, às vésperas de canonização.  Nervoso, temi por um mal. Um menino, talvez.  Elegante, sóbrio, comedido, interferi na defesa de um colega.
            — A defesa do capitão e do tenente envolvido está satisfeita.  Toda vez que o Promotor pede justiça, está pedindo absolvição, por falta absoluta de provas.  Faço o mesmo.
            Meus colegas acompanharam minhas palavras, a defesa de todos estava mais do que feita.  Fechada a sala para o julgamento, quando novamente aberta, foi lida a sentença.  Todos absolvidos, sem prejuízo de sanções estritamente militares que poderiam estar envolvidos.
            Então sim!  Duas doses duplas de uísque estrangeiro foram maravilhosamente bebidas.  Eu havia sido pago na hora, e a quantia modesta permitia a excelente marca escolhida. Quantia modesta? Bem, advogados falam o que devem, principalmente em causa própria.
            Não, não comemorei com os meus constituintes.  Eu, minha noiva e meu pai, na minha casa,  felizes, comemoramos minha vitória.
            Tempos felizes, tempos de paz.

14 comentários:

Nadir disse...

Jorge, caro escritor e amigo.
Nada, nada, pode substituir uma consciência tranquila, a satisfação
por ter concluído um trabalho, satisfatoriamente!
Dessa forma suas atuações foram, também, lições em sua vida,
Tim... tim... um brinde, ao sucesso da carreira escolhida!
Grata pelo convite.

Abraços.
Nadir D’Onofrio

Rita de Cássia Zuim Lavoyer disse...

Parabéns pela vitória. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Difícil um texto seu declaradamente autobiográfico. Gostei, Jorge.

Carmem Velloso disse...

Então, querido amigo, esta eu não conhecia. Revelações verídicas, eu creio, postadas no blog que você tão bem cuida! Parabéns, Jorge.
Beijo. Carmem

Célia disse...

Revelações autobiográficas? Ótimo para um final de ano de avaliações jurídicas infindas... Momentos de canonização, realmente!
Abraço.

Ana Maria Brasiliense (TullipaVermelha) disse...

Sempre é muito bom ler teus textos, principalmente qd não é ficção..Parabéns Jorge. Boa noite!

Caio Martins disse...

Narrativa perfeita, Jorge. Além do apuro na linguagem e suas técnicas, o caso mostra que, mesmo no ambiente do juri mais cartesiano existente - o militar - mais importante é ouvir muito e falar pouco, ao contrário dos circos que temos visto. Gostei!
Forte abraço, parceiro!

Vania Lopez disse...

gostei imenso Jorge. grata.

Tais Luso de Carvalho disse...

Uf... e nós todos que há tempos estamos acostumados com circo, enfim algo sério!
Faz bem para o espírito, para a alma...e não é ficção!
Aplausos, querido amigo!
Beijo

marcia disse...

Parabéns pela vitória que creio ser verídica.

CÉU disse...

Parabéns, meu querido amigo e advogado.

Seus textos me prendem do princípio ao fim. Justiça parece k nesse tempo ainda se fazia. Só tinha mesmo era k festejar.

TE DESEJO UM NATAL EM COMUNHÃO E AMOR E UM MAGNÍFICO ANO NOVO.

Beijos e um enorme abraço português.

Tais Luso de Carvalho disse...

Querido amigo Jorge, passando para deixar meus votos de um lindo Natal junto aos seus queridos, e um ano com muita alegria, saúde, realizações pessoais e muita paz pra nós, brasileiros!
Beijo!

Elvira Carvalho disse...

Tempos em que ainda se confiava na justiça. Hoje ela está completamente cega. Pelo menos por aqui.
Abraço e um 2019 muito feliz

Vera Fracaroli disse...

Você como sempre afiado na escrita, parabéns!