domingo, 7 de novembro de 2021

Solidão


 

                                                   Solidão

 

            Dia quente, sem exagero.  Uma brisa amenizava.

            — Mas que cara é essa?

            — A minha. 

            — A sua nada. Pensando em quê?

            — Em nada.  Ora, estou sim.  Velho, sem a força que tinha antes, potente por causa das farmácias... Prossigo?

            — Para dizer bobagem já está de bom tamanho.  Pode parar.  Acaso eu estou melhor do que você?

            — Sei lá!  Quem sabe disso não sou eu.

            Dois velhos amigos de infância, conversando o que só eles mesmos poderiam.  Aparecem muitas recordações, namoradas, moças bonitas da época, aventuras, confusões, festas e o colégio.  Este sempre foi o pomo da discórdia. Odiado por muitos, amado por poucos e necessário para todos, não havia mágica. Ou se aprende, ou morre estúpido que não teve vida condigna. É assim, não se foge a esta regra.

            — Pois eu lhe digo.  Passou dos sessenta e cinco, é melhor morrer.

            — Sessenta e cinco?  Tem muita gente bem mais velha vivendo feliz, feliz!

            — Até quando tomar o primeiro susto!

            — Homem, você está macabro!  Susto?  Que susto?

            — Aquele em saber que a sua primeira namoradinha, linda, tão doce, apaixonada, morreu.

            — Hein?

            — Morreu, rapaz, morreu.  Pensa que somos eternos?

 

            O velho e muito conservado alpendre, onde estavam sentados em cadeiras confortáveis, mesa longa e simples, cheirando a cera, bebendo um velho e conhecido blended, foram as únicas testemunhas.

8 comentários:

Carmem Velloso disse...

Bem escrito, para variar! Muito interessante, querido Jorge. Seu propósito? Não sei não, você é ficcionista... Beijo. Carmem

Calfilho disse...

Parecemos nós dois conversando, amigo Jorge. Só falta o alpendre e o blended...

Caio Martins disse...

Pois é, Jorge... Ainda que resfolegando e sacudindo feito carro velho, cheguei à vecchiaia bruta sem trumas de bestunto! 'Tá bão demais! Abração, Marujo!

Elvira Carvalho disse...

Cada idade tem os seus encantos e os seus dissabores.
Como sempre muito bem escrito.
Abraço, saúde e boa semana

Tais Luso de Carvalho disse...

Olá, Jorge, a vida é assim, li um diálogo muito interessante.
Porém, cada idade tem sua beleza, sua experiência e suas recordações, as vezes dão belas crônicas, contos, romances.
Uma feliz semana,
bj

Anderson Fabiano disse...

Pois é, Jorjão, tudo que sei sobre ser idoso, é que agora, mais que nunca, posso ignorar as tais opiniões "politicamente corretas" e dizer o que realmente penso. Fiquei velho demais para seguir mentindo para agradar os outros. E ainda tem a vida... agora sei como é importante viver.
Abraços fraternos,
Anderson Fabiano

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

O raciocínio do seu texto me lembra um filme, se não me engano intitulado "45 anos", no qual um velhinho resolve ir em busca de seu amor que morreu em um acidente na neve. Como ficou sob o gelo durante décadas, ela permaneceu jovem. Filme muito bom, recomendo demais. Abraços.

Ana Freire disse...

Só tem uma solução para este tipo de solidão... não pensar na primeira namorada... mas talvez antes pensar na última... pelo menos, sempre tem mais chance dela continuar viva... e mostrando que a existência, não é o que foi ficando para trás... mas a que caminha a par da gente, no dia a dia... :-)) Estou brincando... mas...
Esta é uma crónica que dá que pensar, Jorge... mas o melhor remédio para a solidão... acho que é a ocupação! Uma mente ocupada... não arranja tempo, nem espaço para a solidão.
Aqui em Portugal tivemos Manoel de Oliveira... o cineasta mais velho do mundo... faleceu com 106 anos... e cheio de projectos... até ao infinito e mais além... pois bem depois dos 100, ainda filmava...
Dedicou-se a outras actividades, em negócios de família... e só começou a filmar com maior regularidade praticamente quando tinha 50 anos... se ele tivesse tido uma crise de meia idade... teria perdido toda a sua carreira que o deu a conhecer ao mundo... no seu segundo meio século de vida...
É de agradecer aos Deuses, quando se têm talentos para os quais não haverá um limite de idade... psicológico, pelo menos...
Mas acho que não se deve pensar muito na morte... ela já vai exigir muito do nosso tempo, para quê dar-lhe ainda mais tempo extra?... E depois... ela acontece em qualquer idade... o meu pai, por exemplo, dobrou as peúgas aos 53 anos. Quem está preparado para falecer ainda novo?... Em nenhuma idade, se está preparado... melhor ir vivendo, enquanto for dando, e o melhor que se puder... pois ainda não há plenas garantias de que atrás desta vida vem outra... e é sempre bom ir adiando as lições de harpa o mais que se conseguir... enquanto houver outras coisas, para se ir fazendo, e em que pensar...
Beijinhos! Bom fim de semana, com saúde e tranquilidade!
Ana