sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Conto e crônica

  Guimarães Rosa















Esta tarefa de distinguir o que é um conto ou uma crônica costuma confundir escritores, críticos e professores.
Alguém termina de escrever um texto e quer publicá-lo. Vem a dúvida. É crônica ou conto?
A maioria das pessoas acha que a distinção é fácil, quando de fácil não tem nada. Depende do autor, se o texto é nitidamente uma história, com muitos diálogos e envolvendo um grau de poesia, tudo faz crer que seja um conto. Já é um bom início de distinção da crônica, que é sempre mais direta.
Há quem afirme que a crônica não comporta diálogos. Mas esta regra não está escrita em nenhum livro de teoria literária, pelo que sei. Se os diálogos caracterizam a peça, então podemos ter um conto.
É interessante notar como quase todos os professores escrevem sobre o assunto, mas quem vai dizer com segurança se o texto é conto ou crônica é o autor. Se quando ele escreveu tinha intenção de informar sem ser repórter, é crônica.
Caso esteja com o objetivo de criar um fato, uma situação e usa personagens para atingir o seu objetivo, é um conto. Eu penso assim, embora possa estar completamente equivocado – coisa que não acredito. Diria que quando escrevo, tenho um objetivo certo. Ou informar, sem ser jornalista, ou ser um pouco mais poeta dentro da prosa, embelezando o texto e conduzindo o leitor a um final determinado. A primeira hipótese seria uma crônica; a segunda, um conto.
Muitos teóricos são adeptos desta maneira de pensar. Se tiver alguma poesia na escrita, é conto, e não se fala mais no assunto. Mas quantos são os autores que escrevem belas crônicas cheias de poesias! Quem já leu uma crônica de Affonso Romano de Sant’Anna sabe disso, embora o autor seja mais poeta e suas crônicas não andam soltas em jornais, revistas ou sites literários. Por ser poeta por excelência, quando escreve algo o traço vai se fazer notado, é impossível ser de outra forma.
Já Nelson Rodrigues, embora teatrólogo e por esta razão acostumado com as paixões humanas, escreveu no fim de sua produtiva atividade muitas crônicas impregnadas de um falso sarcasmo, mas que na verdade era um lirismo. Daí, quem afirmar que escreveu contos, não está apartado da realidade.
Guimarães Rosa, em “Sagarana”, publicou contos e assim os classificou, sendo a obra-prima o “A hora e a vez de Augusto Matraga.”
O assunto não é nada tranquilo quanto parece. Já houve quem dissesse (Fernando Sabino) que se o autor colocar como crônica passou a ser, mesmo que se trate de belo conto.
Complicado... Acho que acabei de escrever uma crônica, aliás, não acho. Tenho certeza. Mas haverá quem diga que foi um artigo didático, ou uma lição.
E estão enganados, por que não estou a fim de dar lição a ninguém...

9 comentários:

Caio Martins disse...

Jorge, creio que este poeminha resolve a questão:

Restos de batalha

Para Márcia e Jorge

Vinha, o Conto
montado em prosápia ligeira
na esteira das palavras
pasmas de espanto.

Eis que chega, incauto
remoendo seus confrontos
o Poema em seus delírios
armado em contraponto.

Puxa, um, da dialética
e lança-se ao confronto;
o outro se defende
a golpes de soneto.

Por pouco não se destripam...

Pois, do nada surge, libertária
a Crônica e seus encantos
nus de amarras, moldes, fôrmas
irreverente e arbitrária.

Voam pontuações, gramaticalhas
sinais, marcas, sintaxes raras
restando, enfim, ao pó e ao vento
ardentes restos de batalha.

O escriba desiste, desliga o PC, se espreguiça. Não tem mais verve para seguir enchendo linguiça escrevendo bobagens de comer moça tonta...



Abraços, m'rmão.

Celso Panza disse...

Depois que você me mandou a "Lei do Retorno" fiquei devendo algo, e passei por aqui, faz tempo sem minha visita . Sem nenhuma "lição", como vc disse, apenas tentando somar, estou que conto é uma narrativa concentrada, menor que o romance, um único ambiente, praticamente único, e ambiência única. Captar um momento preciso ou um episódio da vida, de uma forma linear e monocrônico. Representar o episódio de uma forma cômico, trágico, monstruoso, ingênuo, místico ou sublime, dando destaque ao suspense até a última linha. O desfecho de um fato inesperado ou uma lição de moral, como usual na literatura e nos estudiosos que tratam dessa diferença. Caso faltem esses elementos teremos diante de nós uma história ou crônica. Mas, bom de dizer, que "O Alienista" de Machado é visto por muitos como conto. Em regra, do que conheço, o conto tem desefcho inesperado, isso o caracteriza como a tromba no elefante. Abraços. Celso Panza

Rosana disse...

Ahhhhhh...mas ''Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina'' (Cora Coralina). Quanto mais te leio, mais aprendo. Obrigada. Beijo

Unknown disse...

Divulgue mais este blog. No Recanto das Letras constam 4.068 leituras, com postagem em 2008.
Apenas três leituras é número muito baixo.

Salve,mestre!

Bonita imagem que você conseguiu do Rosa.

Anderson Fabiano disse...

caro jorge,
convivo com essas dúvidas há anos e, quer saber, vou sair repetindo tudo que vc disse aqui. lembro-me das crônicas do drumond, verdadeiras prosas, quão saborosas eram elas...
prometo voltar.
meu carinho,
anderson fabiano

David Monsores disse...

Olá Jorge!
Achei seu blog pelo blog de outros.
Há muito que faço em minha cabeça um debate sobre essa diferenciação. Por final havia me dobrado ao conto ser um texto mais fantasiado, poético, e a crônica um texto mais jornalístico. No entanto a discussão que levanta sobre crônicas poéticas e contos mais jornalísticos, ficando assim a denominação por conta mesmo do autor, achei muito interessante e descontrói a rigidez da nomenclatura. Bem bacana!
Abraço!
Foi um prazer passar por aqui!
Ah, a poesia do "papel" é ótima!

Cris Cerqueira disse...

De repente, os olhos guardaram o cheiro do dia. E jogaram na noite sem luz!... Grande é a noite, diz a menina que brincou entre as flores e viu os pirilampos irem-se dormir... Mas a mãe da menina num olhar terno, sussurrou: Dorme, meu anjo! Que teus sonhos são a crônica de meus dias... E o narrador que nada disse, sentado lá para as bandas do riacho, apenas sorriu e pôs suas reticências... Um bj.

C. disse...

Peço desculpas adiantadas pela intromissão, mas não resisti. Lembrei do primeiro "conto" dos Contos Novos de Mário de Andrade, Vestida de Preto, no qual o autor brinca a respeito: "Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade.". Imagino que risse dos nossos gloriosos teóricos literários e suas urgentes pendengas. Mas só imagino...

Celso Panza disse...

“O final enigmático prevaleceu até Maupassant (fim do século XIX) e era muito importante, pois trazia o desenlace surpreendente (o fechamento com "chave de ouro", como se dizia). Hoje tem pouca importância. Mesmo assim não há como negar que o final no conto é sempre mais carregado de tensão do que no romance ou na novela e que um bom final é fundamental no gênero. "Eu diria que o que opera no conto desde o começo é a noção de fim. Tudo chama, tudo convoca a um final" (Antonio Skármeta, Assim se escreve um conto).
Assim foi a raiz do conto que permanece para lguns, como entendo seu desenvolvimento.

“Neste gênero, como afirmou Tchecov, é melhor não dizer o suficiente do que dizer demais. Para não dizer demais é melhor, então, "sugerir" como se tivesse de haver um certo "silêncio" entremeando o texto, sustentando a intriga, mantendo a tensão.”

“Segundo Cristina Perí-Rossi, o escritor contemporâneo de contos não narra somente pelo prazer de encadear fatos de uma maneira mais ou menos casual, senão para revelar o que há por trás deles (citada por Mempo Giardinelli, op. cit). Desse ponto de vista a surpresa se produz quando, no fim, a história secreta vem à superfície.”

“No conto a trama é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é preciso que o leitor "veja" claramente os acontecimentos. Se no romance o espaço/tempo é móvel, no conto a linearidade é a sua forma narrativa por excelência.” "A intriga completa consiste na passagem de um equilíbrio a outro. A narrativa ideal, a meu ver, começa por uma situação estável que será perturbada por alguma força, resultando num desequilíbrio. Aí entra em ação outra força, inversa, restabelecendo o equilíbrio; sendo este equilíbrio parecido com o primeiro, mas nunca idêntico." (Gom Jabbar em Hardcore, baseado em Tzvetan Todorov).”

“Em outras palavras: no geral o conto "se apresenta" com "uma ordem". O conflito traz uma "desordem" e a solução desse conflito (favorável ou não) faz retornar à "ordem" – agora com ganhos e perdas, portanto essa ordem difere da primeira. "O conto é um problema e uma solução", diz Enrique Aderson Imbert.”
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Caro Jorginho, diante de mais uma visita e das dificuldades diante do conceito de conto, que são grandes, como vejo, trouxe alguns entendimentos transcritos. Existem muitos outros.
AAbraços. Celso Panza