Não existe nenhuma organização mais detestada e odiada
pela polícia e os serviços de inteligência e segurança do que o terror.
Ele não tem limites, nem convenções, nem maneiras
padronizadas de agir. O terror não tem
regras.
Na casa simples por fora, e muito confortável e bem
disposta por dentro, um grupo de homens conversava tranquilamente. O sol da tarde disfarçava ainda melhor a
inocente aparência da construção. Um
andar, garagem para dois carros, jardim pequeno e bem cuidado. O hibisco estava florido, como sempre. Um lugar bastante discreto. Mas num canto estavam vários fuzis Colt,
modelo AR-15. Automáticos, davam rajadas
mortíferas e dilacerantes.
—
Não penso assim. Aquele veado não sabe
nem mesmo dirigir direito.
— E que tem isso?
Pode não saber dirigir, mas tem cabeça.
— Cabeça furada, o álcool acabou com ela. Além disso, não tem dinheiro.
— Ah?
— Estou dizendo, pode ter alguma coisa, mas não é como
nenhum de nós.
— Acaso isto faz diferença?
— Só faz! Se fosse
esperto estaria mais rico. Nós podemos
comprar muita gente, negociar e matar.
Ele não pode nada disso.
— Matar pode sim.
— É. E vai pagar
muito caro.
Os quatro outros homens que bebiam moderados goles de
uísque de primeiríssima categoria assistiam com curiosidade. Era apenas o começo da conversa. Todos vestidos sem roupas que chamassem a
atenção, passariam despercebidos em qualquer lugar que fossem. É um hábito, ser bem discreto. Todos com mais de quarenta anos, afinal eram
chefes e não se admite principiantes nesta área. Nem principiantes, nem pobres. Todos ricos, muitíssimo ricos, investimentos
espalhados mundo afora, Luxemburgo e Ilhas Cayman, principalmente. A Suíça não era mais confiável, salvo para
bandidos comuns, que eles odiavam, mas sabiam usar com muita habilidade quando
necessário.
— Vamos ao que interessa — falou um dos mais velhos. —
Liquidamos esta parada agora ou esperamos a situação piorar um pouco mais, para
o lado deles?
— Sou por esperar.
Estão apodrecendo, fica tudo mais fácil. — Foi a vez de um deles, que
ainda não tinha falado nada. Pelos olhos
frios, parecia o mais perigoso, assassino que pouco se incomoda com o que faz,
afinal acreditar numa causa justa, acreditar muito, é sempre um alívio para
quem vai cometer um ato não admitido pela sociedade. Limpava com cuidado uma Walther P.38 ,
talvez a arma que mais matou impiedosamente na Segunda Guerra. A sangue frio, sem razão nenhuma.
— E a mulher?
— Morre também, é uma falsa, metida a gostosa. Já passou do ponto e não se manca.
— Mas ainda é bonita...
— Bonita porra nenhuma, foi bonita. Envelheceu.
É trapaceira, atenção com o caso.
Tem muito machinho que vai querer ajudar. A putinha sempre foi mestra em colocar
coleira nos homens.
Um deles, que também não tinha falado nada, bebeu um
longo trago, acendeu um cigarro calmamente e disparou: — Porra, vocês estão
fugindo do assunto. Matamos a sobrinha
primeiro. Quando sair do colégio, leva
um tiro. Munição destruidora, vai ser
enterrada de caixão fechado. De acordo?
Se a mãe perceber e se colocar na frente, fogo nela também.
Ninguém se opôs.
Na verdade, a pequena não tinha nada a ver com a história, ou tinha
tudo, depende do modo como se encara a coisa.
Era um aviso para o tio, marcado para morrer de tanto mal que fez àquela
gente.
“Você vai ser o próximo.” O terror é assim. Impiedoso.
11 comentários:
O saber de um bom conto, e fazer o leitor sentir a realidade contada, e Jorge Cortás Sader Filho, escreve desta forma, você vai lendo e imaginando toda cena! ADOREI!
Beijos
Efigenia
Jorge, cenários e cenas com as que descreve são da essência humana. Somos a fera mais perigosa da Natureza. Não contentes em destruir todas as espécies, dedicamo-nos a destruir a própria. Abçs.
Jorge, reeditando a nova história do Brasil... Aqui como em "A Regra do Jogo" lê-se claramente sobre o Brasil de hoje. Quem não leu não sabe o que está perdendo... Indico.
Contos que, da ficção, nos remetem à realidade.
Abraços, mestre Jorge!
Assunto sinistro, mas muitíssimo bem retratado. Boa, Jorge.
Tudo andou muito depressa e ainda anda. Quem ficou pra trás não mais alcança - a inserção social e as condições de sobreviverem do seu trabalho. Constituem-se e se organizam para viverem na criminalidade, usurpando de quem manteve melhores condições. A humanidade está num processo de autodestruição. Crônica muito bem escrita. Parabéns Jorge.
Jorge,descreveu com a maestria de sempre... o cotidiano...Bjus
Por incrível que pareça há uma lógica nisso tudo. Absurda, é verdade, mas lógica. No absurdo do terror há tanta lógica e ética (pasmem) como na cena do Poderoso Chefão, em que um "afilhado" pede ao "padrinho" para matar uns caras que fizeram mal a sua filha e obtém como resposta: Matar talvez não... ele mataram a sua filha?
Como a moça sobreviveu ao ataque, os culpados receberam apenas uma puta surra. Foram parar no hospital totalmente arrebentados, mas vivos.
Meu carinho,
Anderson Fabiano
Nosssaaaa!! que terrível!!!
O recado é para quem, Jorge?
Bjs. Carmem
Somos terríveis feras, nem um pouquinho belas... Concordo com Caio Martins.
Ótimo, retrata nossa pobre e infeliz realidade. E que vai de vento em popa.
Abraços.
É a "vida imita a arte." Fiquei em dúvida: realidade? ficção? Abrs
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