quarta-feira, 18 de junho de 2008

Conservatória

Almir Sater












Acompanho um passeio que vai visitar, de sexta-feira a domingo, fazendas do tempo imperial em Conservatória, pequena cidade de quatro ruas, situada no norte fluminense.
Conservatória, como cidade, é pequena, mas sua área e bastante grande, quando envolve centenárias fazendas que produziam café nos tempos imperiais.
Sinto-me deslumbrado; a palavra não pode ser outra. As fazendas estão impecavelmente conservadas e restauradas, e ando no tempo. Vejo uma mesa de oito metros feita por uma só tábua de madeira nobre. Os donos, um simpático casal já idoso, encarregam-se de fazer as apresentações do lugar. Na mesa de oito metros já se sentaram o Conde D’Eu e a Princesa Isabel. A sede tem setenta e oito janelas, e penso imediatamente quem limpa aquilo tudo agora. Quando produzia café, eram os escravos, hoje possivelmente é alguma firma especializada, pois esta é apenas uma das fazendas do lugar. Os donos silenciam e não comentam nada sobre o assunto.
Conheço outras fazendas, não imponentes como esta, mas que nada devem em matéria de conforto. Em todas é servido um lanche. Bolos e queijos deliciosos, e champanhe modesta: Veuve Clicquot, na temperatura certa, certíssima, taça de cristal antigo, leve e para a minha satisfação, a quantidade é farta, podendo repetir.
Se insistir com a descrição das fazendas, acabo fazendo uma monografia.
Um bom passeio pela cidade vai mostrar bem o lugar onde estou. Ar puríssimo, nada de carros circulando nas ruas, jardins arborizados, ruas calçadas com pedras, trabalho invejável. A temperatura é de 20 graus centígrados. Em cada esquina, poucas, o nome de um compositor ou poeta. A tabuleta indicativa tem pauta pequena, onde estão escritas músicas famosas. A cadeia, vazia.
Vejo passarem homens de idade e alguns poucos jovens, que estão no Rio de Janeiro, estudando. Grande parte deles carrega o violão e um sorriso franco.
Acordes são ouvidos, pequenas cantorias, afinações dos instrumentos. Muitos estão sentados com um caderno à frente. Poetas. Como têm poetas aqui. Poetas e seresteiros. Continuamos andando e entramos numa loja. A especialidade é a venda de cerâmica muito bem feita, objetos de primeira qualidade. A maioria, feita em Conservatória mesmo. Um casal de idade, os donos da loja nos dão bom dia e continuam os dois com papel escrevendo. Ficamos livres para olhar as peças à vontade, sem o vendedor nos seguindo e perturbando. Escolhidas as peças, fomos no balcão pagar. Recebem sorridentes, agradecem e perguntam se vamos à seresta. Claro que vamos! Aproveito a parada e vejo se na minha mochila estão bem acondicionadas as duas garrafas de cachaça que comprei numa das fazendas, produção artesanal, envelhecida no tonel de carvalho que foi usado para fazer vinho tinto. Estão perfeitas, e não vou abrir nenhuma, até chegar em casa. Abrir para que, se em cada bar – parece que têm muitos – parece, somente. Entro num e como a hora do almoço estava próxima, peço uma especial. Não é tão boa como a que tomei e estou levando, mas de ruim não tem nada.
O almoço? Feijão cozido na panela de barro, fogo a lenha, com os complementos típicos: arroz, farofa pura ou com couve, farofa de todos os tipos, torresmo, lingüiça, carne seca, meu Deus, é comida demais. Vou devagar. Faço um prato pequeno. Qual! Repeti duas vezes! Como deixaria de fazer extravagância? Feijão não combina com vinho. Cerveja, que venha...
Depois de um sono de duas horas, banho e roupa limpa, mais elegante.
Fomos todos para a praça; o tempo estava bom e permitia que os violões, violas e flautas dessem início a serenata. Músicas que eu não ouvia há muito tempo eram cantadas num magnífico coro. Parava a musica e um poeta dizia seus versos.
Tudo terminou com “O luar do sertão” de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco. Eu pensei que não mais cantaria esta música com coro e acompanhamento. Fiz muitas subidas em montanhas, quando jovem, e nas mais fáceis, as que não têm escaladas, é comum uma espécie de fogo do conselho, onde escoteiros e bandeirantes rezam, recitam poesias e cantam alegremente. Sempre fui uma das vozes mais altas, tomado pelo entusiasmo. Repeti com muito prazer.
Conservatória... Breve eu volto.



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2 comentários:

José Januzzi disse...

Senhor Jorge, fiquei com uma baita inveja desse passeio por essa cidade de nome tão simpático "Conservatória". Vou anotar no meu caderninho para ver se um dia eu ainda chego lá. Fogo do conselho trouxe-me recordações juvenis. Parabéns por ter conseguido publicar seu romance, que ainda pretendo ler... abraços. José Januzzi

Eleonora Marino Duarte disse...

jorge, salve!

obrigada pela visita.
estive aqui e tomei conhecimento de seu trabalho.
ótimo, aliás!

muito boa sorte no empreendimento ousadíssimo que chamamos "livro". é preciso coragem e bastante talento.

parabéns por ter as duas qualidades!

um abraço,