sábado, 28 de novembro de 2009

Amores sem sentido

  Milla/jcs

















Este engodo existe mais do muita gente pensa.
Está presente em qualquer parte do planeta, e não faz distinção de idade. Faz parte do sonho humano, principalmente na parte afetiva.
Assim é que numa noite temperada, nosso poeta encontrou sua musa, numa reunião de amigos. Tudo muito informal. Casa de praia, destas pré-fabricadas, simples e bastante confortável. Todos eram conhecidos, velhos amigos, menos o casal que conversava sentado na grama.
O assunto era viagem ao estrangeiro. Ambos conheciam países europeus, e sempre há quem prefira um ao outro. Os mais velhos adoram a França, sonham com Montmartre, o lado esquerdo do Sena, bares famosos como o Les Deux Magots.
Os mais jovens preferem Londres, mais dinâmica e contemporânea de alguns anos para cá.
- Pois eu acho Portugal muito mais interessante, - falou a moça.
- Engraçado. Também simpatizei muito com Portugal. Lugar onde pode se viver com calma.
- Especialmente no extremo sul. O Algarve é muito bonito, clima agradável, e muito tranquilo.
E a conversa continuou longo tempo, poética, com clima de romance, relaxada pelas excelentes batidas de lima-da-pérsia que um do grupo passou a noite e a madrugada preparando e bebendo. Um violonista não parou de executar solos de músicas conhecidas, mas surpreendeu quando tocou “O Concerto de Aranjuez”.
Foi neste clima que nasceu a paixão. Nasceu e se desenvolveu. Os sonhos, os eternos sonhos que fazem girar o mundo, estavam em pleno desenvolvimento. Casar, ir para o Algarve, talvez Olhão, uma cidade gostosa...
Sonhando, sonhando, tempo passando e nada de união, namoro. Isto cansa; não pode ser indefinido. Até que ela casou e sumiu, foi morar em Nova Iorque. Ele não a viu mais. A última vez que escreveu, contava estar grávida. Caso fosse homem, o nome seria o escolhido por eles, quando ainda faziam planos. Fez questão de dizer que ainda o amava, ele que não a quis.
Não se comunicam há algum tempo, parece que o amor acabou.
Será mesmo?

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Tuas mãos

Mãos/Google














Tuas mãos


O semblante puro, sereno
Que tu trazes sempre estampado,
Faz sentir o quanto é pequeno
Por ti moça, não ser amado.

Se tens as mãos tão delicadas,
Dedos finos longos, seguros
Sempre quando estão bem tratadas
Mostram o quanto eles são puros.

Quem cuida dos outros, parece,
Que tudo sempre modifica
Alma de quem muito merece.

O carinho dessas tuas mãos
Cresce, aumenta, solidifica,
Não têm elas excessos vãos.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Os velhos marinheiros"

Jorge Amado
















- Pois é o que eu digo! O comandante Vasco existiu mesmo.
- Ele e Papai Noel. Quem me trouxe foi a cegonha.
- Larga de deboche, homem. Tem um livro que conta tudo.
- É um romance, rapaz. Não é História.
Este diálogo estava sendo travado num bar suburbano, famoso por suas batidas e empadas diversas. Os tipos eram comuns, de meia idade, já afetados pela manguaça. Um exemplar estropiado estava na mão de um deles, que poderia muito bem servir de personagem para Jorge Amado.
- Quer dizer que um homem fardado é mentiroso?
- Mete na cabeça, cara. Isto é apenas um livro dum escritor famoso.
- Então que é verdade mesmo. Um escritor famoso não escreve mentira.
- Ele criou a história toda.
- Criou? Você está dizendo que ele inventou aquilo tudo?
- Entendeu, burrão. Inventou sim.
- Ninguém é capaz de inventar a vida de um homem. Tem o nome, o lugar onde viveu, os amigos, as farras. Invenção nada, não acredito.
- Olha, vamos parar. Eu sou ignorante, mas já li alguns livros, quando ainda estava na escola.
- Livros de mentira ou de verdade?
- De mentira, de verdade, eu lá sei o que você quer dizer.
- Como o do comandante Vasco. Marinha Mercante, o amigo Georges é que era da Marinha de Guerra. Capitão dos Portos.
- Invenção também.
Pediram mais empadas de palmito. Os copos de batida ainda estavam bem cheios. Já estavam no quinto martelo grande. Clima frio ajuda. Não perceberam quando entrou no boteco um cidadão de cabelos grisalhos, troncudo, com um paletó esquisito e um chapéu com uma âncora.
- Os amigos permitem que eu tome um grogue junto?
- Grogue. Era isso que ele preparava na casa decorada com objetos de marinheiro. Que coincidência!
- Posso saber do que está falando, grumete?
- Grumete?
- Sim. Grumete. Ainda não me parece um marujo.
- E você quem é?
- ‘Comandante Vasco Moscoso de Aragão. Um velho marinheiro, às suas ordens.’

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Malandros

Icaraí













Existe, na minha cidade da Vila Real da Praia Grande, hoje Niterói, um ônibus alucinado que percorre a cidade inteira, o chamado Volta ao Mundo.
Fartamente usado, é alvo de pequenos marginais, que fazem do transporte seu ganha pão. Roubando ou furtando, é bom que se diga.
Quem anda no 51, a linha do citado coletivo, está avisado. Risco de perda, a qualquer momento.
Mas o pessoal ficou esperto. Nada de pegar a condução com a carteira cheia! Cinquenta reais, no máximo dos máximos. Relógio? É aquele que o camelô da esquina vende por menos do que você tem nesta carteira. Celular? Está doido, homem? Por causa de um de terceira linha, o famoso “pai de santo”, só recebe, você pode levar um tiro do pivete que a vida malvada criou.
Melhorou, agora. Os próprios assaltantes preveniram as vítimas. E assim perderam uma boa fonte de renda, absolutamente isenta de declaração!
Os dias atuais parecem um sonho, ora na praia, bem acompanhado, cerveja gelada, água de coco, sombra, mergulhos, têm que ser vigiados, ou você não volta parta casa. As chaves do carro ou o dinheiro da passagem de ônibus somem com facilidade incrível.
O mais novo golpe é fatal. Você senta ao lado de um belo par, ela uma sereia, ele um galã, e a conversa inicia na hora.
Eles são simpáticos, pagam a cerveja e quando vão dar um mergulho, pedem que você tome conta da tralha que carregam.
Voltam satisfeitos, refrescados.
Você faz a mesma coisa. A água está deliciosa!
Quando volta, nem a sandália ficou, levaram tudo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cecília Meireles e o haicai

Beija-flor/Google












Pretendo ser breve, mas sem deixar lacunas no texto. Nossos maiores expoentes no haicai, a sutil e inteligente arte poética japonesa que ganhou o mundo deve ser apreciada com olhos e corações abertos.
Sem qualquer julgamento de quem entende ou não o haicai, diria que Paulo Leminski, Guilherme de Almeida e Cecília Meireles compreenderam muito bem o seu significado.
Vou fixar-me em Cecília. No seu antológico Escolha o seu sonho, ela aborda o assunto com profundidade e delicadeza, qualidades que a caracterizam.
No seu texto “O ‘divino’ Bachô” nossa autora mostra a sua inteira compreensão do haicai.
Afirma textualmente que o haicai, nas mãos de mestres, torna-se uma preciosidade: “É um engano tomá-lo apenas pelo aspecto superficial: precisa-se penetrar na intimidade da sua significação.”
Sabedora que o haicai e o tanca trazem a mais autêntica forma da expressão poética, que não necessita de título, pontuação ou rima, embora esta quando devidamente feita enriqueça o poema, Cecília dá um exemplo de Bashô, considerado o mestre do haicai.
Um discípulo seu teria escrito
“Uma libélula rubra.
Tirai-lhe as asas:
uma pimenta.”
Mestre Bashô corrigiu o haicai.
“Uma pimenta.
Colocai-lhe asas:
uma libélula rubra.”

Uma diferença grande! Cecília entende como um símbolo de compaixão, como “uma luz que não se apaga, e até se vê melhor – porque vastas e assustadoras são as trevas dos nossos dias.”

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Iniciantes

Cecília Meireles/Google















Muitas pessoas escrevem nos sites da internet, hoje em dia.
A gente fica pensando: como começaram? Já escreviam antes e aproveitaram-se da facilidade, ou tinham o talento guardado, esperando a oportunidade de manifestar-se?
Difícil dizer. Só fazendo uma grande pesquisa. E os institutos da vida não parecessem interessados na empreitada. A melhor maneira de sabermos é lendo o perfil do autor, mas se ele não escreve desde cedo, não costuma revelar o fato.
Cronistas, contistas e, sobretudo poetas, aparecem em grande número nos sites literários, sem falar nos blogs.
Como em toda atividade humana, encontramos escritores e poetas – acho estranha esta diferença. Acaso o poeta não é um escritor? A interrupção veio mal. Dizia que temos neste meio, boas, médias e fracas pessoas na atividade, como é característica de toda atividade humana.
Mas o interessante são os iniciantes. Pegam um tema e vão desenvolvendo, como se fossem velhos e experimentados escritores. Salutar audácia! Muitas vezes revela um talento brilhante.
É evidente que nem sempre é assim. Temos prosa chatíssima, e poemas completamente sem pé nem cabeça. Aqui o campo é mais fértil. Aproveitando-se da liberdade nos versos, os iniciantes aproveitam e abusam da falta de conhecimento. Poucos sabem contar as sílabas de um verso.
Talentos e falta dele. O efeito final é bom. Distrai, evita que o autor saia por este mundo doido cometendo disparidades e, quem sabe, pode revelar outro sucessor para Jorge Amado ou Cecília Meireles, por exemplo.