Conheci Iberê Camargo numa tarde quente de sábado, em
1971 se não estou enganado.
Gostava de pintar, e tive o atrevimento de ligar para a
casa do mestre, pedindo que ele desse uma olhada nos meus quadros. Sabia da sua camaradagem com os artistas
jovens, e a resposta afirmativa agradou-me bastante.
Iberê, na época, morava na rua Serafim Valandro, que não
tinha saída e fica no fim de Botafogo.
Juntei uns seis quadros, todos abstratos, coloquei no pequeno banco
traseiro do meu Karman-Ghia e rumei para a casa do pintor, um apartamento
iluminado num edifício pequeno.
O mestre estava como sempre elegante, com uma camisa azul-acinzentado, calça e sapatos pretos.
Discreto e cordial recebeu-me com muita simpatia, fato
que o caracterizava. Conversamos longo
tempo na sala de jantar, fumando horrores e tomando várias xícaras de café que
sua esposa, Dona Maria, não se cansava em preparar e trazer. Café fresco, nada de garrafa térmica. Estavam na sala dois amigos do pintor, não me
lembro do nome deles, mas um, pouco mais velho do que eu, era professor de
História na PUC.
Conversamos longo tempo, todos participavam. Iberê estava sentado na frente de uma
abstração por demais expressiva.
Lindíssima! Eu não tirava os
olhos dela, até que ouvi a reclamação: “Vai
ficar olhando o meu quadro ou conversar conosco?”. Claro que não me abalei, ele falou isso
sorrindo e arrematou “está livre, sem pretendentes. Vendo a você sem intermediários.” Não perguntei o preço, não tinha dinheiro
para comprar, quem era eu para ter um Iberê Camargo?
Começava a escurecer.
“Vamos ver estes quadros.”
Estavam no corredor. Foram
olhados sem muita atenção, exceto um que eu julgava bom. “Carnaval puro, Jorge”. “Muitas cores, sem unidade, não são bons,
exceto este, mas é falso. Não é seu, mas
cópia de Manabu Mabe.” Era o quadro que
eu julgava bom, mas o veredito estava certo.
Fiquei desconcertado, mas aceitei sem discussão as
palavras. Acendi mais um cigarro,
comecei a juntar os quadros e ouvi “Espera, você veio mostrar seus quadros, já
falei o que penso, mas não posso deixar assim.”
Mostrou os erros. “Cores demais,
falta de unidade e motivo principal.
Mesmo na abstração estas exigências devem ser cumpridas”, foi o que
disse. E com toda a autoridade de mestre
consagrado, deu a aula que nunca vou esquecer.
“Não parta do nada, toda pintura tem um motivo, trabalhe em cima dele,
use poucas cores e sintetize bastante.
Aprenda a dominar três cores: o preto, o branco e o vermelho. Não se canse de trabalhar até que o quadro
fique uniforme.”
Despedimo-nos. Eu
nunca tive uma aula de pintura tão esclarecedora e direta. No dia seguinte já pintava usando quatro
cores, a abstração partia de objeto ou figura humana, o resultado melhorou
muito. Mas não sou pintor, embora tenha
começado com retratos, sendo o mais fiel possível, e utilizando o claro-escuro
tradicional. Embora ainda tenha todo o
material, não pinto há mais de dez anos.
As tintas, naturalmente, emborracharam.
Iberê Camargo, um mito!
Nunca mais o vi.
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A pintura que ilustra o texto é a que fiquei olhando horas.