quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Pegadas




            O calçadão estava vazio; quase ninguém.  Havia chovido pouco, coisa rápida, mas que deu para deixar a areia úmida.
            Um jovem, menos de vinte anos com toda certeza, parecia estar cumprindo um estranho ritual na parte mais perto do mar. Andava como se bêbado estivesse, mas não havia ingerido nada que contivesse álcool.  Seus passos eram calculados, parecia que procurava alguma trilha.  Mas isso não existe na areia das praias.  Trilhas são comuns na mata.
            Mas era assim. Passo após passo eram dados como se procurassem alguma coisa.  Ele era acompanhado por uma velha senhora, que apreciava seus movimentos estranhos da larga calçada de pedras portuguesas.
            Muitas coisas não têm limite.  Uma delas é a curiosidade, sempre procurando explicações.  A velha senhora não mais se conteve.  Foi até o rapaz que fazia na areia úmida o estranho percurso.  Não teve a coragem de perguntar o que era aquilo.  Simplesmente, como uma caminhante que buscava algum exercício, limitou-se a observar a cena de perto.  Foi quando reparou que o jovem pisava exatamente em pegadas bem nítidas, deixadas por alguém que havia passado antes.  Com o maior rigor possível, o jovem pisava exatamente onde estavam as marcas deixadas, pegadas de alguém menor e bem mais leve, porque não eram fundas e de comprimento pequeno.
            Não resistiu. “Porque estes atos, meu jovem?  Posso perguntar isso?”  A resposta veio de imediato.  “Pode sim, senhora. Sigo a minha paixão.”  Estava aberto o diálogo.
            — Paixão?
            — Paixão de longos anos, estou pisando onde passou ainda agora a minha alma feminina.
            — Pode explicar melhor? Estou incomodando, na certa!
            — De modo algum, minha senhora.  Não conhece a lenda?
            — Que lenda?
            — Se você seguir os passos da amada, ela será sua para todo o sempre. É o que diz a tradição índia.
            — Tradição índia?  Acredita nisso, rapaz?
            — Disseram que era índia, mas pode ser cigana, oriental ou até mesmo dos nossos antepassados.
            Continuou o seu caminho.  Seguindo os passos cujas marcas estavam na areia.

            Dizem, e tudo indica que seja verdade, casou-se com a mulher cujos passos rigorosamente seguiu. Quem segue com amor, é seguido.  Dizem também, que embora a água do mar apague tudo, deixou marcadas aquelas pegadas. Para todo o sempre.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Sem golpes


            

              A política brasileira é marcada por uma sucessiva ação de golpes.
            É a razão principal da boataria que correu com força principalmente nas redes sociais, mas se abrandou no momento.  Por ter sido mínima a diferença de votos na eleição presidencial, colunistas de direita comprometida e várias pessoas sem a menor formação política, articulavam um pedido de impeachment da presidente da República.
            A medida é legal e constitucional, mas para ser aplicada sempre que for cometido ilícito grave por dirigente do poder executivo.  É procedimento que não cabe ao judiciário, mas ao legislativo, nas suas duas casas quando se trata da presidência da República.  Não se tem prova, até o presente momento, que a reeleita Dilma Rousseff tenha cometido infração que justifique a instauração do processo.
            A República vai muito mal. O Brasil é recordista de homicídios no mundo, a criminalidade campeia, a economia nunca esteve tão fraca, inflação sem o menor controle, estradas, saúde e educação não atendendo às necessidades do povo.  Mas isso é mau governo, não crime. 
Enquanto a esquerda mais ativa procura soluções radicais, a direita reacionária quer soluções incabíveis, como a entrega do poder aos militares.  O fato é tão sem cabimento que nenhum movimento fardado está se ocupando de política, nem deseja o poder.  As Forças Armadas cumprem rigorosamente o seu dever, como a “guarda da pátria”.
O que está havendo é o desenrolar do processo que envolve a Petrobras, e aí sim, pode surgir prova ou nome realmente comprometido. Se não surgirem provas, é bom que os afoitos se aquietem e deixem o assunto nas mãos dos deputados e senadores, salvo surgindo fatos sérios que fiquem ao descaso.  Justificam as passeatas de protesto, como nos tempos do governo Collor.  O Congresso tirou-o do poder, é verdade, mas pressionado pelo povo que não deu tréguas.
Um fato porém é de ser ressaltado.  Existe o crime de responsabilidade fiscal, inicialmente cogitado para punir prefeitos que gastavam mais do que arrecadavam.  A lei está em vigor, e até o presente momento as contas de despesa e receita do governo federal não fecham.  Ora, tal fato colocaria a presidente como autora de crime, criando uma confusão nunca vista no país.
O ano fiscal não terminou, e acertos sempre foram feitos tanto aqui como em muitos outros países.
A questão não é essa. O sério, difícil e muito trabalhoso vai ser a administração do país em 2015, quando a “herança maldita”, fato tão comentado pelos dirigentes, vai ter que ser gerida por quem lhe deu origem.   




Publicado no Pravda de 14/11/2014http://port.pravda.ru/cplp/brasil/15-11-2014/37615-sem_golpes-0/