quinta-feira, 30 de junho de 2011

Brisa














Brisa

A suave brisa soprava vinda do Leste. Tinha o perfume da terra, naquele banco de madeira já envelhecido.
Um parque. Árvores centenárias, testemunhas de namoros, beijos e abraços, confissões de amor, olhares trocados, penetrantes.
Quanta coisa! Planos traçados, casamentos à vista, tudo sob a sombra das árvores que guardam segredos incalculáveis, alguns bastante confidenciais.
Para completar tudo isto, um lago com chafariz, limpo, com pequenos peixes. Ali não proliferam mosquitos, raça impertinente que além de aborrecer, traz malefícios à saúde.
E os canteiros? Todas as cores, difícil falar. As plantas, pior ainda, principalmente para quem é apenas um admirador, e não um conhecedor. Distinguem-se somente as grandes vitórias-régias na superfície do lago.
Um lugar encantado? Talvez sim. O parque antigo foi feito pelo homem, mas é difícil imaginar quem guiou seu pensamento, quem plantou as árvores, não tem tabuleta indicando nomes, tem apenas um marco de concreto, visivelmente novo e colocado muito após o parque ser construído.
Crianças fazendo brincadeiras criativas. As crianças... Na sua suposta e presumida inocência, são seres que colocam o adulto consciente a pensar.
Puras, autênticas, espontâneas. Parece que o mundo seria bem diferente, se todos os adultos ainda colocassem para fora a criança que têm dentro de si. Exagero? Nunca. A alma infantil é pura, ainda não contaminada com as disputas, o preconceito, a gana pelo poder, seja material, intelectual ou mesmo os dois.
Quando consegue sua liberdade desta educação que mata a pureza, o homem torna-se artista. Em qualquer atividade, sem distinções. Alguns, não muitos, tornam-se artistas mesmo. Sentem e sabem expressar o que vai dentro d’alma.
Enquanto isso, a suave brisa continua soprando. É a brisa da Vida, é o vento do desconhecido que coloca as cabeças mansas, próximas umas das outras, próximas da Vida.
Sopra, brisa. Continue soprando.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O Intelectual












O Intelectual

Gilberto Tainha. Pois é, com este nome de peixe, e metido a intelectual.
Escrevia prosa mal; poesia pior ainda. Estava sentado, papel velho na mesa, que ele lia atentamente. “Um célebre poeta polaco, descrevendo em magníficos versos uma floresta encantada do seu país, imaginou que as aves e animais ali nascidos, se, por acaso, longe se achavam, quando sentiam aproximar-se a hora da sua morte, voavam ou corriam e vinham todos expirar à sombra das árvores do bosque imenso onde tinham nascido.”
Ele leu com atenção e em voz alta. Não era grande a roda de amigos. Três, que bebericavam um saboroso uísque enquanto a conversa costumava se esticar até tarde da noite. Veio a patuscada.
- Escrevia muito bem, o Alencar.
- Quem?
- Está brincando, deixa disso estou lendo um trecho dele. Não sei de qual livro. É uma folha solta que encontrei.
- Mas isto nunca foi de José de Alencar, Tainha. É “O Torrão Natal”, de Joaquim Manuel de Macedo.
- Tem certeza? Aqui não está escrito o nome do autor.
- Certeza absoluta. Está no Rio do Quarto.
- Não conheço.
- Deveria conhecer. Um dos males de hoje é exatamente este. Prosadores que não conhecem nossos grandes antepassados, e poetas que não sabem quem foi Alberto de Oliveira, por exemplo.
- Ora, mas este eu conheço bem. Antônio Mariano Alberto de Oliveira, homenageado até por Bilac.
- Ora! Conhece o nome todo, de cor.
Neste momento, o barbudo que tocava um indolente barroco no piano, não se conteve.
- Tainha, porra! Explica isto. Sabe até que o homem foi homenageado por Bilac!
Tainha ficou calado. Não disse que Alberto de Oliveira era seu tio. Ninguém ali sabia do fato. Melhor assim. O idiota não havia herdado nada, absolutamente nada, da veia poética do parente famoso.

imagem: Alberto de Oliveira/Google

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Pilantras














Pilantras

Quantos anos teria? Muitos diriam vinte, outros menos, por aí.
O certo é que era bonita. Esbelta, elegante, um pouco magra talvez, mas esta aparente deficiência não a prejudicava. Tomava um cappuccino, tempo frio, bar também elegante.
Nitidamente esperava alguém, olhava no relógio vez por outra, acendeu um cigarro e o seu gesto, ao acender o mesmo, mostrou elegância.
Em pouco tempo, talvez quinze minutos, chegou quem esperava. Jaqueta de couro preta, brilhante e calça cinza. Nem velho nem moço. Talvez uns trinta e cinco anos, por aí. O que conversaram, ninguém aparentemente escutou. Mas pelos gestos era assunto sério, os rostos estavam um pouco contraídos, as mãos incertas. Ele também pediu uma bebida, era uísque sem gelo. Igualmente, acendeu um cigarro e continuaram conversando.
Não havia muita gente no lugar, eram seis horas da tarde, pouco mais, pode ser. Lá fora, o vento frio fazia com que os transeuntes se encolhessem.
Quem ouviu tudo, sem que eles percebessem, foi o garçom. Chantagem, vejam só, a dupla estava falando em tirar o dinheiro de um figurão do mundo dos negócios em bolsa. Espertalhão, na certa. Ou pagava a quantia exigida, ou a vídeo iria parar nas mãos da mulher do extorquido. Foram filmados, fizeram de tudo e mais alguma coisa.
Para um homem de negócios, não importava nada que fossem mostradas as cenas. Mas acontece é que a mulher dele, dona de fortuna por herança, financiava o seu joguinho com o sobe e desce das ações. Ele não poderia perder a galinha dos ovos de ouro.
Foi esta, em parte, a história contada pelo garçom aos policiais que fizeram a ameaça “ou conta ou nós falamos tudo com seu patrão”.
Tudo isto por causa de uma jovem bonita, um pouco magra, talvez, que estava morta, durinha, no assento do motorista de um automóvel também elegante. Serviço de profissional, facada certeira no coração, morte imediata, sem fazer barulho, sem chamar a atenção, enquanto os limpadores de para-brisa continuavam funcionando.

sábado, 11 de junho de 2011

Amor
















Amor





O amor quando floresce,

É como as plantas no chão

Que a gente nunca se esquece

De louvar em oração.

sábado, 4 de junho de 2011

A Dama de Luxo














A dama de luxo

Bonita e elegante. Talvez o casaco de pele de raposa, talvez, era demais. Mas não sendo nos dias atuais, quando usar pele animal é um verdadeiro atentado aos olhos dos ecologistas, não era considerado um acinte.
Andava de um canto em canto em Montmartre, procurando uma loja de fotografia, mais exatamente, um local onde pudesse adquirir uma câmera fotográfica.
Nas suas ‘indas e vindas’, a bela dama foi interpelada pelos gendarmes, sempre atentos nas ruas de Paris.
A dupla pediu a identidade e a carteira profissional, onde os exames médicos têm que estar atualizados. Os policiais, via de regra, são muito mal preparados para este tipo de coisa. Enxergam chifres na cabeça do cavalo, e pobre égua que nutre por ele uma atração. É considerada promíscua, como se nós, animas de quatro e duas patas, estivéssemos sujeitos a este julgamento.
A bela dama, sem medo de afrontas, mostrou a identidade estrangeira. Não era francesa, muito menos prostituta. Se o julgamento dos policiais foi rígido aos extremos, e totalmente equivocado, vendo o passaporte, foi liberada com um pedido de desculpas.
Os policiais, em todo mundo, são arrogantes e precipitados. Fossem mais espertos, perceberiam que a bela dama poderia ser uma ‘putain’ sim, mas de clientela rica e selecionada. É comum, muito mais do que pensamos.
Artistas famosas, modelos, mulheres notáveis e bonitas, muitas, costumam usar este modo de manter uma vida confortável, nunca cobrando menos do que mil dólares por hora de trabalho.
Envergonhados, pediram desculpas e foram-se embora. Querem saber quais as brasileiras que cobram muito só para aparecer numa festa?
Fiquem querendo. O cronista conta o fato. Somente.