quarta-feira, 15 de junho de 2016

Guimarães Rosa

         

            Difícil uma apreciação simplista.  A obra do autor não comporta definições ou rótulos.
            É densa, abrange a vida, seus caminhos, suas dificuldades, suas virtudes.  Rosa não pode ser comparado com autores estrangeiros, de renome internacional através dos tempos.
            Através de seguidas narrativas, tanto em “Grande Sertão: Veredas”, como em “Sagarana”, ele não se ateve ao corriqueiro, o fato do homem comum.  Foi mais.  Exatamente deu cores a este fato comum, corriqueiros na nossa vida diária, construiu um mundo de verdades e fatos que acontecem, no cotidiano tanto do homem das grandes cidades, como o homem do campo, o homem que habita este país continente.
            Ora, muitos dirão, o cerrado mineiro não é o Brasil.  Exato, não é, mas o homem é o mesmo que habita o sertão nordestino ou o pampa gaúcho.  Espremendo o caldo, os brasileiros somos iguais.  Absolutamente iguais.  Alegres e receptivos, em todo o país.  Talvez seja a característica mais forte do brasileiro.  Claro que diferenças existem.  Não se pode desejar que o homem seja igual em pensamento e cultura, em regiões diversas.  Não é assim no mundo inteiro.
            Mas nosso autor soube diferenciar bem.  Colocou a alma brasileira em todos os seus textos, num magistral passe.  Jorge Amado já havia tentado, e passou muito bem no teste.
            O autor nada mais é do que a voz do seu povo.  Mesmo em fatos passados, deve procurar a verdade de todos nós, todos nós brasileiros, não interessa o lugar onde nascemos e vivevemos. 
            Tarefa nada fácil.  É preciso conhecimento, é preciso saber diferenciar, sempre com a preocupação de atingir o todo.  Tarefa quase impossível.  Penso que Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Jorge Amado, João Ubaldo e naturalmente o autor centro desta crônica, traduzem bem o espírito brasileiro.

            Quem souber de outros, que acrescente.  Vai ajudar muito.

sábado, 11 de junho de 2016

Uma história de amor

                                     

                   Nestes dias conturbados, onde o tumulto domina as ruas, as praças, os prédios públicos e especialmente o Congresso, vale muito um refrigério, uma história de amor.
            Os melhores conhecedores do casal Jorge Amado e Zélia Gattai, além dos depoimentos pessoais de ambos, em entrevistas diversas, lembram momentos de amor, compreensão e companheirismo ao longo de cinquenta e seis anos de casados.
            Jorge e Zélia gostavam de terminar o dia, vendo a tarde morrer, juntos sentados ao pé de uma mangueira grande que até hoje existe na casa onde viveram, no Rio Vermelho.  Ali conversavam sobre o dia que se acabava, suas impressões sobre o mesmo, o que tinham sentido e escrito.  Uma confissão mútua, enfim.
            Sendo ambos escritores famosos, destas conversas devem ter nascidos romances também famosos.  Quais, nunca saberemos, ninguém nunca falou sobre isto. Mistério, o que sempre fascina o homem comum e mesmo outro escritor. O fato é que estas conversas de fim de tarde, íntimas e naturalmente muito proveitosas, prolongaram-se ao longo do tempo.  Parece que “Tocaia Grande” teria nascido assim, mas certeza não existe.  Jorge sempre se disse um grande “contador de causus”, o que ele foi realmente, além de notável escritor; não gostava de revelar sua intimidade como um grande contador de histórias.
            Fascinante!  Que mais chama a atenção do homem do mistério, que afinal se torna verdadeiro?  Difícil dizer.  O fato é que não há ficção nesta história.  Tudo isto aconteceu realmente, ou seja, um casal de humanos tinha hábito de terminar o dia vendo sentados, sob uma mangueira até hoje existente na casa famosa.  Aconteceu, é o fato mais importante.  O que conversavam fica por conta da intimidade dos dois, parece que não devemos nos intrometer nisso, uma velha e costumeira mania de todos nós.
            O tempo flui, e corre depressa.  Até hoje lembro as entrevistas, vistas ao vivo na televisão, tanto de Jorge, como de Zélia. Ficaram guardadas na memória. Eram apaixonantes!  Mas Jorge foi-se.  Cremado, suas cinzas foram depositadas ao pé da velha mangueira, onde conversava com a mulher.  Um ato que viria a ser milagroso, no sentido mais extenso da palavra.
            Ninguém é eterno, uma afirmação banal.  Passados alguns anos, a querida Zélia, nossa querida, uma grande mãe, falecia também.  Por decisão da família, especialmente da filha Paloma, foi cremada e suas cinzas jogadas ao pé da mesma mangueira onde conversava com o seu Jorge, e que ali também está até hoje.

            Sem mais palavras, incapazes de traduzir um sentimento.  Mas é a verdade.  Verdade de um amor eterno.