quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O ano de 2016

                    

            Definir e pormenorizar 2016?  Tarefa para profissional competente.  Seja jornalista, historiador ou mesmo mero observador do comportamento humano.
            O ano foi duro.  Após o Partido dos Trabalhadores, num golpe traiçoeiro contra todos nós, ter se mostrado um conglomerado de bandidos, Dilma Rousseff sofreu impeachment no Senado Federal.  Mostrou, todo o tempo que esteve à frente do governo, ser absolutamente incapaz, pessoalmente, e favoreceu, direta ou indiretamente, que seu partido e membros dele cometessem todos os tipos de crimes contra o patrimônio da Nação.
            O Brasil progredia economicamente.  As leis eram respeitadas.  Mas, por desgraça nossa, Lula é homem ambicioso, dado a negócios escusos e um exemplo de governante que gosta de se apropriar o que não é seu, é do povo.
            Toda a trama começou após o Foro de São Paulo, obedecendo rigidamente os princípios de Fidel Castro.  O protocolo foi firmado, com a finalidade de transformar a América Latina num grande complexo bolivariano. Sendo Simón Bolívar um político profundamente duvidoso, desconhecedor das bases de uma economia desenvolvida e extremamente defensor da política do estado forte, dominador e gestor da coisa pública, contra qualquer interesse não centralizado nas mãos poderosas do executivo, no seu entender.  Um erro crasso, como qualquer estudioso pode assegurar.
            Caminhamos para a conjunção bolivariana, até quando os escândalos de grandes rombos estavam ocorrendo na nossa economia.  Surgiu a famosa Lava Jato, que começou a ver, ouvir e investigar os desmandos petistas.  Dilma foi impedida de continuar a ser presidente, por força do impeachment declarado pelo Senado Federal.  Dia após dia, eram e são descobertos golpes contra o erário jamais vistos em toda a República.  Nomes de outros participantes, de outros partidos que não o PT surgem pouco a pouco.  São muitos, nada se pode falar com segurança no momento.
            A verdade é que o país tem hoje 12 milhões de desempregados, a Petrobrás está aparecendo como uma companhia petrolífera de maior dívida internacional, um absurdo.
            Solução? Sim ela existe, e já se tenta por em prática.  Tudo indica que dará certo, mas nada em curto prazo.  Vai demorar.  Enquanto isso, o povo, como sempre, paga pelos desmandos e sofre profundamente por eles.    

domingo, 4 de dezembro de 2016

Calado

                                

            Tempo quente, ora calor, ora frio, ninguém entende mais nada.  Pouco importa.
            O fato é que estavam todos sentados num bar elegante, manhã ensolarada, chopes bem tirados saindo em seguida.  Cinco.  Eram cinco: três amigos e dois convidados.   A conversa não poderia ser outra: política.  Dependesse deles os problemas da nação – quem sabe do mundo – estavam resolvidos.  Mas passa uma mulher, talvez vinte e quase trinta, que assombra.  Alta, boa desenvoltura e boa mesmo, bonita, bem feita.
            — Homem de Deus, o que é isso?
            — Uma mulher bonita, não está vendo?
            — Claro que sim, não sou cego. — Tomou um gole grande.  Chope de melhor qualidade.  Viu um dos funcionários, com uma faca especial para boa cozinha, cortando finas fatias de linguiça.  Depois, cubos de provolone.

            — Quem será esta, não conheço e moro aqui há anos.
            — Também estou vendo pela primeira vez. Boa e linda demais.
            A bela mulher acabara de virar alvo de investigações de gente não lá muito recomendável. Quer dizer, fofoqueiros, o que não é boa referência para homens.  “Alfredo Maluco”, que só pelo apelido já fica apresentado, pensou alto:  — Conheço, mas não sei de onde.
            Nem poderia lembrar direito, já estava de fogo.  Um dos participantes da mesa estava visivelmente nervoso.  Aparentemente, sem nenhuma razão. Especialista em previsões de mercado futuro, na bolsa de São Paulo, era frio por natureza da profissão.  Mas estava.
            A tal mulher maravilhosa não foi à praia, estava fazendo compras pequenas num mercado da vizinhança.  Seu erro, talvez, fosse o short curto, que permitia visão completa.  O traseiro, que traseiro!  Pernas perfeitas, para a imaginação dos que viam aumentar bastante.  Ela conseguiu centralizar a conversa.  ‘Alfredo Maluco’ morava muito perto dali.  Pegou o celular — quem não usa estes aparelhos hoje? — e ligou para o filho.  Catulo, nome dado em homenagem ao poeta e compositor Catulo da Paixão Cearense, em pouco tempo estava junto ao grupo.  Sentou-se junto a todos, bebia pouco, não gostava de chope, foi de cerveja mesmo.  O pai cochichou algo no seu ouvido. Ele foi até o mercado e viu a mulher.
            — Piranha, pai.  Os novinhos da área ela já devorou todos.
            — Hã? Você também?
            — Eu não, mas o Luis já castigou. – Luis era o irmão, pouco mais velho.
            — Tem certeza?
            — Absoluta! — O marido, perto, escutou tudo.

            Ela estava voltando.  Um pequeno volume de compras na mão direita.  O marido, que estava sentado com eles, já desconfiava fazia tempo, deu um salto, pegou a faca do cozinheiro e enfiou sem dó nem piedade no bucho da gostosona.
            Acontece.  Pegou apenas oito anos de reclusão, homicídio simples.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Eleições

            

            Encerram-se definitivamente as eleições municipais de 2016.
            Foram importantes?  Sim, muito importantes.  Mas uma criteriosa análise deve ser feita, sob pena de erro grave.  O grande e maior derrotado foi o PT dominado por Lula, o homem que se julga acima do bem e do mal, e um estadista. 
            Ninguém, acredito, jamais imaginou que estivesse montada uma máquina de dominação do povo, além de promover falcatruas acima de qualquer pensamento normal.  Os governos petistas conseguiram arrasar a sexta economia do mundo, e praticamente falir uma companhia de petróleo.  Segundo os entendidos, o melhor negócio do mundo é uma petrolífera.  O segundo melhor, uma companhia de petróleo e, afinal como terceiro negócio, aparece o comércio e a exploração do mesmo material.
            Pois muito bem.  Depois de escutar o que dizem os homens de negócios do mundo, os governos Lula e Dilma, com a corrupção, comprometeram seriamente uma companhia destas, causando estragos que vão exigir muito trabalho para a recuperação.  Toda a cúpula do partido sabia das irregularidades e nada fez para evitar o desastre.  De outro lado, raríssimos eram os contratos feitos que envolvessem obras públicas que não envolvessem irregularidades, corrupção.  Encontram-se sob investigação judicial.  Nunca a Polícia Federal fez tanto trabalho, pelo que se tem notícia.
            Consequências: impeachment de Dilma e fragorosa derrota política do PT, em todo o Brasil, nas eleições municipais deste ano, 2016.  A única capital que elegeu prefeito petista foi no Acre.  O PT, 1° colocado nas eleições de 2012, passou direto para a vexaminosa posição de 11° nestas últimas votações de 2016.  Política é assunto sério.  Não comporta incompetentes e analfabetos, como no caso dos últimos presidentes petistas. 
            O povo repudiou os candidatos de extrema esquerda, uma sabedoria.  Ela é igual a sua suposta adversária, a extrema direita.  Ambas imbecis, politicamente.
            Vamos aguardar anos futuros.  Que nosso país não caia mais nas mãos de aventureiros; a memória popular costuma ser curta.    

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Não aborrece!

                     

            Lugar da moda.  Geralmente são chatos, salvo no verão, quando o chope é muito bem tirado.
            — Rapaz, deixa de implicância.  Olhe as panturrilhas dela.
            — Que tem?
            — Perfeitas, nenhuma mulher com panturrilha cheia e bem formada assim é feia.  Duvido!
            Canecas cheias, não eram de louça, mas vidro.  Os dois não aparentavam ser gente comum.  Artistas, talvez.  O que tinha feito a afirmação sobre as pernas de uma mulher que aparentava ter passado dos quarenta, usava uma bermuda para correr, estava de tênis e camisa de malha azul.  O outro, mesma coisa, só diferia a cor da camisa. Era branca e estava pouco suada.  Quem os visse, sabia de pronto que eram tipos que gostam de correr nas calçadas da praia, e depois bebem uma cerveja para hidratar, segundo eles.
            A moça, quer dizer, nem tanto assim, continuava seu caminhar.  Coxas escondidas pela roupa, mas que não impedia a visão da parte inferior das pernas.  Realmente, eram muito bem desenhadas.
            — Não trouxe o celular, vamos ficar sem fotografia.
            — Trazemos amanhã, e fotografamos de frente também.
            — Pastel ou óleo?
            — Primeiro pastel.  Se ficar bom vai no óleo também.
            Estava descoberta a profissão de um deles.  Pintor.  A gente nunca pode afirmar se era profissional ou não, no lugar quase só moram artistas.  O prato das finas rodelas de linguiça ainda estava com boa quantidade.  Os canecos foram cheios mais uma vez.  Mais esta caneca e casa, banho, e depois um aos pincéis, o outro na mesa grande do escritório.  Terminava um livro de contos.
            Bêbado costuma ser inconveniente, como aquele que entrou no bar sofisticado e se dirigiu ao pintor:
            — Salve!  Não era você que estava expondo no salão da Reitoria?  Não tem vergonha?  Você não pinta nada.
            — Não aborrece, cara.  Se manca, cai fora, deixe os que estão quietos em paz.
            — Não gosto de mentirosos.  Aquilo não é arte.
            — Vou acabar perdendo a paciência com você.  Não é arte é problema meu.  Vai comprar ou foi comprar alguma coisa e desistiu?
            — Mas nem pensar...
            — Então fora.  Está incomodando.
            A mulher das belas panturrilhas estava voltando.  Morena, muito bonita.  Os dois amigos, que já se preparavam para uma provável briga, ficaram espantados quando ela se dirigiu para onde estavam.  Bonita mesmo!
            — Clara, este é o tal pintor que vimos suas porcarias ontem.
            — Vamos embora.  Temos hora, esqueceu? 
            Era a mulher dele.  Pediu desculpas com muita delicadeza, para justificar os atos do marido, que nada percebeu, tão de fogo ele estava.


"Blue Poles", Jackson Pollock
             

domingo, 18 de setembro de 2016

Caminhando

                             
            Vai para onde, amigo?  Segue estrada?
            Longo é o caminho. A gente não sabe onde começa, imagine onde termina.  Cachaceiros conhecidos, e reunidos.  Um bar antigo, mas limpo e bem tratado. Raridade?  Não é não!  Eles existem, e como!  Reúnem velhos amigos, quando não são, acabam feitos.
             — Ela é linda.  Sozinha por quê?
            — Vai saber!  A vida é tortuosa, amigo.
            — Mas não má, concorda?
            — Na essência não.  Mas muitas vezes é má e dolorosa.
            — É poeta, amigo?
            — Não, sou não.  Por que a pergunta?
            — Seu jeito.  Pensativo, meditador.  Encontro poucos.
            — Também não sou assim.  Vejo o que se passa, mais nada.
            — Agrada?
            — Quase sempre, não.
            Interior, cidade tranquila.  A amada, ninguém sabe a causa, entrou no rio.  Aparentemente calmo, mas rios são traiçoeiros.  O mar é honesto, avisa que pode fazer uma das piores, arrisca-se quem quiser.  Interessante.  Pacífico.  Ora, de pacífico este oceano só tem o nome.  Mesmo os astronautas que pela primeira vez desceram na Lua, na hora do retorno não se cansavam de perguntar, via rádio, quais eram as condições do nosso grande oceano.
            Entrou no rio, lavou-se e jogou água nos cabelos.  Lembrava o gesto do Jordão, o batismo, só que estava sozinha.  Sozinha?  Talvez não!  Mistérios.  Dizem, e tudo indica ser verdade material, que o homem nasce sozinho, vive sozinho e morre sozinho, por mais pessoas queridas que o cerquem.  Verdade? Não sei não.
            “Ela é linda!"  "Quem é linda, amigo?  Está falando de uma mulher ou da Vida?”
            Descalço, seguiu caminho.
            Os velhos, mas comportados cachaceiros, que continuavam a conversa e apreciavam o que acontecia, jamais irão saber onde este caminho termina.  Se é que termina... E tudo isso, na verdade, não importa!      

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Tem tempo, ainda que em rima pobre

                              
 
Ah, sim!  Tem tempo!
Tempo para rir, tempo para banhar-se em lágrimas, pensar que tudo acabou, quando nem mesmo começou.  Tem tempo!
Tempo para a velha jeans, o tênis gasto e confortável, a camisa de malha, as meias de algodão.  Sim, tem tempo.  Tem tempo de dizer palavrão, amaldiçoar, ficar raivoso e depois tudo passar...
A Vida não é uma ferida!  Trate bem dela, cuide com carinho, encontre o seu ninho, aquele que aconchega, tem calor, alma e com sorte, vinho!  Não é difícil achar, nem mesmo muito procurar.  São precisos olhos para enxergar!  Vai ver coisas más, elas existem, não há como evitar.  Prazeres?  Estão por toda parte, basta encontrar.
A Vida é interessante.  E exigente!  Exige atenção da gente.  Exige tino, sabedoria sem ser sábio, aquela comum a todos os homens.  Existe sim!  Existe a miséria humana, a que não acabará jamais, mas que caminha com a glória, o ato de grandeza, o que a todos junta numa só mesa.  É delírio?    Acaso é delirar sonhos que vivemos ou estão no porvir?  Nunca!  Viver é procurar, errar e encontrar, não desistir.  Procurar tudo, o ar que se respira, o alimento que nos sustenta, o amor que nos dá sentido.  O que não pode é parar!  O riso alegre com os amigos, o brinde com quem faz parte da gente.
Tempo de ao acordar, o café cheiroso, gostoso, preparar e assim iniciar nosso dia.  Quais serão as surpresas?  Não sei adivinhar, podem, inclusive, não chegar.    O que é o correto diante tantas incertezas?  A gente nunca sabe.  Podem ser boas, podem ser más.
Assim, nesta vida incerta e não sabida, vamos tocando para a frente, não se pode parar, o trem vai passar e os desprevenidos vão ficar.  Ficar no mesmo lugar, sem nada modificar e, no infinitivo presente, ficar sem lastimar!   
 

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Errou

                        
 
            Um lugar perigoso, lá pelas bandas do cais do porto, mas afastado do Primeiro Distrito Naval, onde o policiamento, feito por fuzileiros treinados e competentes, não admite badernas.
            — Porra, seu idiota, não é o que está pensando.
            — Mas eu não disse nada!
            — Está pensando, não está dizendo!
            — Adivinha pensamentos, é?
            — Adivinho nada.  Está colocando esta pistola em posição de saque rápido por qual motivo?
            — Cara, nunca se sabe.  Muita gente já passou desta para melhor, ou pior, sei lá o raio que seja, por causa de bobeira.
            — E você está pensando que pode levar a pior por causa da trapaça que fez, claro.
            — Fizemos, cara, fizemos.
            O bar não era sujo, nem elegante.  Os tipos não eram comuns.  Ambos de tênis e jeans, camisas folgadas para esconder as armas, naturalmente.  Amigos de longa data, davam golpes juntos.  Mudavam de atividade, para não ficarem visados.  Gostavam do local.  Seguro, sem estes tipos vagabundos que perambulam pelas cidades e vão fazendo o que bem querem.  A bebida, chope gelado.  Algumas vezes vinha um destilado, para subir a pressão. Steinhaeger, de preferência.  O prato especial com amendoim e castanhas de caju ainda estava razoavelmente cheio.
            — Estão demorando.
            — Calma.  Este negócio é bem mais perigoso.  Lidar com traficante é foda.  São desconfiados e matam assim que percebem o perigo.
            — Estou com as mãos suadas.
            — Nervoso, é comum.  Eu também fico.
            — Mas nunca lidamos com estes tipos, Fernando.
            — Eu quero que eles se fodam.  Vendem pó e craque.  Defuntos baratos.
            — Baratos?  Os caras tem dinheiro, muito dinheiro.  Estão acostumados com altos negócios.
            — Um deles é o machão daquela que gosta de se exibir.
            — Todas gostam, ela apenas é mais atrevida.
            — Apenas?
           
            Perceberam que os compradores haviam chegado.  Dois tipos nada interessantes.  A grossa camisa de lã de um deles sugeria ou duas armas pesadas, ou doença mesmo.  Eram armas, conforme depois foi verificado.
            Não conversaram muito tempo.  Uma pequena mala foi passada aos visitantes, que se negaram a tomar o chope que estava sendo servido.  Um envelope grosso, contendo elevada quantia em dólares, foi trocado pela maleta.
            Não, não saíram tiros, socos ou facadas.  Os mastodontes do Corpo de Fuzileiros Navais agiram como relógios de alta precisão.  Os visitantes estavam errados.  Fizeram negócio com a inteligência de um órgão militar, que não interessa dizer qual.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Apenas pensamentos

                               
 
            Estava sentado com um livro aberto.  Bonito lugar, um parque florido.
            Não lia; estava pensando nas palavras que ouvira.  Pensava e nada concluía.  Nem sempre somos donos do nosso destino.  O amoroso, nem é bom pensar.  Ao mesmo tempo em que olhava o beija-flor, com o seu voo diferente, ela estava presente, pelo menos no pensamento.  O pássaro era visto, mas a alma estava longe.
            Recebera o comunicado.  Grávida.  Ao mesmo tempo em que se alegrou, sabendo a amada estar vivendo um dos momentos mais felizes da Vida, seu íntimo derramou lágrimas.  O filho não era dele, ela não havia se casado com ele, estava longe, distante, inatingível.
            O beija-flor voou para longe, um vento fraco virou a folha do livro que estava no seu joelho e o homem cuja face contraída, os cabelos já embranquecendo e portador de expressão enigmática, continuava no seu devaneio.  Não, aquilo tudo não deveria ter acontecido.
            Algumas crianças que brincavam perto viam a figura com a barba por fazer.
            — Moço, o livro vai cair.
            Já havia caído.  O pirralho pegou rapidamente e entregou ao dono, a esta altura cercado por infantes que podem sim, admirar uma menina da idade deles.  Enganam-se quem pensa que a criança não tem sentimentos.  Alguns se apaixonam como se adultos fossem.  Mas não pensam em filhos, não chegam a tanto.
            — Como se chama, rapaz?
            — Yuri.
            — Como?
            — Yuri. É Jorge em português.  O nome é russo.
            — Eu sei, Yuri, eu sei.  Seus pais são russos?
            — Não.  Minha mãe gosta desse nome. Aí botaram o nome em mim.
            Yuri.  Haviam combinado que se tivessem um filho, o nome seria Yuri, dariam sozinhos a volta ao mundo num veleiro, morariam no espaçoso apartamento dele, arquiteto e engenheiro naval, que havia montado uma fábrica de veleiros de fibra de vidro, depois substituída por carbono, nos fundos de uma velha casa.  Sonhos... Amor e sonhos.  O que seria do mundo não fossem eles?
            Fato que não impediu uma gota de lágrima na grama macia.
   
Bronze: Ana MM Sader 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O cinzento brasileiro

                          

            A cor cinza, embora não pareça, é difícil de usar e lidar.
            Não me refiro a simples mistura do preto com o branco, mas tento avaliar com alguma segurança o que estamos passando.  Nós e o resto do mundo.  O cinzento, o indefinido, parece ter tomado conta de tudo e de todos.
            Políticos corruptos e venais.  Grande parte deles, gente mesmo.  Grandes empresários vivendo como se bandidos fossem.  Luta covarde e desleal pelo poder, fato idiota.  Acaba de provar isso o Primeiro-Ministro inglês Cameron. Declaradamente a favor da permanência da UK na Comunidade Europeia, uma vez vencido renunciou ao cargo no ato.  Não está preso ao poder ou ao mando.  No Brasil, o fato não acontece, salvo os que já renunciaram a cargos públicos para não perderem o mandato, quando isso ainda era possível.
            Ficou implantado aqui, pelo menos momentaneamente, o “nós e eles”, política típica de regime atrasado, falido e sem valor algum.  Um povo não pode viver separado, com raiva um dos outros, sob pena de perder sua identidade. O que pode e deve existir, claro, são ideias republicanas que divirjam entre o conservador e o liberal.  Isso sempre existiu, e deve manter-se vivo para o bem das instituições.
            Política não se improvisa, nem muda de regras durante um regime determinado.  Repete-se: enquanto Cameron renunciou ao cargo de Primeiro-Ministro da Inglaterra, posto que poucos mortais ocuparam, aqui, deputado ou senador, ou mesmo presidente da República, o que é o mais grave, teimam em manter seus cargos sem nenhuma razão.  Usam todo e qualquer tipo de fraude, ou apelam para o Judiciário Superior, para continuarem iludindo o povo. Dizem que foi golpe situação indefensável politicamente.  Não têm, como afirmou nosso historiador Capistrano de Abreu, “vergonha na cara”.
            O povo paga e sofre uma inflação sem controle, ainda que não alarmante.  Mas o desemprego castiga.  Convém notar que ele não atinge uma só pessoa.  Temos treze milhões de desempregados, atualmente.  Ora, grande maioria tem dependentes, ou seja, o problema atinge a muitos.
            Tudo culpa do governo presidencialista, política retrógrada, que nos levará definitivamente ao caos total.  Presidente da República é ditador com mandato certo.  Esta figura acabou no mundo todo.  Existe nos Estados Unidos, é verdade, mas naquele país as eleições são diferentes, passam por etapas, e o Congresso sempre dita a norma final.
            Ou seja: quanto mais protelarmos este sistema ultrapassado de governo, estaremos marcando passo no desenvolvimento político e social.

            Parlamentarismo.  Chega de ditadores!     

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Guimarães Rosa

         

            Difícil uma apreciação simplista.  A obra do autor não comporta definições ou rótulos.
            É densa, abrange a vida, seus caminhos, suas dificuldades, suas virtudes.  Rosa não pode ser comparado com autores estrangeiros, de renome internacional através dos tempos.
            Através de seguidas narrativas, tanto em “Grande Sertão: Veredas”, como em “Sagarana”, ele não se ateve ao corriqueiro, o fato do homem comum.  Foi mais.  Exatamente deu cores a este fato comum, corriqueiros na nossa vida diária, construiu um mundo de verdades e fatos que acontecem, no cotidiano tanto do homem das grandes cidades, como o homem do campo, o homem que habita este país continente.
            Ora, muitos dirão, o cerrado mineiro não é o Brasil.  Exato, não é, mas o homem é o mesmo que habita o sertão nordestino ou o pampa gaúcho.  Espremendo o caldo, os brasileiros somos iguais.  Absolutamente iguais.  Alegres e receptivos, em todo o país.  Talvez seja a característica mais forte do brasileiro.  Claro que diferenças existem.  Não se pode desejar que o homem seja igual em pensamento e cultura, em regiões diversas.  Não é assim no mundo inteiro.
            Mas nosso autor soube diferenciar bem.  Colocou a alma brasileira em todos os seus textos, num magistral passe.  Jorge Amado já havia tentado, e passou muito bem no teste.
            O autor nada mais é do que a voz do seu povo.  Mesmo em fatos passados, deve procurar a verdade de todos nós, todos nós brasileiros, não interessa o lugar onde nascemos e vivevemos. 
            Tarefa nada fácil.  É preciso conhecimento, é preciso saber diferenciar, sempre com a preocupação de atingir o todo.  Tarefa quase impossível.  Penso que Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Jorge Amado, João Ubaldo e naturalmente o autor centro desta crônica, traduzem bem o espírito brasileiro.

            Quem souber de outros, que acrescente.  Vai ajudar muito.

sábado, 11 de junho de 2016

Uma história de amor

                                     

                   Nestes dias conturbados, onde o tumulto domina as ruas, as praças, os prédios públicos e especialmente o Congresso, vale muito um refrigério, uma história de amor.
            Os melhores conhecedores do casal Jorge Amado e Zélia Gattai, além dos depoimentos pessoais de ambos, em entrevistas diversas, lembram momentos de amor, compreensão e companheirismo ao longo de cinquenta e seis anos de casados.
            Jorge e Zélia gostavam de terminar o dia, vendo a tarde morrer, juntos sentados ao pé de uma mangueira grande que até hoje existe na casa onde viveram, no Rio Vermelho.  Ali conversavam sobre o dia que se acabava, suas impressões sobre o mesmo, o que tinham sentido e escrito.  Uma confissão mútua, enfim.
            Sendo ambos escritores famosos, destas conversas devem ter nascidos romances também famosos.  Quais, nunca saberemos, ninguém nunca falou sobre isto. Mistério, o que sempre fascina o homem comum e mesmo outro escritor. O fato é que estas conversas de fim de tarde, íntimas e naturalmente muito proveitosas, prolongaram-se ao longo do tempo.  Parece que “Tocaia Grande” teria nascido assim, mas certeza não existe.  Jorge sempre se disse um grande “contador de causus”, o que ele foi realmente, além de notável escritor; não gostava de revelar sua intimidade como um grande contador de histórias.
            Fascinante!  Que mais chama a atenção do homem do mistério, que afinal se torna verdadeiro?  Difícil dizer.  O fato é que não há ficção nesta história.  Tudo isto aconteceu realmente, ou seja, um casal de humanos tinha hábito de terminar o dia vendo sentados, sob uma mangueira até hoje existente na casa famosa.  Aconteceu, é o fato mais importante.  O que conversavam fica por conta da intimidade dos dois, parece que não devemos nos intrometer nisso, uma velha e costumeira mania de todos nós.
            O tempo flui, e corre depressa.  Até hoje lembro as entrevistas, vistas ao vivo na televisão, tanto de Jorge, como de Zélia. Ficaram guardadas na memória. Eram apaixonantes!  Mas Jorge foi-se.  Cremado, suas cinzas foram depositadas ao pé da velha mangueira, onde conversava com a mulher.  Um ato que viria a ser milagroso, no sentido mais extenso da palavra.
            Ninguém é eterno, uma afirmação banal.  Passados alguns anos, a querida Zélia, nossa querida, uma grande mãe, falecia também.  Por decisão da família, especialmente da filha Paloma, foi cremada e suas cinzas jogadas ao pé da mesma mangueira onde conversava com o seu Jorge, e que ali também está até hoje.

            Sem mais palavras, incapazes de traduzir um sentimento.  Mas é a verdade.  Verdade de um amor eterno.

sábado, 21 de maio de 2016

Fico a pensar

                                  

                  Até o começo do segundo mandato de Lula, o Brasil caminhava bem.  Efeitos do governo Fernando Henrique, amaldiçoado pelos petistas.
            Os cofres públicos estavam em ordem.  Não havia desemprego, em fábricas fechando por falta de condições econômicas.  Lula detinha uma popularidade invejável.  Poderia ter transformado o Brasil completamente.  Mas é cego.  Cego e burro, o que não se confunde com esperto, o que ele é, inequivocamente.
            Preferiu os fins de semana na Granja do Torto, onde reunia seus amigos para comemorar as vitórias alcançadas.  Procedimento perigoso, a batalha estava ganha, mas a guerra estava apenas começando para valer.  É claro que um presidente merece seu futebol — imagino como deve jogar mal , sua caipirinha, seu churrasco compartilhado com os mais chegados.  Seja: a luta deveria continuar.  Mas parou.  Era aproveitar as conquistas e ponto final.
            Veio a sucessão. Indicou Dilma.  Com a aprovação do eleitorado populista, foi eleita com facilidade.  Um traste!  De nada servia, e por muito pouco garantiu o segundo mandato.  Foi o fim de uma era populista e mal conduzida.  Começou na segunda metade do governo Lula, no segundo mandato, e foi arrasada na administração Dilma, que além de burra e incompetente, só escuta a sua nojenta voz.  Não é esperta como o seu chefe, é incapaz de todo.  Cometeu todo o tipo de falcatruas, arrasou as finanças do país, deixando mais de onze milhões de desempregados, muitíssimas fábricas fechadas por falta de compradores, o país rebaixado por organismos internacionais de avaliação econômica, sem saúde, educação, sem nada. Inflação de volta, sempre ameaçadora do caos.
            Sofreu o beneplácito do processo de impeachment.  Foi afastada e com o estrago que fez, agora apurado, não volta mais.  Ainda mora no Planalto, tem aviões da FAB a sua disposição e tem o cinismo de dizer que sofreu golpe.  A dívida deixada pelo seu governo é estimada em cento e oitenta bilhões de reais.  Naturalmente, terminado tudo, vai ser processada, mas a pena deve ser branda.  Lula talvez pague mais.  Que seja, ele merece.  Na China seriam fuzilados, munição paga pela família, pois o exército daquele país não desperdiça dinheiro com cartuchos.
            A que ponto chegamos!

    

segunda-feira, 9 de maio de 2016

A mulher de branco


                       
                   Não, ela não era a noiva. 
            Assistia ao casamento, e numa espécie de desafio às normas impostas pela sociedade, estava vestida de branco.  Linda, com decote generoso que deixava quem a olhasse encantado com sua beleza.  Pequenos adereços azuis, num disfarce que não convencia, ela se mostrava desejosa de estar diante do celebrante.  Qual a mulher que não quer ter o seu príncipe encantado?
            — Você está linda, mocinha.
            — Obrigada.  E você, como sempre, gentil.
            — Não estou sendo gentil, Gina.  Você está esplendorosamente bonita, apesar da maquilagem ter acrescentado alguns anos a mais.
            — Estou parecendo uma velha, Eduardo?
            — Velha não.  Mais madura, mais mulher.  E este seu tom de pele ajuda e compõe sua beleza, ressaltada pelo vestido branco.
            Gina com uma discrição absoluta deu-me um beijo no rosto.  Foi quando tive a mais absoluta certeza de que ela era uma entidade.  Quando eu digo entidade, não me refiro aos espíritos cultuados nas religiões estruturadas.
            Entidade é entidade; tipo difícil de ser descrito.  Entidade é quem mitiga o sofrimento dos próximos.  Ajuda aos que nada têm, com amor.  Estica sua mão sem pensar em nada que não seja ajudar a quem precisa, sem cogitar de recompensas terrestres ou celestes.  Difícil, é mesmo muito difícil falar neste assunto.  Mas é muito fácil sentir que Gina é uma entidade.
            — Cometi um absurdo, Gina.  Aliás, nem tão absurdo assim...
            — Posso saber qual foi?
            — Você pode tudo.  Sabe, por um feliz ou infeliz acaso, descobri uma moça que é quase você.  Quase porque não tem a sua alma, o seu jeito de ser, a sua vida.
            — Fiquei intrigada, Eduardo.  Está falando de quê?
            — Do acaso.  O acaso prega peças indecifráveis.  A moça é uma prostituta.  Mas não tem aspecto vulgar.  Aspecto, entende?
            — Creio que você manteve relação com uma prostituta parecida comigo.  Estou certa?
            — Não poderia ser mais exata, Gina.  Foi exatamente isto – disse segurando firme a sua mão.
            — E por que está me contando isso, Eduardo?  Quer que eu fique enciumada?
            — Acaso você tem ciúmes de mim?
            — Tenho e você sabe disso.
            — Não sabia não.  Seus sentimentos não são escondidos, mas este você tranca!
            — Jamais escondi nada, Eduardo.  Está sendo injusto comigo.
            — Vou contar tudo, mas, por favor, não me julgue.
            — Eduardo, você sabe muito bem que meus julgamentos só a mim dizem respeito.
            — É exatamente por isso que não tenho receio de contar.
            — Fala, homem!
            — Gina, por um acaso eu estava fazendo uma pesquisa.  Coisas vulgares, que todos conhecemos.
            — E...
            — E que descobri que existe uma casa, aliás, casa droga nenhuma, aquilo é uma organização muito bem feita, que entrega belas moças onde você quiser, basta indicar o lugar.
            — Esta é a minha sósia, parece.
            —Tirando o que sinto por você, praticamente não há diferença.
            — Foi o que bastou para marcar hora, local e outras coisas?
            — Foi, Gina.
            - Sentiu-se realizado com ela, Eduardo?
            — Nem um pouco.  Não era você!
            — Eduardo, eu quero casar, como a minha amiga!  Se não casar, sonho de toda moça, ao menos ter companhia ao meu lado.  Sempre...
            — Reconheço sua vontade, Gina. Você sempre soube disso.
            — Então continue o que estava me contando.
            — Sabe, era tão bonita quanto você.   E de corpo, querida, era melhor.
            — Querendo me fazer ciúmes?  Já fez.  Acabou de fazer.
            — Minha intenção não é esta, Gina.  Confio em você para contar uma experiência.  Foi muito marcante.
            — Mas além de falar que era uma prostituta, bonita e com o corpo mais bonito do que o meu, não contou nada!
            — Ela percebeu que estava sendo usada não como mulher paga, mas como substituta de outra.
            — Substituta como, se você nunca teve nada comigo?
            — É exatamente isto.  Eu devo ter transmitido um sentimento forte.  Estas mulheres são vividas, percebem tudo.
            — Sentiu o prazer que esperava?
            — Na hora, senti.  Passados uns minutos, olhei a moça. Bonita, mas não era você.
            — O que esperava, Eduardo?
            — Esperava que você se manifestasse.
            — Eu?  Está delirando...
            — Gina, você tem um aspecto estranho.  Acho que é capaz de se transpor.
            A cerimônia de casamento já havia terminado e nós dois permanecíamos diante da porta da igreja.  Não tinha muitas palavras.  Por um impulso que não deveria ter acontecido, contara tudo para a mulher com um incrível olhar de mistério, e que tinha o dom de ser honesta e ordinária, sincera e falsa, muito compreensiva e intolerante.  Reunia, como todos nós, os opostos dentro da sua alma, e os usava sempre que necessário.
            — Eu me transpor?  Desde quando tem esta idéia?
            — Desde que você escreveu que fatos não ocorrem por acaso.
            — Ficou apegado a estas palavras?
            — Um pouco.  Não negue que você é meio bruxa.
            — Talvez seja o meu sangue.  Desconfio que tenham ciganos nas minhas origens.          
            — Algo de estranho tem.  Ainda mais quando você está com este vestido branco.
            — Ele incomoda você?
            — Pode ter incomodado a muita gente que estava no casamento.  A mim só impressiona.
            — Eduardo, toda esta conversa é para termos certeza de que não seremos um do outro, e caso isto aconteça será uma coisa passageira?
            — Acho que sim.  A coisa vai por aí.
            — Posso morrer de vontade que isso aconteça, mas não vai ocorrer nunca.  Seria muito sofrimento para mim e para você.
            — Eu nem sei bem se suportaria uma relação, Gina.
            — Você ainda tem vontade de encontrar a moça?
            — Que moça?
            — A tal prostituta moça e bonita!  Bota a cabeça do lugar, homem!
            — Sim, é muito fácil encontrar a guria outra vez.
            — Faça o seguinte: procure-a. Seja carinhoso com ela. Delicado.  Trate-a como se fosse uma pessoa amada.
            — Que história é esta?
            — Você ouviu, Eduardo.  Faça isto.
            Deu-me um beijo suave e com amor; era impossível não sentir isto.  Afastou-se, entrou no carro e partiu.
            Como eu nunca havia duvidado de Gina, no dia seguinte procurei a bela Nina.  Este era o seu nome.
            Tudo aconteceu normalmente, mas a certa altura a presença de Gina ficou estranha e muito forte.  O rosto e o corpo eram dela.  Entidade?
            Até hoje fico me perguntando se devo acreditar nisto...