Não, ela não era a noiva.
Assistia ao casamento, e numa
espécie de desafio às normas impostas pela sociedade, estava vestida de
branco. Linda, com decote generoso que
deixava quem a olhasse encantado com sua beleza. Pequenos adereços azuis, num disfarce que não
convencia, ela se mostrava desejosa de estar diante do celebrante. Qual a mulher que não quer ter o seu príncipe
encantado?
— Você está linda, mocinha.
— Obrigada. E você, como sempre, gentil.
— Não estou sendo gentil, Gina. Você está esplendorosamente bonita, apesar da
maquilagem ter acrescentado alguns anos a mais.
— Estou parecendo uma velha,
Eduardo?
— Velha não. Mais madura, mais mulher. E este seu tom de pele ajuda e compõe sua
beleza, ressaltada pelo vestido branco.
Gina com uma discrição absoluta
deu-me um beijo no rosto. Foi quando
tive a mais absoluta certeza de que ela era uma entidade. Quando eu digo entidade, não me refiro aos
espíritos cultuados nas religiões estruturadas.
Entidade é entidade; tipo difícil de
ser descrito. Entidade é quem mitiga o
sofrimento dos próximos. Ajuda aos que
nada têm, com amor. Estica sua mão sem
pensar em nada que não seja ajudar a quem precisa, sem cogitar de recompensas
terrestres ou celestes. Difícil, é mesmo
muito difícil falar neste assunto. Mas é
muito fácil sentir que Gina é uma entidade.
— Cometi um absurdo, Gina. Aliás, nem tão absurdo assim...
— Posso saber qual foi?
— Você pode tudo. Sabe, por um feliz ou infeliz acaso, descobri
uma moça que é quase você. Quase porque
não tem a sua alma, o seu jeito de ser, a sua vida.
— Fiquei intrigada, Eduardo. Está falando de quê?
— Do acaso. O acaso prega peças indecifráveis. A moça é uma prostituta. Mas não tem aspecto vulgar. Aspecto, entende?
— Creio que você manteve relação com
uma prostituta parecida comigo. Estou
certa?
— Não poderia ser mais exata,
Gina. Foi exatamente isto – disse
segurando firme a sua mão.
— E por que está me contando isso,
Eduardo? Quer que eu fique enciumada?
— Acaso você tem ciúmes de mim?
— Tenho e você sabe disso.
— Não sabia não. Seus sentimentos não são escondidos, mas este
você tranca!
— Jamais escondi nada, Eduardo. Está sendo injusto comigo.
— Vou contar tudo, mas, por favor,
não me julgue.
— Eduardo, você sabe muito bem que
meus julgamentos só a mim dizem respeito.
— É exatamente por isso que não
tenho receio de contar.
— Fala, homem!
— Gina, por um acaso eu estava
fazendo uma pesquisa. Coisas vulgares,
que todos conhecemos.
— E...
— E que descobri que existe uma
casa, aliás, casa droga nenhuma, aquilo é uma organização muito bem feita, que
entrega belas moças onde você quiser, basta indicar o lugar.
— Esta é a minha sósia, parece.
—Tirando o que sinto por você,
praticamente não há diferença.
— Foi o que bastou para marcar hora,
local e outras coisas?
— Foi, Gina.
- Sentiu-se realizado com ela,
Eduardo?
— Nem um pouco. Não era você!
— Eduardo, eu quero casar, como a
minha amiga! Se não casar, sonho de toda
moça, ao menos ter companhia ao meu lado.
Sempre...
— Reconheço sua vontade, Gina. Você
sempre soube disso.
— Então continue o que estava me
contando.
— Sabe, era tão bonita quanto
você. E de corpo, querida, era melhor.
— Querendo me fazer ciúmes? Já fez.
Acabou de fazer.
— Minha intenção não é esta,
Gina. Confio em você para contar uma
experiência. Foi muito marcante.
— Mas além de falar que era uma
prostituta, bonita e com o corpo mais bonito do que o meu, não contou nada!
— Ela percebeu que estava sendo
usada não como mulher paga, mas como substituta de outra.
— Substituta como, se você nunca
teve nada comigo?
— É exatamente isto. Eu devo ter transmitido um sentimento
forte. Estas mulheres são vividas,
percebem tudo.
— Sentiu o prazer que esperava?
— Na hora, senti. Passados uns minutos, olhei a moça. Bonita,
mas não era você.
— O que esperava, Eduardo?
— Esperava que você se manifestasse.
— Eu? Está delirando...
— Gina, você tem um aspecto
estranho. Acho que é capaz de se transpor.
A cerimônia de casamento já havia
terminado e nós dois permanecíamos diante da porta da igreja. Não tinha muitas palavras. Por um impulso que não deveria ter
acontecido, contara tudo para a mulher com um incrível olhar de mistério, e que
tinha o dom de ser honesta e ordinária, sincera e falsa, muito compreensiva e
intolerante. Reunia, como todos nós, os
opostos dentro da sua alma, e os usava sempre que necessário.
— Eu me transpor? Desde quando tem esta idéia?
— Desde que você escreveu que fatos
não ocorrem por acaso.
— Ficou apegado a estas palavras?
— Um pouco. Não negue que você é meio bruxa.
— Talvez seja o meu sangue. Desconfio que tenham ciganos nas minhas
origens.
— Algo de estranho tem. Ainda mais quando você está com este vestido
branco.
— Ele incomoda você?
— Pode ter incomodado a muita gente
que estava no casamento. A mim só
impressiona.
— Eduardo, toda esta conversa é para
termos certeza de que não seremos um do outro, e caso isto aconteça será uma
coisa passageira?
— Acho que sim. A coisa vai por aí.
— Posso morrer de vontade que isso
aconteça, mas não vai ocorrer nunca.
Seria muito sofrimento para mim e para você.
— Eu nem sei bem se suportaria uma
relação, Gina.
— Você ainda tem vontade de
encontrar a moça?
— Que moça?
— A tal prostituta moça e
bonita! Bota a cabeça do lugar, homem!
— Sim, é muito fácil encontrar a
guria outra vez.
— Faça o seguinte: procure-a. Seja
carinhoso com ela. Delicado. Trate-a
como se fosse uma pessoa amada.
— Que história é esta?
— Você ouviu, Eduardo. Faça isto.
Deu-me um beijo suave e com amor;
era impossível não sentir isto.
Afastou-se, entrou no carro e partiu.
Como eu nunca havia duvidado de
Gina, no dia seguinte procurei a bela Nina.
Este era o seu nome.
Tudo aconteceu normalmente, mas a
certa altura a presença de Gina ficou estranha e muito forte. O rosto e o corpo eram dela. Entidade?
Até hoje fico me perguntando se devo
acreditar nisto...