terça-feira, 27 de março de 2012

Primeiro domingo de outono


















Primeiro domingo de outono

No primeiro domingo do mês de outono, estação que eu nasci, aproveito a paz e a tranquilidade que reina na rua onde moro, leio um pouco de Jorge Amado, “O País do Carnaval”.
Ainda iniciante, Jorge não prende como em “Os Velhos Marinheiros”, por exemplo. Já li este livro pelo menos seis vezes. Conheço quase de cor. Sigo a recomendação de Nelson Rodrigues. Nada de ler muitos autores, ser enciclopédico. Escolha os melhores e leia, releia, continue lendo e um mundo novo é aberto a cada leitura.
Basta escolher bons autores. Estrangeiros, Shakespeare e Hemingway. Caso goste de poesia, Camões. O resto é apenas repetição destes que foram citados. Leia o quanto puder. Nacionais, complica. “Os Sertões”, onde Euclides da Cunha mostra o massacre de Canudos, “Grande Sertão: Veredas” e “Sagarana”, do mestre Guimarães Rosa, obrigatórios. “Os Velhos Marinheiros”, um apanhado geral do povo brasileiro. Poesia, Castro Alves, e Vinícius. O mais que puder ler. Não me entendo; seria motivo para palestra, com ingresso caro. É verdade, o assunto vai longe, a crônica vira novela.
Apenas quero repetir a lição de Nelson, nosso teatrólogo maior. Não faça uma biblioteca de Homero a Mia Couto, por exemplo. Escolha bons autores e fique lendo até conhecer alguns livros quase de memória. A luta de Santiago contra o peixe, em “O Velho e o Mar”, ou os exames prestados por Vasco Moscoso de Aragão para conseguir sua carta safada de Capitão de Longo Curso. Amado dá uma aula do que é escrever bem, nos “Velhos Marinheiros”.
Sabe estas leituras quase de cor? Prosa e poesia? Comece a escrever. Asneira não vai sair.
E agora vamos para uma derivada de função. Começou, o limite tende a mais infinito. Cozinha. Feijão fradinho com atum desfiado, prato frio, salada de pepinos pequenos com alcaparras, tomate, azeitonas e palmito, tudo regado no azeite extravirgem. Um arroz integral finaliza. Tudo acompanhado de um tinto seco, da marca que você gosta.
Saúde! Bom apetite.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Casa velha
















Existe na Vila Real da Praia Grande, uma casa de pouco mais de meio século de construída.
Ampla, de dois pavimentos e uma tormentosa escada para os que estão carregando material de limpeza, ou roupa passada, lá o que seja. Escada irrita até gente moça, que costuma reclamar quando faz algum transporte.
Todos que a olham por fora julgam, com razão, que está abandonada. É verdade que o quintal está sempre limpo, e jardins cuidados – parece uma selva tratada – e seu aspecto é realmente de abandono. Um abandono cuidado, se é que vale a expressão. Desde que foi pintada, para acolher o então jovem casal, nunca mais viu mão de tinta. Com o passar dos anos, tornou-se um ocre, um ocre velho, como velha é a casa. Um limo verde, discreto, e que colabora bastante para dar a aparência um tanto fantasmagórica à antiga casa branca.
Uma grande árvore domina o quintal e, como já foi dito canteiros e mais canteiros exibem as mais diversas plantas. Roseiras, inclusive. Estas, sempre que algum morador faz anos, presenteia com uma bela flor o aniversariante. Parece que tudo ali é mistério, e alguns acham mesmo que a casa é mal-assombrada. Histórias não faltam.
Como passo sempre pelo local, um dia vi um homem de meia idade, que tinha os firmes e fixos numa roseira. Sou um cara enxerido. Dei bom dia ao homem, que me olhou de maneira indiferente. Perguntei se ele morava ali. Disse que não, apenas tomava conta da casa, e voltou os olhos à roseira. Continuei com a minha fala, revelando que conhecia a casa há muito tempo, mas que pensava abandonada. Para abrandar os ânimos do homem preocupado com a roseira, disse que era escritor. Funcionou como eu não esperava. Ele abriu um sorriso amistoso e perguntou o que eu desejava.
O portão de ferro foi aberto. O homem apresentou-se e disse que era o dono da casa, uma revelação que eu já esperava. Com uma bermuda jeans, camisa xadrez e um tênis surrado, mas sem aparentar defeito ou sujeira, disse que já me conhecia de vista, e mostrou-me a roseira alvo de sua atenção. Não estava em boas condições, mesmo para mim que não entendo do assunto. Explicou-me que não tinha sido podada antes de começar o tempo frio, mas não estava comprometida.
Convidou-me a entrar e beber uma taça de vinho. Onze e meia da manhã, entendi que não era para dizer não. Sempre tive curiosidade de conhecer a velha mansão.
Meu susto foi grande. A casa era completamente restaurada por dentro. Jardim de inverno enorme, com vista para um belo quintal onde distingui outra árvore, este muito menor do que a dominante mangueira. “Laranja”, disse-me. “Já era época de estar florida, se não fosse o frio.”
Mostrou-me algumas dependências da casa, mas não levou ao andar de cima.
A sala tinha um ar personalíssimo, móveis estilo campestre sem serem rústicos, paredes cobertas de quadros, dele e da sua mulher, que não apareceu.
Terminada a taça de vinho, ofereceu-me outra, que discretamente recusei. Mostrou-me o seu escritório, onde um computador reluzia com a sua tela de cristal líquido.
Senti uma sensação de bem-estar. Interessante que não havia dito o seu nome todo, quando me apresentei no portão. Perguntei. “Joaquim Manuel de Macedo, ao seu dispor.”
Ou era doido, ou realmente agi certo: com uma desculpa, coloquei-me em fuga rapidamente.

sábado, 17 de março de 2012

Os bruxos













Os bruxos

O mundo sempre foi ávido pela sabedoria dos bruxos.
Eu acompanho e destaco dois deles: Heidegger e Jung.
Fico intrigado com o ponto que humanamente chegaram estes dois mitos do século vinte. Heidegger é conhecido como o filósofo que soube entender as causas primeiras, e reconhecer que o homem tem sua vida marcada pelo término, fato não aceito por nós, mas uma realidade insofismável.
Contra ele consta a sua inscrição no partido nazista. Foi no começo do movimento, as atitudes de Hitler ainda não mostravam agressividade, mas a recuperação de uma Alemanha combalida.
Ao contrário, Jung sabia com segurança que o espírito de Wotan, o deus guerreiro dos povos do norte europeu, iria influenciar o povo e causar a guerra. A situação era inevitável. E transformou-se numa realidade dura de engolir.
O homem, por mais que não queira aceitar, tem seu fim. Tanto o alemão, como o suíço, sabiam bem desta realidade, comum a todos nós, mas que evitamos falar. O futebol, o chope, a caipirinha, o belo traseiro das mulheres, encarregam-se de afastar a ideia. Mas não adianta, mais cedo, mais tarde, vamos nos encontrar com a grande realidade.
Os bruxos que cito sabiam disto perfeitamente. Heidegger foi um grande teórico, mas Jung compreendia o fato na pele. Seus escritos provam o afirmado. Mais de quarenta livros, escritos pelo bruxo de Zurique e Bollingen, na sua famosa casa de pedra, construída por ele mesmo.
A obra de Heidegger está compilada em setenta volumes. O outro bruxo compreendia perfeitamente o limite humano.
Somos nada e somos tudo, ao mesmo tempo. É a conclusão que temos nos estudos dos dois, e na nossa compreensão interna mais profunda.
É quando o cronista encerra, para pensar e concluir que os bruxos estão certos, cientes da sua finitude.
Interessante é que Heidegger, o filósofo alemão, acabou apaixonando-se por uma aluna judia.
Nossa compreensão não está sujeita às leis matemáticas.


imagem: A casa de pedra/google

quinta-feira, 8 de março de 2012

O segundo livro













O segundo livro

Não me passava pela cabeça que um dia escrevesse um livro.
Sempre escrevi, desde o curso secundário. Tinha extrema facilidade em redigir, e a parte mais importante das provas era exatamente esta. Garantia o meu 5 na redação e o resto saia procurando em questões que conhecia, nas provas de português. Catava questões que sabia, de análise sintática ou literatura.
Quando fiz vestibular para o curso de Direito, a primeira prova, eliminatória, era sobre nossa língua natal. Quem não conseguisse 5 pontos, estava eliminado. Usei o mesmo expediente. Redação com todo o meu empenho e em seguida buscar o que sabia responder melhor. Um sucesso! A nota final foi oito (8). Aprovado com facilidade.
As provas seguintes foram de latim e francês. Menos de quatro pontos, estava eliminado. Mas passei folgado.
Que tem a ver esta história com o título da crônica?
Tem tudo. Advogados que escrevem mal, não sendo bem diretos nas suas proposições, não têm futuro. Longo tempo passei no Tribunal do Júri, pelo qual até hoje sou apaixonado. Mas mesmo o orador de defesa deve dominar também a escrita.
O tempo passa, não existem casos criminais onde a defesa pode sair vitoriosa, são todos bandidos os que vão a julgamento. Passei a ser Procurador de Niterói exclusivamente.
Veio o primeiro romance. “A Regra do Jogo”, sem implicações mais sérias, mas não desprezando a trama. Dizem, e parece que é verdadeiro, que depois do primeiro romance virão outros textos. Foi o que aconteceu. Escrevi um segundo, que está em análise numa grande editora. É bom, mas não alimento ilusões. Provavelmente, com índice alto, será não, como é a praxe das editoras. São empresas, visam lucro, e não investem no incerto.
Tenho facilidade com outros gêneros de literatura. Assim é que mandei para o Projeto Lume, da Editora Protexto, meu original de “Contos e crônicas no Portal Literal”, site onde gosto de postar e que exige vinte votos dos escritores para ser publicado.
Recebi com alegria a notícia de que tinha sido aceito. Fui publicado no dia cinco deste mês de março. Talvez, eu não sei julgar direito, o ‘escritor’ tenha colocado o rosto de fora. Talvez, não sei julgar, se sou mais um escritor anônimo e sem futuro na literatura brasileira.
Cabe-me uma esperança. Se o original que foi enviado à grande editora for aprovado, certamente serei mais um, dentre muitos e muitos, escritor brasileiro.
Quem se interessar pelo segundo livro, passo o link. É http://www.protexto.com.br/livro.php?livro=411 . Não fez link. Melhor teclar em cima do livro, na coluna direita.

quinta-feira, 1 de março de 2012

O bonde e a literatura (reeditado)


















O bonde e a literatura


O bonde nas cidades brasileiras é antigo, era movido por tração animal e foi uma revolução no transporte nas cidades. Vem do tempo do Segundo Império, até que em 1892 foi colocado nos trilhos o primeiro movido a energia elétrica, no Rio de Janeiro.
Causou estranho e curioso reboliço na cidade, chegando mesmo à pena de Machado de Assis. “O que me impressionou, antes da eletricidade, foi o gesto do cocheiro. Os olhos do homem passavam por cima da gente que ia no meu bond. Sentia-se nele a convicção de que inventara não só o bond elétrico, mas a própria eletricidade.” – Crônica para “A Semana”, de 16 de outubro de 1892.
Não foi a única manifestação feita por escritor. Oswald de Andrade também escreveu sobre o veículo. “Eu tinha notícia pelo pretinho Lázaro, filho da cozinheira da minha tia, vinda do Rio, que era muito perigoso este negócio de eletricidade. Quem pusesse os pés nos trilhos ficava grudado e seria esmagado facilmente pelo bonde.” – “O Bonde e a Cidade”.
Insistir nas citações vai cansar. O fato é que havia uma firma tradicional que colocava anúncios dentro dos bondes, e os seus usuários podiam ver os mais diversos produtos festejados em prosa e verso.
Mas segundo muitos, certa ocasião Olavo Bilac estava sem dinheiro. Resolveu fazer uma publicidade para ser posta no bonde, e foi talvez a mais famosa.

“Veja ilustre passageiro
o belo tipo faceiro
que o senhor tem ao seu lado.
No entanto, acredite,
quase morreu de bronquite.
Salvou-a Rhum Creosotado.”

A publicidade teria rendido um bom dinheiro a Bilac, mas há quem afirme que o verso não é dele, mas do poeta Bastos Tigre. Difícil apontar o autor, mas parece que Bastos Tigre teria prestado um favor a Olavo Bilac, dando como sua a poesia de propaganda do Rum Creosotado.
São histórias que fazem parte do Rio de outras épocas, quando namorar pelas ruas da cidade, voltando do cinema às dez da noite, não amedrontava ninguém, os bandidos eram malandros famosos e faziam ponto na Lapa. Todos conhecidos. Miguelzinho, Camisa Preta, Madame Satã...
Ainda existe o bucólico bonde de Santa Teresa. Mas sem o anúncio do Rhum Creosotado...