segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Criançada

Criançada












- Entra pra dentro, Zébinho. Tá chovendo muito.
- Já vou vó. Vamos enterrar a cobra.
- Que cobra, menino?
- A que nos matamos agora. Os gatos e cachorros podem comer.
- Tá morta mesmo?
- Mortinha. Tenho mira com minha atiradeira, vó. Foi na cabeça.
- E que raio de cobra é esta?
- Jararaca. Menos uma.
Enterraram a maldita. Tudo isso se estava passando num lugarejo distante. Nos confins do sertão mineiro. Zébinho era o apelido de José Eusébio, uma espécie de chefe de um bando de meninos. Todos encapetados, mas no bom sentido da palavra.
O lugar era passagem de trem, carregando minério de ferro. Como a parada era obrigatória, nasceu o vilarejo, com bar e restaurante. Umas trinta casas, um riacho de respeito, água pura e cristalina, por todos apreciada. Na fonte, jorrando da pedra, dizem que fazia milagres. A água pura faz milagres mesmo. Tomada em jejum, um copo, encarrega-se de limpar o organismo. Dois litros ao dia, e não existe mal-estar, de coma-se ou beba-se. Verdade é que no lugar, por mais simples a refeição, é feijão, arroz, couve fatiada fininha, aipim e carne picada. E a farinha com torresmos... Deliciosa!
Se exposta a algum entendido da área de comer, a carne seria parte do cardápio duas vezes semanais. Mas qual! Aqui não tem disso não.
- Zébinho, vai tomar banho. Você é lama pura!
- Eu sei, vó. Mas vou pegar umas mudas de roupa, vou tomar banho na cascatinha.
A chuva tinha abrandado. José Eusébio estava como nasceu. Limpo de corpo e alma, e para os que acreditam, batizado. A água, saindo da pedra, confirmou o batismo, e limpou a lama de um menino, cujo reino dos céus foi a ele prometido.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Apenas pensamentos

Parque/Google














Estava sentado com um livro aberto. Bonito lugar, um parque florido.
Não lia; estava pensando nas palavras que ouvira. Pensava e nada concluía. Nem sempre somos donos do nosso destino. O amoroso, nem é bom pensar. Ao mesmo tempo em que olhava o beija-flor, com o seu voo diferente, ela estava presente, pelo menos no pensamento. O pássaro era visto, mas a alma estava longe.
Recebera o comunicado. Grávida. Ao mesmo tempo em que se alegrou, sabendo a amada estar vivendo um dos momentos mais felizes da Vida, seu íntimo derramou lágrimas. O filho não era dele, ela não havia se casado com ele, estava longe, distante, inatingível.
O beija-flor voou para longe, um vento fraco virou a folha do livro que estava no seu joelho e o homem cuja face contraída, os cabelos já embranquecendo e portador de expressão enigmática, continuava no seu devaneio. Não, aquilo tudo não deveria ter acontecido.
Algumas crianças que brincavam perto viam a figura com a barba por fazer.
- Moço, o livro vai cair.
Já havia caído. O pirralho pegou rapidamente e entregou ao dono, a esta altura cercado por infantes que podem sim, admirar uma menina da idade deles. Enganam-se quem pensa que a criança não tem sentimentos. Alguns se apaixonam como se adultos fossem. Mas não pensam em filhos, não chegam a tanto.
- Como se chama, rapaz?
- Yuri.
- Como?
- Yuri. É Jorge em português. O nome é russo.
- Eu sei, Yuri, eu sei. Seus pais são russos?
- Não. Minha mãe gosta desse nome. Aí botaram o nome em mim.
Yuri. Haviam combinado que se tivessem um filho, o nome seria Yuri, dariam sozinhos a volta ao mundo num veleiro, morariam no espaçoso apartamento dele, arquiteto e engenheiro naval, que havia montado uma fábrica de veleiros de fibra de vidro, depois substituída por carbono, nos fundos de uma velha casa. Sonhos... Amor e sonhos. O que seria do mundo não fossem eles?
Fato que não impediu uma gota de lágrima na grama macia.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Beleza

Ana Arósio/G1


















- Mas que coisa horrível. Cruz-credo, parece assombração.
- E a coleguinha que vai ao lado?
- É mais bonita, veja os cabelos. Sedosos.
- Olha aquela lá! Bonita demais, como é boa!
Ficaram os dois patetas discutindo beleza feminina no Sol não muito forte da praia. Claro, a praia é lugar ideal para este tipo de apreciação e julgamento. Mas este último como? A cada dia que passa o padrão de beleza feminina muda. Ditadura dos tempos atuais. Beleza... Onde se encontra?
Vinicius dizia “que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental.” Ele gostava de uma barriguinha. Hoje seria malhado!
Um homem velho que ouvia a discussão dos entendidos em beleza das mulheres falou em voz que poderia, como foi, ser ouvida.
- “Só a beleza salvará o mundo.”
- Quem disse isso, amigo?
- Um tal de Fyodor Dostoiévski. Conhecem?

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ameaça americana

Navio- Aeródromo








A permissão da Colômbia em autorizar forças dos Estados Unidos no seu território é um alerta para todo o continente.
Imediatamente, os bons serviços militares norte-americanos foram oferecidos para proteção de não se sabe quais países do nosso continente sul.
Chile e Brasil repudiaram a idéia de pronto. Marines e Rangers não são bem-vindos, pelo contrário.
Nosso vizinho Hugo Chávez nem consultado foi, por razões óbvias. Detesta e é detestado pelo governo dos EUA.
Perigosa, esta atitude americana. Demonstra claramente em instituir na América do Sul, várias bases, como em Guantánamo, Cuba, onde reinam com absoluta calma. A base, hoje transformada também em prisão de supostos inimigos dos Estados Unidos, que vivem acorrentados e sofrem tortura, lembrando Auschitz ou Dachau.
O Brasil começa a sofrer pressão. Reativada e modernizada, a Quarta Frota estende seu poderio pelo Atlântico Sul. Pretende resguardar o pré-sal, que foi objeto esta semana – estou escrevendo em 6/8/2009 – com interesse declarado de ajuda com tecnologia para exploração, quando se sabe ser a Petrobras uma das mais competentes empresas exploradoras de petróleo em águas marítimas profundas.
Cientes de que estão nos estertores da soberania, que passará para a China, atualmente a nossa maior parceira comercial, o governo americano está dando suas últimas cartadas. Que podem ser perigosas.
O povo e o governo brasileiro mantêm boas relações de amizade com os Estados Unidos. Seria muito bom que assim continuasse, e não o contrário.
Como democrata convicto, apenas penso que os peregrinos do May Flower, que chegaram ao território norte-americano com a idéia de construir um país livre, sua casa, seu lar, devem estar desapontados com as políticas dos governos da terra que construíram.
“Desde a Segunda Guerra Mundial, todos os presidentes americanos iniciaram pelo menos uma guerra.” - Mikhail Gorbatchev
Obama não escapa. A do Afeganistão, bem camuflada, é dele.
Enfim, God save the America.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Não basta talento

Estúdio

















Quando se dedica à arte, o homem não pode apenas ter talento.
O conhecimento da técnica é indispensável, seja no ramo artístico que for. Assim, um pintor deve saber cuidar dos seus pincéis, limpando-os a cada final de trabalho, o escultor cuida do seu cinzel. O trabalho deve obedecer a um ritual imutável. A arte é exigente.
Na literatura, que me vou prender, são os fatos que devem ser levados em consideração: clareza nos textos, gramática cuidada, linguagem direta e concisa. O gongorismo é ridículo. Evitar ao máximo citações, salvo quando se escreve sobre matéria técnica. Costumam cansar e transmitir o pensamento alheio. Os textos assim são sempre fracos. Mostram a incapacide de quem escreveu. Não sabendo expor suas idéias com clareza, o autor confia nas suas citações. Ora, o pensamento não é dele, e, portanto nada cria.
A autencidade, sempre baseada em fato real ou imaginário de quem escreve, deve estar acima de tudo. E temos o texto bruto.
Ora, a pedra por mais rica ou pobre que seja, não lapidada continua bruta.
É o que acontece. Terminado um texto, ele deve ser lido e relido com cuidado e carinho. Se o julgamento é bom, trata-se de limpar o quanto antes todo o corpo da matéria. Repetições, inevitáveis erros de digitação, e outros defeitos, devem ser eliminados.
E a etapa próxima é a mais delicada. Trabalhar o texto, usando palavras ou frases mais adequadas. Não deixar que o leitor se perca com derivações, nem que tenha que ficar consultando dicionário. A linguagem direta e simples convence mais do que a rebuscada, leva o leitor, enquanto que o gongorismo o afasta.
Como autores nacionais, os melhores exemplos são Jorge Amado e Cecília Meireles. Guimarães Rosa e João Ubaldo são excelentes, mas cada um tem sua opinião. Os estrangeiros que verdadeiramente marcaram época são Shakespeare e Hemingway, homens que mergulharam em definitivo na alma humana, entendendo a mesma com profundidade.
Seus leitores logo percebem o texto rico e sem problemas para ser entendido.

Li certa vez, não me recordo onde, que um texto bonito pode ser comparado a bela mulher. Uma maquiagem bem feita, e ela está mais fulgurante.
Trabalhar o escrito com carinho, aprimorando-o, usando palavras e frases com todas as suas expressões possíveis, é imposição; todas as artes exigem paixão dos que nelas se dedicam.

domingo, 9 de agosto de 2009

Face Marcada

Ernest Hemingway


















A face marcada pelo tempo... Quanta coisa esconderia, era segredo não revelado. Quem conhece a Vida, com suas alegrias, percalços, sucesso, sofrimento, e todos os outros acontecimentos do dia-a-dia de um passar de anos.
Cada qual carrega dentro de si sua história, que pode ser de altos e baixos, tranquila ou mesmo atormentada. Os traços ficam marcados na face, não há como evitar. Os lábios podem exibir um belo sorriso, mas o verdadeiro é demonstrado pelos olhos. Não há como fugir.
Era assim o homem sentado na cadeira de vime, barba branca e cabelos cinzentos, vestido como a temperatura local exigia: calças de brim rústico, mas frescas. Camisa branca de algodão leve e sandálias como as que usam os franciscanos, o que ele era na alma, mas não da Ordem. Escrevia num bloco comum sem cessar, parando algumas vezes para não se perder.
O grande copo de uísque já estava pela metade. Quando terminasse, pediria outro e não mais. Escrever ou praticar qualquer outra atividade não combinam com mais de duas boas doses de destilados, e ele sabia disso. As palavras fluíam.
O vento, vindo do mar, além de refrescar a orla, trazia um cheiro de sal, de Vida, de frescor da noite que chegava, quando já as primeiras estrelas, as de maior brilho, eram avistadas por olhos experimentados. Passado um pouco o pôr-do-sol, o crepúsculo vespertino nos permite ver as estrelas de maior magnitude. Mas o espetáculo mais belo de ser visto é o pôr-do-Sol mesmo.
Caindo pouco a pouco, começa a ficar avermelhado, até atingir uma cor que permite ser olhado sem perigo para o homem. Desce mais rápido, e começa a mergulhar no horizonte, entrando na água do mar, e sumindo da nossa visão em pouco tempo. A claridade é muito grande, e o fenômeno indescritível. Sempre o homem que estava sentado na cadeira de vime, e parava de escrever, jamais deixava de apreciar o mergulho do astro.
Quando acontece este fato, tanto o nascer como o pôr-do-sol, quem os assiste fica maravilhado; quase todos os fatos acontecidos não têm tamanha importância e beleza. É um presente que nos é dado a cada dia de existência.
Terminado o grande mergulho, o homem que escrevia se foi. Em passos lentos e firmes, desapareceu do lugar, levando seus escritos.
Os locais garantiam que era Hemingway, mas o mestre já havia falecido há muitos anos. Eu também o vi, como ao belo Sol sumindo no horizonte.
Estou delirando?

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Festa de São João

Fogueira de São João












Lembro que quando era menino, fui à primeira festa de São João, no colégio.
Foi a primeira vez que dormi depois das nove horas da noite; os folguedos estavam animados. Meus pais tomavam conta de um pirralho que demonstrava futuro de moleque danado, sem ser desrespeitoso, o que aconteceu realmente.
A festa de São João... Tinha tudo, ao ar livre. Enfeitada com bandeirinhas, fogueira acesa, delegado tomando conta de tudo, padre para o casório, barraquinhas de pescaria, jogo de argolas. O quentão era só para os adultos, mas meu pai deixou eu provar o dele, um cheiro só, achei gostoso. E comidas, que fartura! Milho, aipim frito ou cozido, ao qual os festeiros adicionavam manteiga, amendoim e os doces mais diversos. Lembro bem do doce de abóbora e o de batata-doce. E a canjica? Com canela, tem gente que come duas vezes e ainda ataca o resto das iguarias.
Nas grandes cidades, tirando as escolas, não se vê mais a comemoração popular, de inteiro congraçamento. Ela sobrevive nas escolas, algumas igrejas e poucos clubes. Mas basta sair dez quilômetros fora do perímetro urbano, que aparecem fogueiras onde a batata é assada usando um espeto de pau.
Calça velha, botina surrada, camisa xadrez, chapéu de palha – quem tem isso hoje? – fazem parte da indumentária obrigatória. As moças com vestido de chita, compridos até os tornozelos, cara pintada de ruge, tranças e olhar folgado. Quantos namoros não começaram numa festa de São João?
Não vou a uma festa junina há muito tempo. Muito tempo mesmo. Juntava muita gente, agregava pessoas desconhecidas, fazia amizades. Uma tradição que não se perdeu, mas como acender uma fogueira grande num edifício de cidade grande? Os moradores mais chatos vão chamar a polícia, mesmo se a festa estiver sendo feita no salão próprio. Muita gente nem sabe que hoje se cultua o santo que batizou Jesus. Conto da carochinha para muitos, mas pode conferir nos Evangelhos. Está escrito bonitinho lá.
São valores que se perdem, enquanto surge a balada, o ecstasy, bem mais interessantes do que música da roça, sorrisos abertos, relacionamento, amor e alegria.
É pena. O azar é nosso. Mas como hoje não é dia de reclamações ou tristezas, já vou preparar uma cachaça com mel, já que rapadura não se encontra em qualquer supermercado.
Saúde, gente! Viva São João!