domingo, 25 de abril de 2010

Heróis

  União














Lembro como se fosse hoje. Fui acordado no meio da noite, pela minha mãe. Pedia o meu auxílio, dizendo que a casa estava sendo atacada.
Tinha sete anos, mas fatos assim não se esquecem nunca. Levantei depressa e o frio não me incomodou. Estava com um dos meus pijamas de flanela, feito pela minha avó.
Minha mãe pediu que eu escutasse. A janela da cozinha estava sendo alvo de manobras com um arame, que tentava abrir o trinco.
Dois heróis! Mamãe era a própria doçura – qual a mãe que não é? – e de faca da cozinha na mão, entregou-me uma pesada vassoura, do tempo em que elas não eram feitas para durarem mês.
Meu tacape de guerra estava pronto. A então valente guerreira, faca na mão, acendeu a luz da cozinha, falando com voz de sargento: “quem está aí?”, o que bastou para colocar em fuga o ladrão. Defendemos nossa casa, colocamos um ladrão pra correr e nos abraçamos vitoriosamente.
Meu pai era parlamentar e chefe da Guarda Municipal. Estava na Câmara. Pedia para os guardas de um parque próximo, distante uns cem metros, que dessem uma olhada na casa. A vigilância do parque do parque era feita por quatro guardas. Armados.
Os dois guardas que por coincidência se dirigiam para cá e viram o homem correndo. Um tiro para o alto, ou nele mesmo, não se pode confiar na palavra de quem surpreende um ladrão, fez com que o marginal parasse. Apanhou demais. Os guardas, que a uma hora daquelas enfrentavam o frio para manter a vida e a casa, descontaram no marginal, que sofreu horrores. Não tinha nem um canivete. Felizmente meu pai não estava. Teria usado seu Colt.
Nunca mais fomos vítimas de nada. Eu e minha mãe, heróis que defendemos a avó, o irmão menor e a casa.
Nunca esqueci o fato.

domingo, 18 de abril de 2010

Sorte

Moedas

















Veio, como tantos outros, estudar na cidade grande. Ainda hoje é assim.
São poucas as universidades no interior. Já havia prestado os exames para o ingresso, foi aprovado no vestibular. Em suas indas e vindas, descobriu uma vila antiga, casas de dois pequenos quartos. Cozinha e banheiro que davam perfeitamente para organizar a sua casa, sonho de muitos.
Em pouco tempo estava instalado. Amigos não faltavam homens e mulheres. Era opinião daqui, sugestão dali e em pouco tempo nosso amigo dava-se ao luxo de receber os mais chegados. A mesada permitia, sem excessos.
Estudar ciência exata, no caso a Física, não é fácil. Tinha pretensões em transformar-se cientista e gostava muito do seu estudo. Bom aluno, dedicado, reconheciam os mestres e colegas.
Casa bem cuidada, com o auxílio de um conhecido faz-tudo da área, reunia os amigos em noitadas de violão e bebidas. Da sua cidade natal, trazia a receita de uma caipirinha perfeita. Todos os sábados havia reunião.
Num destes, uma moça, poeta de mão cheia, falou sobre a mega-sena acumulada. Fizeram um “bolão”. E acertaram. O que está escrito não se altera. Eram muitos, mas mesmo assim a divisão garantiu um bom dinheiro.
Quando ele foi receber, foi atendido como se príncipe fosse. O dinheiro de lá não sairia, mas a renda era grande. Não sucumbiu entre tantos seios e pernas mostradas, mas tão logo comprou a casa onde morava, que sofreu uma mudança total, pintura, reparos na alvenaria, canos de chumbo tocados por plásticos, pequeno jardim arranjado por ele mesmo.
Uma das suas assessoras financeiras conseguiu o intento. Por lá morou uns bons quinze dias. Talvez, quem sabe, poderia ter conquistado o dono, já que além de corpo perfeito, sabia usar todo ele na hora de dar prazer.
O que não sabia é que ele era apaixonado, e tão logo aceito, uniu-se à antiga enamorada. Em ano e meio, tinham um filho, e a casa na rua de pedras ganhou mais dois quartos, respeitando à arquitetura local.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Escrever demais

Escrever


















Posso estar totalmente errado e equivocado. Mas não acredito em autores que escrevem demais.
Quem faz mais de um trabalho por dia, salvo se for coisa fácil, está irremediavelmente comprometido. Posso citar uma centena de autores que escreviam mais de quatro horas por dia. Todos eram romancistas, nunca contistas, cronistas ou poetas.
No romance, o autor constrói o tema e desenvolve à vontade. Pode passar horas escrevendo, a linha é uma só. Os excessos são cortados, as falhas são preenchidas.
Não se dá o mesmo com a poesia, por exemplo. Após ter feito um trabalho, o autor pode e deve trabalhar em cima dele, aparando arestas, burilando o texto. Este trabalho é demorado. Todos os grandes autores falam sobre o assunto.
É simples. Uma crônica seguida da outra, um conto ou um poema, exigem pensamentos distintos. Devem ser trabalhados também. Ora, isto é muito difícil. Quase impossível, para quem quer obter bons resultados.
O que acontece, afinal? Prejudica-se todo o trabalho excessivo, e é muita sorte do autor quando um se salva.
Não é questão de achismos. Basta conferir.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Imitador

Nelson Rodrigues


















Acabo de ver no Leia Livro, uma seção literária da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, para onde envio somente contos e crônicas, o comentário de um leitor dizendo que eu imito Nelson Rodrigues...
Quem me dera ter o talento do velho Nelson! Que foi, inclusive, nosso maior teatrólogo, além de cronista invejável e jornalista de extrema experiência.
É verdade que gosto de imitar certos autores famosos, quando me dá na veneta. Imito Nelson, Sérgio Porto, Jorge Amado e João Ubaldo. Mas mal, muito mal! Ah! João Saldanha. Não posso esquecer o magricela de voz grave e destemperado gênio. Saldanha era muito brigão.
Este fato de escrever traz sempre comparações inevitáveis, se quem escreve está sempre lendo. Lembro que no colégio lia diariamente na “Última Hora”, de Samuel Wainer, os famosos textos de Nelson Rodrigues, “A vida como ela é.” São antológicos; quem não os conhece deve procurar ler, pois foram reeditados, preenchendo uma lacuna que existia na memória nacional. Tão bom era ele que a sua “À sombra das chuteiras imortais”, esta sobre futebol e publicada no “Globo” passou a ser leitura de intelectuais da época, que pouco entendiam ou até mesmo não gostavam de futebol.
Sérgio Porto, o famoso Stanislaw Ponte Preta, com suas personagens famosas, a maior delas a Tia Zulmira, a terrível gozação que fazia com Niterói – “Niterói é terra onde galinha cisca para frente e urubu voa de costas” – só era perdoada pelos niteroienses porque ele morou aqui alguns anos. Publicava todo final de ano a lista das “Dez mais certinhas”, onde apareciam as mulheres mais bonitas e certinhas do ano. Mulher que saísse nesta lista estava feita! Eram quase todas atrizes, não me lembro de exceção.
Jorge Amado e João Ubaldo, além de diferentes entre si, pouco ou nada tinham em comum com os dois gozadores citados. Ou melhor, talvez tenham. A profunda irreverência.
Ler Hemingway. O maior escritor do século XX, e talvez comparado a Shakespeare, só o tempo vai dizer, foi um profundo conhecedor da alma humana. “O Velho e o Mar” é obra não suplantada por nenhuma outra.
Qual a razão de estar escrevendo tudo isto? Não sei não. Deu na telha!