domingo, 31 de outubro de 2010

Vinícius, Toquinho e Rubem Braga

Vinícius











Contam, mas pode ser apenas para ser mais um caso, que Vinícius e Toquinho, quando das suas andanças pela Itália, foram acabar visitando Rubem Braga, no seu apartamento em Roma.

É bom imaginar. Conversa solta horas a fio, lembranças da Guerra que Rubem cobriu e recebia poemas de Vinícius, uísque farto, tira-gostos diversos, violão, mais uma dose, um caso, uma gargalhada.

Naturalmente que dá vontade de ter participado! Reunião para ninguém botar defeito.
A certo momento, com sono, Rubem disse que havia mais uísque num móvel da cozinha e reforçou os amendoins, biscoitos salgados e outros ingredientes e foi dormir. Vinícius e Toquinho ficaram até não aguentarem mais.

No dia seguinte, depois de secarem todas as garrafas de água mineral, Vinícius fala para Rubem: “rapaz, que uísque vagabundo você tem naquele armário. Ainda bem que a garrafa que estava fechada era ‘scoth’ de primeira."

Rubem foi conferir. Haviam tomado vinagre, antes de encontrar a garrafa fechada de uísque.
Do jeito que era a dupla, não me impressiono nada se a história for verdadeira.

Mas esta é. Vejam a perfeição.

Soneto de Fidelidade
Vinicius de Moraes

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.





Vídeo presenteado pelo amigo Caio Martins.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Milagre

Café













Ruim como a peste. Ele mesmo não sabia a causa, fora educado com carinho.
Pensava na desgraça que o acompanhava, desde muito moço, embora velho não fosse, enquanto tomava uma média num balcão de um bar mal frequentado.
Não conhecia o que era uma boa amizade, o amor de uma mulher. É evidente que estes fatos incomodam. Ele tinha noção da sua maldade com os outros e consigo mesmo. Doido? Talvez fosse.
Acabada a média com pão e muita manteiga, refeição primeira, ia para o trabalho, uma famosa fábrica de tintas. Não fizera uma amizade sequer, em quatro anos de serviço. Conhecia, cumprimentava e basta.
Ainda no balcão terminando o café da manhã, sentiu-se pela não se sabe qual vez, sozinho e afastado do mundo. Nem sempre fora assim. Talvez o serviço militar, em força especial, houvesse transformado aquele homem que um dia foi obrigado a matar um cidadão. Estava de guarda, e um homem negou-se a parar e passar pelo meio da rua, em frente ao quartel onde ele servia. Era um inocente; verificou-se depois que bebia horrores, e estava muito alcoolizado quando do tiro.
Não se tornou um marginal ninguém sabe a causa, nem ele mesmo.
Pagou a conta e foi para a parada do ônibus que o levaria ao trabalho. Deu poucos passos na calçada e ouviu uma gritaria de gente que olhava para cima.
Instintivamente, fez a mesma coisa. Uma pessoa estava caindo de um prédio, e seria em cima dele, estava próxima.
Sua primeira reação foi esquivar-se. Nem ele mesmo sabe o motivo. Era uma criança, que havia caído por uma destas fatalidades que ninguém explica. Como se fosse um goleiro de futebol retesou os músculos, postou-se firme e aparou a menina que logo abriu um descomunal berreiro.
Correram todos. A menina só chorava, e levada para um hospital, constatou-se não haver fratura ou rompimento de órgão interno.
Um herói!
Hoje ele é um dos mais solicitados diretores da creche do seu trabalho, que o desviou para lá de imediato. A pirralhada adora o ‘tio’. Ele, retribui com carinho.

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Valentia

Banho













O lugar era uma mata rasteira, árvores poucas, meio torcidas: vegetação de cerrado. O riacho fazia a música do lugar, água fria, cristalina que corria em destino a outro bem maior.
- A água tá fria?
- Tá uma gostosura. Lavou até por dentro.
- Por dentro não lavou foi nada. Nem bebeu um gole, e ‘inda que tomasse não lavava, bicho ruim.
Bastião Neném não ouviu bem o comentário da amiga. Estava enxugando o couro grosso e pelejando com uma garrafa de cachaça. Couro grosso sim, aquilo não poderia ser chamado de pele.
Rita já havia tirado toda a roupa, e seu corpo brejeiro foi alvo de elogio do velho companheiro. Fazia seis anos estavam juntos.
- Só meu. Isso tudo é só meu.
- Dá um beijo.
- Mulher gosta dum beijo. Não reclama do cheiro. Dei uma talagada grande.
- Depois tomo meu jenipapo também. E fazemos alguma coisa...
- Agora não, a barriga tá roncando.
Iam batizar o menino Januário, sobrinho deles, filho de uma irmã de Rita. Mais dois dias de tropel, estariam dormindo em redes velhas, mas coisa de primeira: nem um pouco esgarçadas, limpas e perfumadas de ervas.
Bastião Neném ouviu barulho na mata. Não era coiteiro nem metido em bandos. O que passou, passou. Correu para um emaranhado de mato, escondeu-se e no maior silêncio engatilhou sua velha, mas bem cuidada parabellum, antiga ferramenta de trabalho.
Experimentado, sabia que Rita estava sendo vista, tomando banho nua e desejada por quem estava vendo. Dois homens, camisas do exército, lugar onde eles nunca deveriam ter andado. Imprudentes, viram dois cavalos e partiam para o ataque.
- Boas tardes, moça. Não vai sair desta água não?
A última coisa que ela poderia fazer, fez. Distanciou-se do lugar, saiu de perto da margem.
Quem é burro deve pedir a Deus que o mate e ao diabo que o carregue, falam.
Um deles caiu n’água, a procura do prazer forçado. De cuecas, só. Quando estava próximo levou uma pedrada na testa. A astuciosa Rita pegou no fundo do rio. Pedra grande, atirada com precisão. Pegou na testa, tingiu o rio de sangue, o corpo foi água abaixo.
O outro, que tudo assistia, levou um tiro na nuca, e foi fazer companhia ao amigo desavisado.
Histórias do lugar, coisas do sertão.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pianista

Pianista


















Parece incrível, mas a verdade é que surgiu no mundo novo virtuose no piano que surpreende a todos.
Segundo a tradição dos mestres, o maior pianista do mundo foi Lizt, que além de entusiasmar platéias, encantou como um grande compositor.
Nobuyki Tsujii, jovem pianista, cego de nascimento, ganhou um piano de brinquedo aos dois anos, não parou de tocar até que ainda menino mostrou o que podia fazer. Com doze anos de idade deu um concerto no Carnegie Hall, o templo sagrado da música.
Agora, de acordo com a mesma tradição entre conhecedores profundos da música erudita, Nobuyki teria superado Lizt, interpretando uma das suas composições mais difíceis, “La Campanella”.


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Como se forma um advogado

Direito


















Estudava Direito e tive professores bons, regulares e ruins, como em qualquer escola. Pretendia ser criminalista, e realmente fiz diversos júris. O Tribunal do Júri realiza qualquer advogado honesto. O profissional é um misto de ator e advogado.
Mas não é o fato que desejo narrar, aconteceu comigo e é verdadeiro.
Tinha uma insuportável e bastante limitada professora de Direito Civil. Só estudava com afinco Direito Penal. Fiquei em segunda época no direito que mexe com o bolso dos outros, na maioria das vezes.
Costumava tirar férias no trabalho em fevereiro, e a prova estava marcada para o dia 17 daquele mês. A Vila Real da Praia Grande, como gosto de chamar Niterói, tem lindas praias oceânicas, acessíveis em vinte minutos de automóvel. Ficam literalmente lotadas hoje, mas naquela época a frequência era bem menor.
Itacoatiara é um pequeno paraíso. Praia pequena, de apenas seiscentos metros, areia branca de doer os olhos com o reflexo solar e toda cercada de montanhas.
Os pinheiros que estão plantados junto ao início da restinga muito bem conservada, como em todas as praias estão vergados em direção à terra, como é costumeiro; a ação constante dos ventos marítimos leva a esta inevitável posição.
Era a minha segunda casa. Chegava às dez da manhã e voltava, quando voltava, por que um amigo nosso tinha casa lá, ao entardecer. O quiosque que vendia sanduíches, ovos cozidos, cerveja e pratos simples, servia de nosso requintado restaurante.
Estava moreno que só os dentes apareciam, durante a noite. A maldita prova aproximando-se e eu sem abrir o livro. Até hoje não suporto Direito Civil, mas felizmente a carreira de advogado está encerrada.
Chegou o dia da prova. Olhei-me no espelho, depois do banho. Com muitas picadas de mosquito, que infestavam Itacoatiara durante a noite, pele enegrecida, não enganava ninguém: malandro de praia, o que eu era realmente durante um mês.
Na hora certa, estava fazendo a prova escrita, uma lástima. Logo em seguida seria a vez da prova oral. E assim foi.
A professora não tirava os olhos de mim. Sem dúvida, iria prosseguir meu curso, mas faltando quitar o Direito Civil, que eu contava com outro professor, este um jurista, para ser aprovado. A catedrática estava admirada com um aluno de segunda época todo picado de mosquitos e bem tostadinho. Vagabundo, na certa.
Vi com um colega de turma um jornal que estampava uma manchete “Guerrilha no...” e mais não se via. O jornal, naturalmente, estava dobrado. Pedi ao colega que me dissesse do que se tratava, e ele mostrou a notícia. Era “Guerrilha no Caparaó é sufocada.”
Foi o que bastou. Quando fui chamado, sabedor do extremo reacionarismo da examinadora e admiração pelas forças armadas subi o pequeno degrau do tablado e como se militar fosse, cumprimentei ereto, quase em continência, a mulherzinha intragável. Não tive a menor dificuldade em pedir desculpas pelo meu desempenho na prova escrita, falando com todo o respeito. Por causa do calor, cortava o cabelo como os militares; não esquenta a cabeça. Continuei a minha fala, afirmando que era segundo-tenente do Exército, por ter feito o CPOR, e como era bom aluno e excelente com uma arma na mão, fui convocado a participar do combate, falando em voz baixa e afirmando que só estava confidenciando o fato por conhecer a posição política e a honestidade da mestra. O vilão transformou-se em mocinho como num passe de mágica. Seus olhos mudaram de expressão. Ela estava diante de um herói, queimado de Sol, magro, com pontos vermelhos na pele. Um valente soldado que estava a serviço da Pátria.
Disse que por este motivo, não havia estudado o suficiente, apenas alguns pontos. Imediatamente, ela me perguntou quais pontos. “Prescrição, decadência e perempção”, falei de imediato. São causas que impedem ou paralisam o processo, e muito usadas em Direito Penal. Pediu que falasse sobre o assunto. Fiz o discurso completo. Uma vez terminado, ela me cumprimentou solenemente, garantindo-me um dez que fez o mentiroso passar de ano.
Comentei o fato com um amigo juiz de Direito, velho conhecido e bem jovem.
Ele simplesmente disse “vais ser um excelente advogado, meu caro.”
Mas não. Cedo desisti da tribuna do Júri. Não fui um advogado brilhante, não gosto muito da profissão. Mas obtive uma vitória num Tribunal Militar, duro, duríssimo, que jamais será esquecida. Além de elogiado pelos colegas, foi notícia em todos os jornais do Rio de Janeiro e Niterói. Tinha, na época, vinte e quatro anos de idade.
Mas isto apenas foi uma fase...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Beleza e Amor

Rosa amarela














Mês de agosto, terminando. O último para poda de árvores e plantas, que obedecem à regra do corte: só em mês sem ‘r’.
O homem, já de idade, mas sem ser velho, cortava com alicate amolado, próprio para jardinagem, roseiras que estavam num canteiro de muitas folhas.
Os que entendem, dizem ser um erro. A soberana roseira é exibida; não gosta de matos e folhagens ao seu lado. Eram quatro. Foram cortadas com cuidado, mas já eram visíveis os sinais de decadência. Ficaram apenas com dez centímetros, aproximadamente.
O terreno foi afofado e adubado. Mas uma exuberante folhagem, que não era nunca mexida, permaneceu.
Um galho da poda foi plantado numa área mais limpa. Na semana seguinte, o marrou escuro que coloria sua extremidade passou a verde claro. Estava dado o sinal de que a mão que o plantou tinha intimidade com a Vida.
Em pouco tempo, como ainda é agora, transformou-se num sadio vegetal, caule sem compromisso e folhas que prometiam. Entrou a Primavera, e com apenas um ano a hoje solitária roseira abriu um botão que ainda não deve ser colhido. Amarelo.
Beleza e Amor. É onde mora Deus, na natureza e nos homens.
Não consigo entender de forma diferente.