sábado, 31 de outubro de 2009

A mulher e o silicone

Beleza/Google












Mania infeliz, esta do silicone, que não vai durar muito. Os males começam a aparecer.
Como se fosse uma experiência de laboratório, a mulher repentinamente só está na moda se for “turbinada”. Seios horrorosos, com o produto em quantidade alta, disformes, parecendo bolas, traseiros tanajuríssimos, neologismo que acabo forçosamente de criar, lipoaspiração para valer, e lá vai ela, na praia com o seu minibiquini, nos shoppings com a calça justa e o salto dez, blusa audaciosa.
Até alguns anos passados, seria vista como uma prostituta mal-paga. Hoje é moda, grande parte das mulheres está assim.
Parece que o bisturi que mudava narizes, retirava rugas, alterava bocas, não é mais tão importante como um farto par de seios que parecem querer escapar das blusas ou vestidos.
Eu pessoalmente conheço três casos que o silicone arrebentou, fazendo um estrago nos seios. A correção é sempre dolorosa. Não acredita? Pergunte a qualquer médico. É bom evitar o cirurgião plástico.
Interessante. Jamais escrevi crônica como esta. Não estou censurando ninguém, e caso pretendesse, que autoridade tenho para isso?
Claro que a mulher com um nariz de Pinóquio deve fazer uma plástica, como a mulher que tem o peito parecido com o do homem, um silicone razoável vai muito bem. Entrou a estética, não se discute.
Mas um pouco de bom senso é mais do que valioso nestas horas de peitudas e tanajuras.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Julgamento do Diabo

Júri/Google







Nem sempre é dado ao homem o poder de julgar casos que não são da sua competência. O homem julga o homem, não entidades que supostamente conhecemos.
A sala do Tribunal do Júri obedecia ao padrão internacional: austera.
O juiz, promotor e jurados, austeros igualmente. Quem destoava era o advogado de defesa. Aparentando muita tranquilidade, ele ajeitava alguns livros e papeis na sua tribuna. Sempre que fazia júris, era a mesma coisa: apenas uma grande dose de uísque, para descontrair. Nunca mais do que isso; o prejuízo seria do acusado e seu.
Gostava de usar a beca negra. O Tribunal exigia vestes talares, e o ar refrigerado não conseguia deixar um resquício de calor nos corpos dos debatedores. Enquanto o sisudo promotor tinha por baixo da beca paletó e gravata, o advogado tinha apenas as calças, meias e sapato. Retirava camisa, gravata e paletó; a veste negra, uma grande capa, encarregava-se de esconder o tronco nu. Não sentia calor, era um velho hábito.
Todos já sentados quando o oficial de justiça apregoou o acusado. Entrou cabisbaixo, como todos os réus. Dois policiais fardados o ladeavam e sentaram-se nas cadeiras a eles reservadas.
O juiz fez um breve relatório do caso e iniciou o interrogatório. Nenhuma das suas perguntas foi respondida, tanto por vontade própria do réu, como pela orientação do advogado. Todos naquela sala olhavam com certo temor a figura sinistra. Respondia a quatro homicídios, mas estava sendo submetido a apenas um. No crime continuado, aquele onde o autor comete de uma só vez delitos da mesma natureza, responde apenas por um, mas tem a pena bastante aumentada.
O promotor, jovem especialmente indicado para iniciar o exorcismo, se é que o fato pode ter este nome, colocou o réu abaixo de qualquer linha de comportamento humano possível. Volta e meia, o homem sentado a sua frente levantava os olhos e com uma aparente imagem pura e angelical, fitava-o com destemor e leve sorriso. O juiz, que a tudo assistia, não encontrava motivos para impedir que tal fato ocorresse. Afinal, não havia ofensa nem deboche, apenas um sorriso amistoso.
Acusações e mais acusações pesavam contra aquele homem, e o Tribunal era silêncio.
Terminada a fala do promotor, a pedido da defesa, o julgamento foi suspenso por vinte minutos, para descanso dos jurados. Na cantina onde podia se tomar um excelente café, os comentários eram os mais variados. Todos, sem exceção, estavam admirados com o julgamento; nunca presenciaram fato semelhante.
Juiz e promotor, no gabinete daquele, confabulavam com certa precaução. Nem um, nem outro, havia participado de júri semelhante.
O tempo concedido ao descanso terminou. Todo na sala uma vez mais foi dada a palavra ao defensor do acusado, o sem-nome, o perverso.
O homem falou muito. Passou por todos os pontos onde a maldade está presente. São tantas... Inflado pelo entusiasmo, o causídico desfiou o rol dos males, a guerra, a fome, a miséria, a falta de educação para as crianças, o trabalho indigno, e a solidão humana. Repetiu mais de uma vez que o homem nasce sozinho, vive sozinho e morre sozinho. Mesmo o mais querido humano vive esta realidade.
O que ninguém esperava, enquanto o defensor terminava o seu discurso, foi o forte vento, a falta de luz por causa de um curto-circuito e um início de incêndio.
Terminado o incidente, todos viram que o réu tinha desaparecido, e nunca foi encontrado.
No antigo oráculo de Delfos, na Grécia antiga, em pedra está entalhado o dizer “Invocado ou não invocado, Deus está sempre presente.”
Tudo indica que o mal também esteja, e cabe a cada um pedir que não seja seu instrumento.
Ainda atônito, tomado por medo, o juiz deu por encerrada a sessão.
O réu? Está em toda parte. Deus me livre dele...

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Acontece

Prisão/Google












A toalha de mesa estava clara e bem passada. Aparecia discreto bordado.
O homem solitário já havia feito o seu pedido, e no momento bebia um excelente tinto, chileno. Em mesas próximas, a conversa era baixa; gente educada.
Quem está sozinho pensa com mais calma. O vinho descia suave na garganta e ajudava a liberar os pensamentos. Vida profissional sem correrias, consultor de investimentos. O antigo aluno de Mário Henrique Simonsen, falecido, mostrava a importância de um bom mestre.
O garçom começava a servir. Trutas com aspargos, rúcula e tomates pequenos. O garfo mostrou que estavam deliciosos.
Não, ele não entendia como tudo pode acontecer. Os dois elegantes estrangeiros que entraram na sua sala de trabalho, tiveram a orientação perfeita para o investimento. Foi feito, deu resultado e veio o convite para trabalharem juntos. Lucros divididos por igual, e ele entraria sem colocar um centavo do bolso. Bastava a indicação, e assunto resolvido.
A sociedade durou pouco mais de dois anos. Para a surpresa do homem que saboreava a truta com rúcula, a polícia federal havia prendido todos. O dinheiro aplicado era produto de crime, e do tipo que a justiça detesta: tráfico de entorpecentes, ecstasy vindo da Holanda.
A soma das penas foi grande. Tráfico de entorpecentes e lavagem de dinheiro. De homem rico e namorado de bela moça um pouco mais nova do que ele, sua vida mudou. Bens confiscados, a mulher sumiu com boa parte do dinheiro.
Mas a salada estava muito bem feita, o vinho agradando cada vez mais, talvez só esquentando o corpo. O calor aumentava progressivamente, estranho, ele não entendia, calor, muito calor, cabeça pesada, queria saber o que estava acontecendo.
Acordou banhado de suor na cela que ocupava, na penitenciária de segurança máxima. Foi dado como perigoso, na sentença que o condenou.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Não tem dono

O triunfo de Baco/Diego Velázquez











As noites de verão eram agradáveis. A suave brisa vinda do mar tornava a varanda do clube náutico muito simpático.
Os casais conversavam sobre os mais diversos assuntos, mas o mar, os veleiros e as técnicas dominavam a falação acompanhada de cerveja.
Se você conhece um clube náutico, sabe que existem dois grupos distintos: o grupo da vela e o das lanchas. Cada um tem sua rodinha. Por volta das onze, onze e meia da noite, iam-se embora.
Um casal jovem passou certa noite por um problema. Nada coisa séria, mas que ficou conhecido.
Moravam numa casa, e a mulher abria o portão para a entrada do carro, enquanto o motorista, armado, tomava conta. Era sempre assim, anos.
Certa noite, um tipo não arrebentado pela vida, mas também sem nenhuma aparência decente, completamente embriagado, tentou pular o portão de ferro que a mulher já havia fechado. Seu marido, ainda um moço de vinte e sete anos de idade, arma na mão, partiu correndo em cima do invasor. Ficou aliviado quando percebeu que não era assalto, ou diabo parecido. Apenas o velho conhecido bêbado do bairro que queria, conforme falou, dormir na varanda.
- Desce daí, moleque.
- Mas eu só quero dormir na varanda.
- Some.
- Vou entrar. Tô com sono.
- Você vai e levar um tiro se não descer agora.
- Então atira! - Ele havia aberto a camisa, desafiando. A esposa, bem jovem ainda, queria entrar na casa com o marido e chamar a polícia.
Casos como este não tem alternativa, gente moça, forte e ainda por cima armado, não suporta ameaças de invasão da sua casa.
- Rapaz, desce logo senão eu vou te encher de pancada.
- Valente, o garotão. Vem dar pancada, vem.
Têm certos fatos que não se explicam. Sem mais estar raivoso, o dono da casa falou para o empoleirado tipo no portão, não demonstrando raiva, mas imenso sarcasmo: “Não vai descer não? Olha, cu de bêbado não tem dono. Vai ser hoje”, e partiu para cima do vadio que não teve medo de arma, nem de levar uma surra, mas diante da ameaça, bateu o recorde olímpico, dos 200 metros rasos, acredito.
O casal riu muito com o fato, e a mulher não conhecia o velho ditado e brincadeira tão antiga. Riu muito, mas ficou espantada com o marido.
Sua inesperada reação resolveu o problema.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Bandidos

Soldado/Google











Gabinete fechado. O mais graduado falava manso para o capitão Callado, o “Coisa Ruim”.
Invadir morros perigosos é tarefa para quem conhece; não se admite improvisação. Mas aquela força contava com conhecedores profundos do local. Moraram lá até serem alunos da forças especiais do Exército. Usando máscaras pretas, não seriam reconhecidos. Todos os participantes usariam. Nada de ser reconhecido.
“Coisa Ruim” prestava a atenção devida, sentado diante ao superior.
- Não me faça prisioneiros. Não somos policiais.
- Certo, meu comandante. Escolhi os melhores homens.
- E não me faça, capitão Callado, passar vergonha. Afinal foram quinze fuzis FAL furtados. Quero-os de volta e o serviço de informações já deu a localização exata. Como está seu GPS?
- Em perfeito estado, comandante. No último teste que fiz, errou a posição por menos de um metro.
- Excelente, Callado! Tenho certeza do êxito.
- Não haverá erro, senhor. Vagabundo não furta o Exército e fica sem a punição devida.
A conversa final estava terminada. Para quem não conhece, GPS é um pequeno aparelho eletrônico, que captando sinais de satélites, fornece a posição do lugar, seja na terra, mar ou ar com extrema precisão.
O capitão Callado, o “Coisa Ruim” partiu depois da meia noite com a missão de trazer de volta os fuzis furtados. Ele mesmo escolheu seus companheiros, dentre os conhecedores da favela, lugar de gente trabalhadora, mas que abriga muitos marginais.
- Não quero nem vou admitir erros. Bem entendido, sargento?
- Capitão, ser comandado pelo senhor é uma honra. Entrego minhas divisas se não encontrarmos os fuzis. Se a posição está certa, senhor!
- Certíssima. Quem passou merece toda nossa confiança.
- Vai haver resistência...
- E nós vamos acabar com a resistência.
Os cabos que conheciam o lugar conduziram pelos mais estranhos caminhos. A eterna contradição fazia notar-se. Habitações paupérrimas, ao lado de antenas parabólicas de TV, outras a cabo, produto do banditismo.
Perto do lugar indicado, veio o primeiro tiro, com bala tracejante. Como se não fosse o mais do que suficiente para a localização, o supressor de chamas do fuzil que fez o disparo não estava em boas condições. Indicou o lugar do tiro.
Callado sempre conheceu o seu ofício. Os fuzis que lançam granadas pulverizaram o lugar. Ouviu-se uma gritaria medonha, estilhaço de granada faz estrago para valer.
Chegaram ao lugar. Uns mortos, outros muito feridos.
- Onde estão os fuzis, filho da puta?
A dura voz de Callado era para um ferido que sangrava muito.
- Fala que eu te levo para ser tratado!
O marginal acreditou. Não eram policiais, eram do Exército. Mostrou o lugar, indicando uma mangueira velha. Cavaram e lá estavam os fuzis, munições e alguns uniformes da polícia militar. Sucesso absoluto!
Mas “Coisa Ruim” sentiu o impacto forte no peito. Um dos feridos usou uma pistola 380. O colete não permitiu ferimento, mas a coronha do fuzil do capitão quebrou todos os ossos do ombro de quem atirou. A dor do vagabundo não podia jamais suplantar prazer do oficial.
Sua arma de serviço era a Colt, calibre 45. Mas preferiu usar, atirando na nuca, a Walter P.38 que sempre carregava consigo.
O capitão Callado recebeu elogios. Nenhum ferido e as armas recuperadas.
Histórias perversas, mas que acontecem todos os dias.

domingo, 4 de outubro de 2009

A Baia da Guanabara

A entrada da Guanabara/ams












Lembro dos tempos em que era um prazer enorme desfrutar das águas da Guanabara. São passados anos, muitos anos.
As praias não ofereciam perigo nenhum aos frequentadores, eram de águas limpas e tão transparentes que era possível ver os pés na areia, com a água pela cintura. Todas elas, com exceção de pequenos trechos onde havia, e ainda há, desaguamento de riachos, sempre sujos desde há muito.
Sendo morador próximo, a Praia de Icaraí era a mais frequentada, a princípio com os pais, e logo em seguida com os amigos, moleques que nem eu. Eram muitos, lembro-me de todos. Todos amigos que o tempo perpetuou, mas a morte separou dois, e algum mau acaso da vida separa outro.
Nas águas de Icaraí, sempre acolhedoras, aprendi a nadar com oito anos. Lembro-me a alegria e o contentamento que me invadiram, quando percebi que era capaz de ficar n’água sem tocar os pés no fundo. A partir deste momento, tornei-me useiro e vezeiro na pratica da natação, hoje infelizmente impossível em toda a baia, devido à poluição.
Nunca o mar era forte a ponto de impedir a saída dos banhistas. Quando havia ondas maiores, e algumas vezes ressaca, todos os habituados em Icaraí, que quer dizer “água grande e mansa” na língua original, o tupi, nada havia que impedisse a entrada na água, sem medo. Podia-se optar por duas formas de distração: ou se apanhava o famoso “jacaré”, descendo as ondas num surfe primitivo e adorável, onde a prancha é o nosso próprio corpo, ou enfrentavam-se as ondas, furando-as sucessivamente.
Não existiam correntes traiçoeiras, capazes de levar um mais afobado para longe, às vezes com trágica consequência. As correntes da Guanabara, até hoje, são bem fracas, comparadas com as de mar aberto, bem próximo à saída da baia. Cabe aqui um esclarecimento. Surgiu uma tese que a baia da Guanabara se inicia na praia de Piratininga, e termina nas proximidades do Forte de Copacabana. Tem sempre um inventor de coisas novas. A delimitação exata, desde o descobrimento da Guanabara por Gaspar de Lemos na primeira expedição exploradora (1501), é a linha imaginária que liga o Pão de Açúcar com a Fortaleza de Santa Cruz, inexistente na época do descobrimento, é óbvio, mas assinalada pelo promontório onde foi construída. O simpático jornalista e historiador Eduardo Bueno pode confirmar a afirmação.
Quando se pegava uma barca para fazer a travessia para o Rio de Janeiro, ou no sentido inverso, Rio - Niterói podia-se ver o nado sincronizado dos botos que gostam de exibir suas qualidades de nadadores-artistas, em bandos dando cambalhotas enquanto nadam.
Tudo isto faz parte do passado. Hoje, a Guanabara agoniza. Seu fundo de areia transformou-se numa lama que contém material orgânico em quantidade, das mais variadas espécies, inclusive esgoto.
São feitos planos e mais planos para despoluir a baia. Com a chegada dos Jogos Pan-Americanos, não se tem certeza de que as raias do Iatismo estarão dentro da Guanabara.
Segundo comentários de velhos conhecedores da baia, uma outra entrada, na posição onde se encontra o Forte do Imbuí, permitia o melhor fluxo da água. Estes mesmos comentários atestam que o canal foi aterrado, por razões de segurança na época das invasões, principalmente a francesa. No lugar do aterro, que impede outra entrada ou saída da Guanabara, construiu-se a Fortaleza que até hoje existe, mas militarmente está desativada.
Muitos estudos concluem que se novamente fosse aberta a passagem, muito mais rápida seria a recuperação da baia, pelo constante fluxo d’água que inevitavelmente iria acontecer. Seria uma dádiva para Niterói. Conheço o lugar falado. Aprendi a velejar com quatorze anos de idade, e conheço a área descrita tanto por dentro da baía, como pelo lado oposto, no oceano. Talvez, abrindo o canal outrora existente, mude todo o sistema de correntes e renovação da água que está contida na Guanabara, mas esta é uma opinião sem autoridade, pois não sou especialista no assunto. Tomar inesquecíveis banhos de mar, caminhar pela areia dando um mergulho quando em vez, aproveitar a tranquilidade da Guanabara para dar velejadas pelo menos duas vezes por semana, fato que não faço há anos, é uma coisa. Outra, bem diferente, é entender corretamente de despoluir massa d’água tão volumosa.
Existe outro aspecto interessante, neste local onde está localizado o Forte do Imbuí. Também quando mais jovem, com espírito aventureiro que caracteriza a idade, fomos eu e meus amigos, de bicicleta, passando pelo Forte, até Piratininga, praia oceânica de Niterói. O percurso, passando pela edificação do Exército, hoje tombado pelo Patrimônio, é muitíssimas vezes menor do que pela estrada que liga normalmente a cidade até aquela praia oceânica.
Cogita-se na construção de um túnel, que faria a ligação. Absurdo dos maiores, pois não acredito que o Exército ou o Patrimônio impediriam uma pequeníssima estrada capaz de levar com extrema facilidade o povo que perdeu uma das mais belas praias internas, por sujeira, até as límpidas águas do oceano.



Os incessantes trabalhos de despoluição começam a mostrar resultados. Há dias em que o banho de mar é permitido em Icaraí, por exemplo.