domingo, 12 de julho de 2009

O neto de Joca Ramiro

Sertão












Embora muitos não tenham lido Grandes Sertões: Veredas, do mestre Guimarães Rosa, sabe-se que muitos personagens seus existiram.
Joca Ramiro é chefe jagunço, e seu bando, poderoso. O imortal só não contou, faleceu antes disso, do seu neto, Carlos Ramiro, mas que conseguiu trocar o nome e sobrenome. Fato compreensível e natural. Ninguém quer carregar um nome tão pesado, ser conhecido como neto de jagunço que aparece no romance como um dos principais elementos, figurante de destaque.
Joca Ramiro tinha um filho. Raul, que pouco ou nada devia ao pai. Terminada a guerra de jagunços nos sertões mineiros, assentou-se numa fazenda e mantinha razoável criação de bois, quase todos comprados e alguns furtados. Enricar não teve tempo; a doença não permitiu. Mas ganhou bom dinheiro. Com quinze anos, Raul era sombra do pai, conhecia bem os negócios e a fazenda. Aos vinte anos, tomava conta de todos os negócios, enquanto o pai sofria com o reumatismo, mal podendo andar. Assim mesmo, montava e jamais abandonou o Nagan quarenta e quatro, conservado e sempre limpo, era uma das armas favoritas , o temível, o treme-terra conforme é descrito com maestria.
Até aí, nada demais. É fato costumeiro, onde as bocas permanecem caladas por cautela, os bandos não mais existem, mas os herdeiros não são menos perigosos. A boca só se abre bem para contar velhos causus, todos passados naquelas terras e proximidades. Toca a viola, muitos são bons, corre a cachaça de primeira ordem, fabricada e envelhecida lá mesmo, onde a disputa pela de melhor sabor é acirrada. Carne seca assada no braseiro, aipim, e tome lorota. Mas nada de meter-se na vida alheia: o risco é grande. Pior ainda é bandear-se de gracinhas com as mulheres. Esse não escapa.
Um velho e experimentado comprador de Carlos Ramiro, o neto do temível, o ferrabrás, quis ter um particular com o novo chefe da região. Carlos não se fez de rogado. Sabedor das astúcias do homem convidou-o a jantar. Coisa para ninguém botar defeito. Canjiquinha, feijão com arroz e torresmo, couve cortada fininha, farofa de linguiça e todas as honras da casa. Mais novo, o neto de Joca Ramiro tinha tomado o comando dos negócios.
Nesta conversa, após o jantar delicioso, não teve cantorias, nem vizinhos, nem nada. Apenas os dois, no alpendre confabulavam.
- Você não é político, Carlos.
- Qual, isto não me interessa!
- Interessa por demais. Tem estudo. O diploma comprado foi mais uma idéia formidável do seu pai.
- E daí?
- Daí que você pode ser eleito com facilidade por este povo. Deputado federal, não fazemos por menos. Além de nos defender, fica muito mais rico.
Isto faz alguns anos. O antigo deputado, hoje senador, honra o nome do avô, Joca Ramiro. É um bandido perfeito.

3 comentários:

Jailton da Matta disse...

E o líder da bancada, Jorge, é o neto de Sô Candelário.
Parabéns pelo humor negro, ao mesto tempo engraçado.

Delmo Salvatti disse...

Talvez um pouco ofensivo a alguns.
Mas eles compreendem. A maioria é exatamente assim. O melhor foi a divulgação do Rosa, um belo tibuto.
Uma boa idéia divulgar seu site atráves do Vote Brasil.

Caio Martins disse...

Depois da estrada tem mais estrada, do sertão tem mais sertão... E, de quebra, uma canelada justa e merecida no jeito sem-vergonha de se fazer política. Muito bom.