terça-feira, 7 de julho de 2009

Quero amar você

Amor














Jovem ainda, com 28 anos de idade. Rosto e corpo perfeitos.
Mas nada interessante os distúrbios característicos da mulher. Sangue em hora errada, às vezes em demasia. A consulta ao ginecologista foi imediata. Tumor maligno no útero, histerectomia feita. Tratamento quimioterápico. Com suas consequências. Perda dos lindos cabelos dourados, emagrecimento, mal estar. Mas ela resistiu bem. Aparentemente, os sintomas cessaram.
Voltou à vida normal. Era modelo de lingerie há dois anos. Razoável nas passarelas, quando engordou um pouco e uma firma famosa fechou o contrato. Uma das mais belas apresentadoras de peças íntimas.
Cada um tem o espaço que merece. Ela não tinha nada o que reclamar, profissionalmente. Mas por dentro, o sangue jorrava. Não poderia mais conceber, e o cretino do marido deixou-a, por este motivo.
Continuou firme, já havia passado por casos piores. Colocou os do sexo oposto como ingratos e aproveitadores. Viveu assim algum tempo. Morava sozinha, apartamento pequeno, mas enfeitado por mãos carinhosas. Dava gosto ver o que a bela modelo havia feito e transformado.
Não era rica. Mas o que conseguiu amealhar comprou sua casa, em poucas prestações e o carro. Era o que bastava, as amigas estavam de acordo. Como vinha de cidade do interior, sabia usar o fogão com arte, embora a maioria das vezes, em virtude do trabalho, alimentava-se fora.
Gostava de boa leitura, assim como da música. Como a história está escrita, o maktub dos árabes, conheceu numa livraria um entendedor pouco mais velho. De nada considerou as idades. Sempre teve vontade de ler O Velho e o Mar, mas nunca encontrou o mais belo livro escrito nestes últimos séculos. O homem, que talvez pudesse ser seu pai, ouvindo sua conversa com o vendedor, delicadamente disse que teria o maior prazer em emprestá-lo.
Nasceu daí uma bela união de espíritos, que sem muito tempo se transformou num belo amor recíproco. Combinaram cada um morar na sua casa. O que não valeu muito; estavam ambos apaixonados.
O que seria da vida se não fosse o amor? O fato é que se amaram muito. Até que um dia, no delicioso café matinal, onde não faltavam frutas e queijos, veio a confissão. Abraçados fortemente, fizeram um pacto de amor eterno. Em três meses, ele segurando a mão firme da amada, numa cama de hospital, escutou a frase final.
- Quero viver. Quero amar você!
A mão fez-se fraca. Aos poucos, a amada morria.

4 comentários:

Itinerante disse...

Profundo demais. Obra de autor russo.
A ilustração ainda aumentou o impacto. Parabéns, sr. Jorge Sader.

Rita de Cássia Andrade disse...

"O que seria da vida se não fosse o amor?"
Precisa dizer mais algo, em hora tão certa? Embora triste, parece mesmo obra de autor russo, ou melhor, uma mistura, pois Shakespeare se faz notar, influenciando muito. Li outras, crônicas, todas dignas de elogios.

Caio Martins disse...

Jogo duro, ou, estendendo teu título, dura regra de jogo. Quando lemos crônica assim, vemos que ainda falta tudo para entender o amor como libertação. Algumas vezes, deixamos partir, em voo próprio. Outras, somos só estação de passagem, circunstância propícia e necessária. Pega na veia, o "Quero amar você".

Márcia Sanchez Luz disse...

Linda crônica, Jorge. Como bem disse o Caio, amor verdadeiro é libertação. E dói, dói muito! Mas nos faz crescer...

Obrigada pela partilha de tão comovente texto.

Beijos

Márcia