segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Almoço

       

            Quem escreve deve ter um mínimo respeito pelo leitor, pela crítica e por si mesmo.
            Dia claro, temperatura amena e local tranquilo, sem barulhos da rua, embora estivesse no centro de grande cidade, numa mesa espaçosa, a conversa comia solta.  Aguardavam a chegada das primeiras postas de bacalhau frito, para ser mais exato, filé do peixe tão gostoso.
            — Cheiro maravilhoso! — Quem falou foi um homem elegante, terno muito bem feito, para ser mais exato, completamente ajustado naquele já de alguma idade, sorridente e muito bem barbeado.  Tem gente que é assim. Aonde chega, lembra o trecho de Camões “Cesse tudo o que a antiga musa canta / Pois outro valor mais alto se alevanta.”
            Vieram as primeiras postas.  O cheiro e a cor encantavam.  A fome estava presente, mesmo com fartos goles no vinho branco português, primeiríssima qualidade.
            — Excelente!  Que gosto!
            — Confesso que parecido, ainda não comi.
            Não tinha espinhas, havia sido frito no azeite extravirgem, naquela época ainda desconhecido fora dos países mediterrâneos.  Hoje, até o selvagem boteco da esquina, para disputar a freguesia, faz frituras naquele azeite, que tudo transforma em maravilhoso, se bem e com carinho for feito.
            — Mas diga, mestre.  Por favor, não é exploração, quero apenas melhorar a escrita, convencer, não ser falso.
            — Pois digo! Se há uma coisa que eu gosto é ensinar, se jeito não me falta, por que esconder dos outros?  É simples.  Não engane, não procure ser o doutor, seja direto e invente.  Não há invenção, a gente repete tudo.  Fale como estivesse contando uma história para moços, eles entendem tudo.
            — Tem gente que não gosta da maneira.
            — Não são bons leitores. Mas eu entendo. O novo nunca é bem aceito.
            — Sempre?
            — Na maioria das vezes, meu jovem amigo, na maioria das vezes.  O desconhecido sempre mete medo!  Veja a Morte. Tem medo dela?
            — Não sei responder.  Medo como, se algum dia vou mesmo?
            — Isto!  Mas poucos reconhecem!  É a verdade.
            — Mas por que raios muitos querem aparecer, só isso, sem construir nada?
            — Não julgue mal. É vaidade, nada mais senão isso, não leva a nada, mas eu, você e todos temos isso.
            — Aparecer?
            — Nem tão exatamente isto.  Afinal, somos nada, mas é difícil suportar carga tão pesada.  Não se trata de aparecer.  O fato é mais sutil, delicado, e deve ser entendido com extrema compreensão. Seja humilde, repito.  Não procure enganar.  Repito também.  E não invente, seja sincero e direto.  A fantasia nada mais é do que a realidade bem contada.
            Quem são estes?  Um, um romancista sem nome.  Outro, o escritor João Guimarães Rosa, num almoço de tempo longínquo, mas bastante vivo e feliz.



13 comentários:

Anderson Fabiano disse...

Sempre creio que me faltou um almoço como esse.
Claro que faltou um Guimarães também. Mas, ao menos o bacalhau eu posso comer. E com bons vinhos também. Já o extra virgem... difícil de encontrar numa terra que carece de reconhecimento aos bons escritores e comerciantes de azeite honestos. Soja por soja prefiro Soya ou Liza. Pelo menos têm a humildade de não se passarem por azeite.
Meu carinho,
Anderson Fabiano

Celso Panza disse...

"E não invente, seja sincero". Essa a grande razão de estarmos vivos. " Afinal, somos nada, mas é difícil suportar carga tão pesada." Viver dá trabalho, viver com mediania de valores, mais ainda, vendo no semelhante um irmão em suas dores e infortúnios. Para isso se tem a escrita, os que se aparelharam minimamente para escrever, transmitir o que é bom,mensagens, sem atavios e ornatos, ao menos no valor de princípios médios conquistados pela civilização e permanentes. Mas dá-se o contrário muitas vezes. Por quê? "Mas por que raios muitos querem aparecer, só isso, sem construir nada?""É vaidade, nada mais senão isso, não leva a nada, mas eu, você e todos temos isso." Quem não não tem a boa vaidade não gosta de ninguém ,pois não gosta de si mesmo. Por se punir sem perceber, em seus intrincados conceitos restritivos, tem a visão punitiva do que é certo como errado. " — Não julgue mal.", "A fantasia nada mais é do que a realidade bem contada." Essa a face de quem julga mal, e julgamentos devem ser institucionais, é bíblico "Colocarei juízes nas portas de Israel", como no Antigo testamento. E de azeite, embora italiano de sangue, e gosto muito deles, consumo o Mondegão, português, de forte sabor. Abraço. Celso

28 de setembro de 2015 12:10

Carmem Velloso disse...

Sei e conheço esta história, Jorge. Você já contou no Recanto, não exatamente assim, mas bastante parecido. Seguiu os conselhos do mestre Rosa, mas ainda hoje permanece desconhecido, mesmo tendo publicado nos Estados Unidos. Espero que tenha absorvido as palavras dele; o resto não importa.
Beijo
Carmem

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Ta ai, gostei do que li! E creio que os senhores Anderson Fabiano e Celso Panza, deveriam estar presente neste Almoço tão aguçado, estimulando o bom paladar!
Só mesmo um bom "contista" para deixar o leitor intrigado! BRAVO!!!
ABRAÇOS,
Efigenia Coutinho Mallemont

Marcelo Sguassábia disse...

Quem dera um encontro desse naipe, ainda que fugaz e breve. Grande Jorge, que rica experiência. História é o que não lhe falta para contar. Abraços.

Celso FelícioPanza disse...

Jorge Cortás Sader Filho, o "jorginho", meu amigo datam sessenta anos, AFILHADO DE
CRISMA, imagina. Comento seus textos com o prazer que você conhece que temos em nossa amizade durante toda a nossa vida e com proximidade de irmãos. Em razão disso, total e integral liberdade temos,sempre tivemos e teremos enquanto estivermos vivos, com nossas franquezas e posições. Mas esse espaço é público, e pessoas desconhecidas tecem considerações ao que declinamos, e por vezes não alcançam nossas mensagens com assoalho em nossa amizade. O silêncio é de ouro, a palavra de prata. Jargão comezinho,mas o maximamente comum poucos entendem. Uma dessas pessoas foi ao meus espaço em blogue que me distraio "escrever" coisas desconexas. Agora vejo considerações sobre o que escrevi, e sendo mulher, E DESCONHECIDA, assisto à inconveniência externada e silencio. Minha educação não desborda da limitação desejável. Assim peço que qualquer comentário sobre seus textos,como sempre fazemos, querendo, me peça via telefone ou email, para que possa ficar nas balizas que gosto de exercer. Um abração. Celso

marcia disse...

Lendo ,aprendendo, pra um dia escrever um 'pouquinho' do que você escreve...Maravilhoso,surpreendente e como sempre... elegante...bjus

AIDA disse...

Pela propriedade com que relata, não é dificil imaginar quem era o parceiro de Guimarães Rosa nesse almoço.
Parabéns Jorge, pelo requinte da descrição, senti o cheiro do óleo e do bacalhau.
Abraços

Nadir D'Onofrio disse...

Prendeu minha atenção a leitura regada, ao aroma
do vinho branco e das postas de bacalhau no azeite, afinal
sou humana, e apreciadora de bons sabores!
Uma aula, Jorge, se eu fosse escritora seguiria esses conselhos,
não sou, dessa forma leio, e prestigio os amigos, que são!
Gostei do Almoço!
Cumprimentos.

Nadir D’Onofrio

Marco Bastos disse...

Extremamente bem escrito. Fluido como o vinho, apetitoso como o bacalhau. Parabéns pelo conto, prezado Jorge.

Shirley Brunelli disse...

Pois é, querido Jorge, não há nada de novo abaixo do sol, depois de Platão, tudo é mera citação. Assim, vivo garimpando nas latas de lixo do Universo, na tentativa de encontrar matéria prima para escrever com maestria, como você.
Abraços!!!

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Magnifico este belo texto e tudo à volta de um bom almoço como devem ser as boas conversa à mesa sabem melhor.
Um abraço e bom Domingo e muito obrigado pela visita ao meu humilde blog.

Unknown disse...

Jorge, tens uma capacidade incrível ao descrever. Tuas descrições são plásticas, dá para filmar, para desenhar. Por isso gosto de ler-te. Abrs