segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Ela

                                          

             Difícil esquecer.  Aliás, não é difícil, é impossível.
            Gente que entra, muitas vezes sem pedir licença, na alma de outros.  Repare, mire, veja: nunca são feias ou inexpressivas.
            Carnaval.  Conversa sem maiores implicações ou responsabilidades.  A cerveja especial bem gelada, e os petiscos deliciosos.  O bar, no Rio, é famoso até hoje por causa disso.  Limpo, bem iluminado, continua ser local para encontros entre conhecidos íntimos, e desconhecidos que pretendem ver um a alma do outro.  Tarefa difícil.
            Linda, lindíssima.  Vestia branco, o que ressaltava sua pele dourada e seus olhos de mel.
            A conversa corria mansa, num quiosque de praia famosa do Rio.  Já haviam tomado juntos, boas talagadas do manjar. Linda, simplesmente linda a moca doirada.
            — Você me encanta!
            — Ora, o sentimento é recíproco.
            Ela era uma deusa jovem, ele poderia, talvez, ser seu pai.
            — Não vê nossas diferenças?
            — Que diferenças? Sou uma mulher formada, não enxerga?
            Situação delicada.  Um querendo a outra, casal de mulher jovem e homem nem tanto.  Ah!  Famosos.  O que pode tornar tudo muito mais fácil, ou escandalosamente mais difícil.  O mais delicado era seu corpo.  Não só o rosto lindo, mas suas formas perfeitas e atraentes. Elegantes e educados.  Facilita tudo!  Boas uniões necessitam de pares parecidos; não iguais, mas parecidos. Educação, comportamento.  As disparidades servem para afastar e o tempo mostra isso.  Deram um mergulho e, mãos dadas foram para casa.
            — Não vou tomar banho com você.  Ainda tomo um uísque.
            — Vai, burrão!  Assim perde a oportunidade de me agarrar nua.
            — Ora, o dia não acabou.  Começou a escurecer agora.  Está com ideia de sair, comer fora?
            — Não.  Tem muita coisa na geladeira, a começar pela salada de grão-de-bico.  E eu quero é comer você — gargalhou quando disse.
            Sabe, é verdade, tem muita gente que se ilude com isso.  Falta de maturidade, experiência e observação.  O homem pensa que manda, que ele comeu, a palavra parece ordinária, tirada de texto vagabundo.  Nada, isto não existe mais, é comeu mesmo.  Continuando: ele não percebe que a escolha não é só sua, mulheres são voluntariosas, é característica delas, escolhem seus homens e não são comidas por eles, comem também, muitas vezes com muito mais vontade, um furor mesmo.  

            Estavam limpos e perfumados do sabonete de qualidade.  Uísque não combina com grão-de-bico, mas era Carnaval, estavam preparados, cerveja não faltava na geladeira grande, sem contar as acondicionadas nas caixinhas de papelão.
            Carnaval... Enquanto a segurava nua, maravilhosamente nua e desejosa, lembrou como tudo começara.  Não a conhecia bem, era um sábado de Carnaval e levou o convite direto:
            — Vamos para a casa de meus pais em Caxambu?
            Ele não foi, não poderia ir, era casado com outra.  Um casamento doente, errado, mas o convite não poderia ser aceito.

            Dizem, ninguém sabe se é verdade, que tudo está escrito.  O maktub dos árabes é um mistério.  O mais interessante é que até hoje, nunca ficaram uma só vez em Caxambu, origem de tudo. 

14 comentários:

Caio Martins disse...

Dizia meu vô jagunço: pra burro véi, capim novo! Você respondeu, meu caro Mestre, a pergunta formulada dias atrás, sobre as Musas...

Shirley Brunelli disse...

Pondo de lado o fato de que você escreve maravilhosamente, estou perplexa com o cara, com a moça, com as coisas como são. Compreende? Pois é...
Jorge, talvez eu volte depois... :)
Beijos!!!

Celso Felício Panza disse...

O "vêio" com a moça, esse viagra permanente que não foge da imaginação do turco, com os "destilados" de sempre, um pouco sem gosto com o "grão de bico",pobre em sabor, não ajudam muito, só botam para baixo,bota baixo nisso, unidos ao sonho de alçar voos maiores, pior, sem asas para tanto, coisa de "vêio". Mas existem voos possíveis, é só sair das conjecturasm e clausuras severas, mesmo ficcionais, e entrar na realidade, respirar vida, difícil, concedo que seja, depois do hábito, que segundo Shakespeare, é segunda natureza, mas caminhar com voos compatíveis, ao menos, voos felizes, extremamente felizes, é só abrir o espírito para os espaços acessíveis. Os "vêios" são difíceis, turrões e surrealistas, meio burros, embarcados, digamos, numa babaquice histórica, trazida de outros tempos, tipo sequela, um tanto psicóticos como o velho desse do conto, coitado. Dá pena.... E olha que tem velho que dá sorte com moça, ganha bola delas, cantada mesmo,mas dispensa, por dignidade e diferença de geração. Abraço.Celso

Unknown disse...

Quem sabe o incesto dele e dela, tornem este amor romantico mais picante,Jorge.
Gostei, muito bom.
Meu abraço.
Suzana.

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Carnaval, aval da carne. Uma maturada e outra baby-beef, no caso! Muito bom, Jorge.

Célia disse...

Haja apetite... Cardápio ótimo para se degustar... Difícil será a digestão, com certeza!
Abraço.

marcia disse...

No carnaval até o impossível pode acontecer...Bjus

Carmem Velloso disse...

Há farta literatura sua sobre este assunto no Recanto, Jorge.
Habilidosamente, nunca é possível saber quem são os protagonistas. Você escreve; o leitor interpreta como bem quiser.
Ficou excelente!
Beijo
Carmem

Sueli Fajardo disse...

As pessoas buscam, o tempo todo, duas coisas efêmeras: juventude e beleza física. Porém, lá no fundo, o que a grande parte delas quer realmente é amar e ser amada.Dá para entender... Gosto muito do que escreve. Continue expondo a alma humana.Beijos, meu amigo!

Tais Luso de Carvalho disse...


Conto real, tudo é possível em se tratando de relacionamentos desse tipo. Estava na cara, desde o começo...
Escreveria o mesmo comentário da Célia, assino embaixo.
Abraços, Jorge!

Anderson Fabiano disse...

Ai dos poetas se não fosse a mágica insana da criação... sempre gosto das soluções literárias paridas pela insanidade consentida...

Meu carinho, parceiro,
Anderson Fabiano

AIDA disse...

Fez aflorar toda a volúpia e sensualidade que talvez já estivessem um tanto adormecidas,hem Jorge?

Rita Helena Neves disse...

Pois é, Jorge...

Vera Fracaroli disse...

Há carnaval! Promessas frenéticas e sensações mirabolantes que nos fazem perder o juízo!!!
Belo conto!
Parabéns como sempre inspiração mil!!!
Beijo Jorge.