sábado, 11 de junho de 2016

Uma história de amor

                                     

                   Nestes dias conturbados, onde o tumulto domina as ruas, as praças, os prédios públicos e especialmente o Congresso, vale muito um refrigério, uma história de amor.
            Os melhores conhecedores do casal Jorge Amado e Zélia Gattai, além dos depoimentos pessoais de ambos, em entrevistas diversas, lembram momentos de amor, compreensão e companheirismo ao longo de cinquenta e seis anos de casados.
            Jorge e Zélia gostavam de terminar o dia, vendo a tarde morrer, juntos sentados ao pé de uma mangueira grande que até hoje existe na casa onde viveram, no Rio Vermelho.  Ali conversavam sobre o dia que se acabava, suas impressões sobre o mesmo, o que tinham sentido e escrito.  Uma confissão mútua, enfim.
            Sendo ambos escritores famosos, destas conversas devem ter nascidos romances também famosos.  Quais, nunca saberemos, ninguém nunca falou sobre isto. Mistério, o que sempre fascina o homem comum e mesmo outro escritor. O fato é que estas conversas de fim de tarde, íntimas e naturalmente muito proveitosas, prolongaram-se ao longo do tempo.  Parece que “Tocaia Grande” teria nascido assim, mas certeza não existe.  Jorge sempre se disse um grande “contador de causus”, o que ele foi realmente, além de notável escritor; não gostava de revelar sua intimidade como um grande contador de histórias.
            Fascinante!  Que mais chama a atenção do homem do mistério, que afinal se torna verdadeiro?  Difícil dizer.  O fato é que não há ficção nesta história.  Tudo isto aconteceu realmente, ou seja, um casal de humanos tinha hábito de terminar o dia vendo sentados, sob uma mangueira até hoje existente na casa famosa.  Aconteceu, é o fato mais importante.  O que conversavam fica por conta da intimidade dos dois, parece que não devemos nos intrometer nisso, uma velha e costumeira mania de todos nós.
            O tempo flui, e corre depressa.  Até hoje lembro as entrevistas, vistas ao vivo na televisão, tanto de Jorge, como de Zélia. Ficaram guardadas na memória. Eram apaixonantes!  Mas Jorge foi-se.  Cremado, suas cinzas foram depositadas ao pé da velha mangueira, onde conversava com a mulher.  Um ato que viria a ser milagroso, no sentido mais extenso da palavra.
            Ninguém é eterno, uma afirmação banal.  Passados alguns anos, a querida Zélia, nossa querida, uma grande mãe, falecia também.  Por decisão da família, especialmente da filha Paloma, foi cremada e suas cinzas jogadas ao pé da mesma mangueira onde conversava com o seu Jorge, e que ali também está até hoje.

            Sem mais palavras, incapazes de traduzir um sentimento.  Mas é a verdade.  Verdade de um amor eterno.

13 comentários:

Gil Façanha disse...

"Verdade de um amor eterno"... que difícil aceitar que os amores de hoje, nada têm de eterno. Com toda certeza a base desse amor foi o diálogo. Assim acredito. Um belo exemplo. Fico imaginando quanto de cada um foi revelado para o outro sob aquela árvore. Na verdade, fico imaginando mil coisas que são esquecidas e que podem fazer de um amor..eterno. Lindo texto.

Shirley Brunelli disse...

Maturidade, respeito e amor, são ingredientes para que um casal permaneça junto por tanto tempo.
Alma gêmea é um assunto muito sério, esotérico, profundo e raramente acontece. Talvez, esse encontro insólito e maravilhoso, tenha ocorrido com eles.
Texto lindo, Jorge!
Beijos!

marcia mesquita disse...

Fiquei com uma inveja de ter um amor assim
:)

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Belo texto o seu xará lhe inspirou. Abraços, Jorge.

Nadir D'Onofrio disse...


Jorge a data, Dia dos Namorados não poderia receber, homenagem, melhor!
Sua lembrança foi feliz, assim como a crônica,relembrando o querido casal de escritores.
Quantos diálogos à sombra da velha mangueira e, ali puderam ter suas cinzas depositadas, isso é lindo!
Abraços.
Nadir


petuninha disse...

Estes são os verdadeiros amores. Sinceros, pacientes, tolerantes e respeitosos uns para com os outros. São verdadeiros porqUÊ SENTEM dentro de si mesmos as verdades que habitam em cada ser que sente algo profundo, transcendente dentro de si mesmos e que se expande para um espaço imenso.

Abraços.

Carmem Velloso disse...

Jorge, parece que você se especializou em fatos marcantes da vida de grandes escritores brasileiros. Sua bela crônica não é igual, mas mostra também a grandiosidade do relacionamento entre Guimarães Rosa e Aracy, que salvaram muitos e muitos judeus, correndo risco, no tempo em que o escritor era diplomata na Alemanha. "Aracy", é o nome dado ao texto, se não me engano.
Beijos
Carmem

Célia disse...

Pautar um relacionamento na cumplicidade e doação é viver momentos amorosamente marcantes. Experiência própria.
Abraço.

Tais Luso de Carvalho disse...

Muito bonita sua crônica, Jorge. Mas hoje não não é fácil encontrarmos amores baseados na cumplicidade, no companheirismo, no desinteresse. Tudo é muito imediato, e nessa, não dá. A própria casa do casal era lindinha, um ninho...
Casal maravilhoso, bem própria a homenagem no Dia dos Namorados.
Grande abraço, congelado aqui do sul!!

Caio Martins disse...

Perfeito, Jorge! De fato, impecável! O seu xará e Zélia souberam viver a vida, nos mistérios de sua intimidade absolutamente preservada. Merecem nossa admiração e respeito! Parabéns pela crônica, exemplo raro de bom jornalismo. Abração!

Rita Lavoyer disse...

Suas inspirações eram recíprocas.

Anderson Fabiano disse...

Jorge Amado era mesmo um mistério. Seria por causa do nome? Vai saber...
Havia dois lugares que o bom baiano curtia: a mangueira e a rede da varanda. Conta a lenda que um dia, Caetano foi visitá-lo e, recebido por Zélia, recebeu orientação que Amado estava na varanda. Íntimo da família, Cae foi até lá e encontrou nosso grande Jorge, o Amado, sentado nú, com as pernas abertas diante de um ventilador. refeito do susto Caetano perguntou: Que isso Jorge? Resposta: Na Bahia faz muito calor...
Coisas de baianos geniais.
E você, continua amado e escrevendo como convém aos Jorges.
Meu carinho, parceirinho querido,
Anderson Fabiano

Sílvia Mota disse...

Uma história de amor, que revela a força desse sentimento através do tempo e do espaço. Bela e verdadeira, tão difícil de ser encontrada nos dias de hoje... Tua crônica é bela! Parabéns!