segunda-feira, 12 de março de 2018

Emasculado

                                           

            Dizem que a vingança é um prato que se come frio.
            Euclides comeu gelado.  Não, não é o famoso geômetra que lançou ao mundo o famoso postulado.
            Apenas, mais um desses pobres coitados que sofrem com a vida e com quem o cerca.  Euclides ganha pouco, vai de trem, ganha quase nada, é pouco criativo, fluminense doente, feio, duro e já meio impotente.  A mulher não ajuda em nada, persegue o infeliz desde que ele acorda até a hora de dormir.  Feliz do homem enquanto está no trabalho repetitivo e neurótico.
            Dia desses, ele saiu para dar uma voltinha perto da fábrica onde trabalha.  Numa cutelaria, viu uma faca sueca, soube depois pelo vendedor, que o encantou.  Bonita, boa pegada, ele tinha sido agricultor quando jovem, viu a qualidade do aço, cortante como navalha.  Comprou a faca, na bainha de couro cru.
            Voltou à maldita fábrica, esperou a sirene que dava por encerrado o maldito trabalho, pegou o maldito trem que o levava para a maldita casa de volta.
            A mulher não estava com bons bofes.  “Bebendo cachaça, vagabundo?” “Trabalhando”, respondeu o homem.  “É, quantas vagabundas tinham neste trabalho?”
            Ele já não suportava mais.  Botou o órgão para fora, pegou da faca e cortou pelo meio, ou perto dele.  Na frente da mulher.  Ela ficou imobilizada, pela cena.  Imobilizada morreu com a certeira facada que acabou com seus ventrículos.
            Não duvide!  Acontece. 


A plácida foto que ilustra? Ora, é um contraste.  Afluente do Velho Chico, onde nasce. 

16 comentários:

Caio Martins disse...

Eita! Cabra ruim das ideias, mesmo! Matusquela de carteirinha! Era só dar um chá de sopapo, catar as tralhas e cair no mundo, sô!
Abração, Mestre Jorge! Cada vez melhor!

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Sim, acontece. Mais amiúde do que se imagina, óxente.

Célia disse...

Que desperdício!
Abraço.

Rita de Cássia Zuim Lavoyer disse...

Jorge, que personagem mais fracassado e esse Euclides, hein!?
Seria o alterego de alguém??

Nadir D'Onofrio disse...

A vida nem sempre, é um mar de rosas, casos de desentendimentos
entre casais tornam-se, cada vez mais comuns.
Esse especificamente levou o personagem ao extremo,
desespero, incapacidade de resolver conflitos, causa tragédias!
Para ela a maldita vida que, também levava, deu para perceber isso, em sua crônica,
teve fim, graças a faca sueca, e a ira que o Euclides reprimia.
Quanto ao emasculado, se não morreu lembrar-se-á do episódio
pelo restante de seus dias.
Grata pelo envio do convite, Jorge!
Obs- A imagem da nascente é linda!
Abraços
Nadir

Carmem Velloso disse...

Jorge, seu estilo de escrever está muito bom. Concordo com Caio. Em compensação que diabo de conto inventou hein? E ilustra com uma nascente de um dos rios que fazem o grande São Francisco, na Canastra.
Gostei, mas sem faca. Os estragos são grandes!
Beijo, Carmem.

Tais Luso de Carvalho disse...

Cruzes... é macabro demais, mas não duvido das loucuras humanas! Jamais.
Hoje, as pessoas se casam sem saber quem é quem...Em 2 meses já se enrolam.
Conto muito criativo!
Beijo, amigo, uma boa semana.

marcia disse...

Jorge concordo com a opinião do seu amigo Caio. Trágico mas com um final (como sempre) surpreendente...Bjus

_ Gil António _ disse...

Pobre, meio impotente, entre outras "misérias" só podia ter um final que teve. Mas cortar o bichinho? Vai lá vai, lool
.
* Se te amar for pecado ... Então sou um Pecador *
.
Cumprimentos poéticos

Majo Dutra disse...

Concordo com o Caio.
No entanto, a arrepiante tragédia revela que o homem era corajoso.
A miséria é, mesmo, má conselheira e torna as pessoas violentas.

Excelente fim de semana.
Saudações cordiais.
~~~~

Elvira Carvalho disse...

É verdade que sim. Muito mais vezes do que se imagina. Surpreendente, é a auto-mutilação.
Obrigada pela visita ao meu humilde espaço
Um abraço e bom Domingo

CÉU disse...

Olá, Jorge!

Sei que é um excelente escritor e o seu fantástico texto, bem escrito e engendrado, não me espantou, nem um pouco.

Não duvido, que situações dessas sucedam, mas é preciso estar muito farto de tudo, sobretudo da vidinha que levava e da mulherzinha que tinha para chegar a tal ponto.

Havia outras soluções: arranjar ou tentar arranjar novo emprego e outra mulher, que compreendesse a situação. Amor se pode fazer de muitas maneiras, mas eu sei como funciona a mente do homem, em geral.

Adoro a sua escrita. Grata pelo momento de leitura, que me fez cogitar.

Abraços e bom fim de semana.

_ Gil António _ disse...

Passando, elogiando, e desejando um domingo feliz.
.
* Mulher de Pedra, dormindo entre a Verdura. (Poetizando e Encantando). *
.
Cumprimentos poéticos.

Acrescenta Um Ponto ao Conto disse...

Boa reflexão sobre tempo actuais.

Convidamos a ler o capítulo VII do nosso conto escrito a várias mãos "Voar Sem Asas"
https://contospartilhados.blogspot.pt/2018/03/voar-sem-asas-capitulo-vii.html

Feliz Páscoa!
Saudações literárias

CÉU disse...

Boa noite, Jorge!

Tudo bem? Eu, razoavelmente.

Tinha saudades de você, das seus textos, é isso! Por aqui, ainda não há novo post, mas eu entendo. Eu posto de mês a mês e como fui operada à mão esquerda no mês passado, tenho que ir de mansinho.

Tenho post de 21 de março, que não sei se você comentou ou não. O mais importante mesmo é a confraternização das palavras.

Um beijo e uma excelente semana. Aqui, está frio e tempo cinzento.

Celso Felicio Panza disse...

Já vi coisa, mas isso tá pesado. Abraço