sexta-feira, 27 de maio de 2022

"À sobra das chuteiras imortais"


 


“À sombra das chuteiras imortais”

 

 

 

Quando uso o título, que era uma coluna de Nelson Rodrigues, quero prestar uma homenagem ao nosso teatrólogo maior, a Newton Santos e a Garrincha.

Quem contou esta história, na coluna que me apoderei do nome, foi Nelson.

O Brasil jogava a Copa de 1958, na Suécia, onde após luta feroz sagrou-se campeão do mundo pela primeira vez.  Invicto!

Eram os áureos tempos de Didi, Newton Santos, Garrincha e um menino que aparecia, chamado Edson e apelidado Pelé.

Deixo o futebol de lado e passo aos fatos.  Garrincha era um cidadão que nunca ninguém conseguiu definir; se um pouco retardado ou incrivelmente ingênuo.

O fato é que viu numa loja em Estocolmo uma raridade com que todos sonhavam: um pequeno rádio de pilha. Desejo de qualquer um no Brasil possuir a cobiçada peça.

Não duvidou.  Comprou o rádio e chegou feliz com ele na concentração.

Ligou o rádio, mas as estações suecas não paravam de falar, e ele ficou muito decepcionado.  Quis trocar o rádio, mas o velho Newton Santos, seu protetor até a morte, prontificou-se.  Comprou o radinho.  Fez questão.

Newton pagou a mesma quantia que Garrincha e ficou com o rádio.

Foi o que bastou para o homem das pernas tortas, terror das defesas inimigas, sair contando que “o compadre Newton deve estar doido. Fez questão de comprar um rádio meu que só fala uma língua que ninguém entende.”

A Copa foi ganha, o Brasil vibrou e apareceu no futebol o tal garoto genial, o Pelé.  Encantou o mundo, e em pouco tempo o apelido de “Rei” foi dado e dura até hoje, merecidamente.

Chegando ao Brasil, mesmo no avião, Newton Santos ligou o famoso radinho que comprara de Garrincha.  Falava um português perfeito, captando as emissoras locais.  Garrincha não entendeu nada!  Rindo, seu velho amigo devolveu o aparelho ao antigo dono.  Não quis de forma nenhuma receber o dinheiro, embora Garrincha insistisse.  O pobre Mané não sabia que na Suécia o rádio só iria pegar ondas locais mesmo.

Ficou numa alegria de menino, coisa que ele nunca deixou de ser, e contava para todos sobre a bondade do amigo.

São coisas do futebol; coisas da vida.


imagem:  Newton Santos, ainda jovem

5 comentários:

Elvira Carvalho disse...

No mundo do futebol antigamente andava muita gente com uma ignorância igual ao seu talento. Alguns era praticamente analfabetos, mas sabiam lidar com a bola como ninguém. De modo que de vez em quando ouvia-mos contar com cada coisa que parecia anedota.
Abraço, saúde e bom fim de semana

Carmem Velloso disse...

Se não me engano, esta crônica foi a mais lida do Pravda, quando Jorge ainda escrevia lá!
É realmente muito interessante, pois aconteceu exatamente como ele escreveu! Parabéns e beijo, querido!
Carmem

Eduarda Krass disse...

Talvez a melhor crônica de Jorge no Pravda. Tempos bons que passaram.
Abraços e beijos, meu querido amigo.
Eduarda Krass

Ana Freire disse...

Que crónica deliciosa!!! Hoje tal episódio pareceria pura ingenuidade... mas um rádio de pilhas em 1958, deveria ser considerado o supra sumo da tecnologia portátil...
Adorei ficar a saber esta adorável história do Rei Pelé!
Um beijinho, estimando que se encontre bem! Bom fim de semana!
Ana

CÉU disse...

Olá, querido Jorge!

Gostei muito da história de Pelé, O Rei.
O mundo está tão diferente, agora, e para pior, infelizmente.

Beijos e um grande abraço.