sábado, 4 de abril de 2009

Ninguém é perfeito

Ela

















Tinha cinquenta e sete anos de idade. Ela, vinte e cinco.
Todo mundo ajuizado costuma dizer que estas ligações não costumam dar certo. Ele mesmo estava cansado de saber, mas não soube como resistir aos encantos da bela jovem de corpo esguio, cabelos castanhos bem claros, olhos de quem estava pedindo algo. Ninguém discordava que era linda.
Apartamento com todo o conforto, ambos tinham recursos para isso, passaram os dois primeiros meses como se estivessem no paraíso. Caminhadas pela manhã, depois um lanche leve. Cereais, frutas e a moda do chá verde, variando com o branco, antes de tomarem um gostoso banho frio juntos. Começavam e acabavam os seus dias muito bem. Exigente e vigorosa na cama, não tinha razões para reclamar do parceiro.
No primeiro encontro com os amigos e amigas dela, a primeira paulada na cabeça. Tosos bem jovens, e embora fosse alvo de muitas atrações, o homem sentiu-se como um objeto de observações. Um moleque mais atrevido dava em cima da mulher o tempo todo, sem se preocupar com ele.
Deu sorte. Um dos presentes, percebendo a situação delicada, deu um leve esbarrão no assanhado. Como era conhecido, e já capitão do Exército, o folgado bateu em retirada. Foi a primeira vez. A esta sucedeu-se outra, mais outra, uma mais... Nunca viu atitude da companheira que repelisse tal fato. Perguntou o motivo. Nada, resposta de quem está acostumada com trapalhadas.
Naturalmente que no sexto mês, o que já era um recorde, as relações estavam bastante comprometidas, e ele cada vez mais apaixonado. Acordava cedo para ver aquele belo corpo nu, formas perfeitas, cabelos sobre os seios, boca sensual, nariz esculpido. Várias vezes ele perguntou se tudo não era um sonho. Sonho que havia com o tempo se transformado em pesadelo.
Até acontecer o inevitável. Flagrou-a gozando alucinadamente com outro. Não foi visto, havia entrado sem fazer barulho e o entusiasmo dos dois não permitiu que eles vissem nada. Qualquer um teria resolvido o assunto ali mesmo. Ele não. Preferiu sair como entrou. Se tivesse juízo, poder de decisão, mesmo com esta atitude equivocada poderia ter resolvido a questão de duas formas. Ou conversava com ela, com uma bebida leve para não atrapalhar, ou dava-lhe umas porradas e expulsava de casa.
Não fez nem uma coisa nem outra. A paixão imbecilizara o homem, que pensou na vingança, na vingança com sangue. Sabedora do que ele era capaz, ela não seria mais audaciosa e a fidelidade viria por coação, como se isto fosse possível. Não ficaria sem aquela mulher de jeito nenhum. O amor desmedido havia transformado aquele homem num idiota, como já aconteceu tantas vezes na face desta Terra.
Um chefe da segurança de um condomínio próximo tinha fama de não ser lá de muitos bons bofes. Combinou tudo com o homem. Sabia que o namoradinho corria na areia da praia muito cedo, antes mesmo do dia estar completamente claro. O que não sabia era que a mulher de quando em vez acompanhava o namorado. Também não explicou a questão muito bem ao matador, que deu um certeiro tiro de Smith K. 38 na cabeça da mulher, deixando o local rapidamente, de moto, enquanto o rapaz tentava socorrer a moça inutilmente.
O segurança tomou café rápido, aguardou a hora combinada e foi buscar o resto do dinheiro. Quando contou que havia atirado na mulher, um desespero apoderou-se do homem que já havia entregue o resto do dinheiro. Louco, avançou com uma garrafa de cristal em cima do matador. Não conhecia nada de lutas, sentiu apenas a dor forte no peito. O externo havia sido quebrado, morte na hora com o violento soco do assassino, que murmurou baixo: “sujeitinho idiota”.
E foi-se embora.

4 comentários:

Alan disse...

Narrativa rápida e concisa, dando dinamismo à uma história de final inesperado.

Guilerme Jr. disse...

A crônica é o gênero mais direto da criação literária. Exige capacidade de síntese e o envolvimento total do autor. Não é como um romance que pode ser roteirizado, ou um poema que emite, num flash surreal, dimensões ocultas da realidade. O cronista pôde, nessa crônica, dar ainda um fino toque de humor, pelo título.

Carlos A Aguiar disse...

Muito bem explorada a falha humana nesta crônica. Como sempre,os inesperados finais do Jorge Sader.
Gostei.

Anônimo disse...

Ao meu olhar trata-se de um conto, que se lê ao tempo de um suspiro, por tão expressivo! Adorei. Parabéns!