sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Diante a Morte

















Diante a Morte

Os pensamentos que aquele homem experimentou, diante da morte que se aproximava por sua decisão, eram terrivelmente tumultuados.
Aborrecido com a vida em si, já não ligava mais para o mundo que o cercava. Não tinha doença terminal; a família sempre foi companheira. Muito amiga e solidária com o já velho homem que gostava de ler no parque próximo.
O primeiro local que pensou para por termo à vida foi ali. Desistiu tão logo viu as crianças brincando. Um tiro faz muito barulho. Alguma criança iria ver, seria um choque.
Fechou o livro que fingia ler, enquanto preparava mentalmente a famosa carta do suicida, quando este a faz. Ninguém era culpado, de nenhuma forma não havia pessoa ou pessoas que o levassem ao gesto extremo. Doaria todos os seus órgãos que sobrassem do estrago do tiro. Resolveu que hoje seria o seu dia, que encerraria a passagem pela terra já completamente sem graça.
Caminhou lentamente, os pensamentos mais negros cada vez tomando conta da sua mente. Sim, a arma era boa. Não iria falhar no momento exato. Dizem que feito o disparo, ainda que no coração, estraçalhando os ventrículos principalmente, a morte não é imediata. Ele sabia disso. Tinha um medo. Medo terrível de ainda ficar consciente depois do disparo, e arrependimento de tal gesto. E se ele quisesse viver? De nada mais adiantava, a morte era certa. Este fato deve piorar muito a angústia de quem vai matar-se.
Chegando a casa, tomou um banho ligeiro. Não queria ser lavado por outrem, sem saber que isso aconteceria na autópsia. Examinou a pistola e ficou olhando a máquina de aço, negra, feia, atemorizante.
A carta, pensou. Não a redigira. Só de bermudas, começou a despedida. Interessante, a mão não tremia.
Súbito, um barulho infernal na rua. Choque de carros, gritos, desespero. Olhou o que se passava da janela. Quando viu os ferros retorcidos, lembrou-se do que estava para fazer. Abriu a porta correndo, os dois automóveis estavam amassados e o cheiro de gasolina era forte. Olhou o chão. Gasolina por toda parte, e uma criança presa nas ferragens gritava. Ele gritou mais alto, pedindo aos porteiros dos prédios próximos que usassem as mangueiras de lavar calçadas, proibidas mas ainda usadas, e dessem um banho longo nos automóveis e na rua. O perigo de incêndio era grande. Imediatamente a água jorrou pelos dois automóveis.
O menino que berrava, conforme ele pode constatar, aparentemente estava só com um corte na testa. Sem muito esforço, ele o retirou e levou para a calçada. Parecia simples, só o sangue assustava. Cortes na testa costumam sangrar muito. Rua cheia, ninguém morto e médicos que moravam nas proximidades já examinavam os outros feridos, aguardando a ambulância dos Bombeiros. Uma senhora, de acordo com um médico, estava com a costela quebrada.
O barulho não tinha sido tão grande assim, e os ferros retorcidos só foram visto pelo escritor da última carta, que logo voltou a casa, queimou-a e guardou a arma.
Ele hoje é monge capuchinho. Segundo me disse seu superior, já convenceu muitos e muitos que estão desesperados, assim como um dia ele esteve, a procurarem ajuda, além da que ele mesmo fornece com eficácia e ardor.
Anda feliz, barbado, com suas mãos fortes e santificadas.

13 comentários:

Mel Racional disse...

Brilhante!
A cada dia tenho certeza de quem nos orientam lá de cima! Os Protetores, o Guia pessoal de cada vivente estão apostos para se cumprir a vida na experiência individual e crescer o Ser Racional, o que um dia usou o livre arbítrio e buscou este universo deformado. Está havendo o retorno natural de cada um!
Um lindo abraço para você amigo, adorável!
Mel Racional

marcia disse...

Jorge,que bela leitura me proporcionou logo pela manhã..Obrigada........jus

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Sensacional, Jorge. Uma lição de otimismo e amor à vida. Meu abraço e meus parabéns.

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Essa sua crônica, deixa o leitor intrigado, além dum final inesperado,PARABÉNS!
Efigênia Coutinho

Rita Lavoyer disse...

É, algumas barbaridades acontecem justamente para impedir outras.
O problema do suicida é justamente entender para que ele serve.
A vida responde.

Abração

Unknown disse...

JORGE: Adorei!!! simplesmente magnífico, uma lição de vida.
abs. sandra

lino disse...

Tudo está bem quando acaba bem!
Abraço

Anônimo disse...

Querido Jorge!

Interessante crônica, deixa no ar a inquietude do porquê de alguns finais.

Muito bonito desfecho. Parabéns.
Beijossssssss

Petuninha disse...

Não foi minha intenção comentar-te como anônima. Aconteceu. KKKKKKKKKK
Beijos da Petuninha.

Ana disse...

Magnifico!
Como sou apaixonada pela vida, mesmo quando ela triste, fui triste com amor, pq tudo passa e ate a tristeza vale apena aproveitar. A dor sempre tem algo para ensinar.
Amei!!
Enlanço-me a ti poeta!

Xero

Ana

Eliana disse...

Extraordinário Jorge, fica com Deus, tenha um ótimo dia!!! Beijos

Eliana disse...

Oi jorge, obrigada pela visita, adorei seu comentário. Tenha uma ótima noite!!! Beijos

Maria Luzia Fronteira disse...

Bela intervenção my friend com um fim inesperado e emocionante, como diz o ditado sábio e antigo" há males que vêm para bem"...
...e vale a pena reforçar esta expressão devido à curta e bela descrição:
"Examinou a pistola e ficou olhando a máquina de aço, negra, feia, atemorizante."

Abraços
Manuela