sexta-feira, 18 de julho de 2014

João Ubaldo Ribeiro

   

            Parto para o sacrifício.  Conscientemente.
            Adoro e leio as crônicas de Ubaldo.  Direto, objetivo, sempre seguindo linha própria e inteligente.  Não é assim com o autor romancista, e tenho a coragem de afirmar isto.  Vamos com paciência e por partes.
            Os livros por ele publicados têm muitos falsos pecados.  Mesmo “Memórias do Sargento Getúlio”, que me parece o mais simples de ser entendido, dá trabalho ao leitor.
            O meu caro literato prima por ser prolixo e confuso, embora muito rico.  Seus romances, quase sempre, afastam o leitor contemporâneo, que admira a clareza e repudia o gongorismo.  Assim é que Ubaldo, talvez querendo bater “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freire, escreveu “Viva o Povo Brasileiro”, um livro muito ingrato de ser apreciado.  Dito como um dos mais importantes livros da literatura brasileira é difícil de ser lido.
            Complicado na linguagem, que Ubaldo teima em usar, talvez pela sua forte influência de Vieira.  Com custo, para estudo somente, o livro é lido por causa dos comentários que recebeu.   Precisa de uma dose de paciência muito grande para ser digerido.  Por cima de tudo, com mais de setecentas páginas.  Um abuso literário, dos maiores.  Ao mesmo tempo, fabuloso.  Entenda-se!
            Dirão todos: “um cronista idiota querendo criticar um de nossos grandes autores.” Não!  Pretendo apenas falar, dizer que respeito profundamente João Ubaldo Ribeiro, mesmo em “Viva o Povo...” Li todo, à custa de sacrifício, que o autor poderia me ter poupado.  Não seguiu as sagradas regras, atrapalhou tudo e criou um livro para intelectuais, mas riquíssimo.
            Talvez seja idiotice minha, admito.  Mas, no momento, quero ver quem encara um tijolo daqueles sem reclamar.
            O exagero de Ubaldo é a simplicidade de Guimarães Rosa e Jorge Amado.  A simplicidade e objetivo acima de tudo.   Acaso  isso diminui o autor? De modo algum.  Literatura é assim mesmo, quando é de qualidade.  Ninguém lê os Irmãos Karamazov impunemente.  Dostoiévski é autor difícil, escreveu numa época em que o mundo não tinha pressa.  Quando digo chato, quero me referir a difícil.

            Ubaldo ganhou o prêmio Camões, o maior da língua portuguesa.  Não teve dúvida em afirmar que “se ganhei é porque mereci”.  Como mereceu, João, como mereceu...

10 comentários:

Unknown disse...

Concordo contigo, Jorge, também acho João Ubaldo Ribeiro prolixo.Confesso que o li obrigada, quando era professora de Literatura, e me tomou muito tempo,,embora eu seja uma leitora constante e contumaz (jamais abando um livro sem tê-lo lido até o fim). Mas também só li "Viva o povo brasileiro". De mais a mais queria dedicar-me também à leitura de literatura estrangeira para a qual quase não me sobrava tempo. Abrs Mardilê

Celso Panza disse...


Jorginho, atendo seu convite com prazer e com a franqueza de sempre que vc conhece. Não há gongorismo em João Ubaldo, é bastante centrar a definição do vocábulo gongórico, de onde veio e como deve ser explicado, etiologicamente. Creio ao revés, como dizia seu primo Jalcyr, quem escreve não escreve para analfabeto ou com disfunção de apreensão na leitura, o que é gigantesco nesse Brasil que nem jornal e as excelentes crônicas do Ubaldo são lidas por números expressivos. A internet atesta essa calamidade do déficit intelectual. Seus romanceados são alongados, concordo, já me manifestei sobre isso, foi um grande regionalista e famoso carioca honorário e já indicam dar ao Leblon na parte em que vivia e frequentava de Baixo Itaparica, com estátua e tudo.

o PT se livrou de um emérito algoz de forte adjetivação, é uma pena nessa época em que dicções de sua envergadura eram absolutamente necessárias de forma dominical como acontecia. Abraço. Celso

Michelle Louzeiro Nazar disse...

Amigo, seu post foi um belo registro do trabalho desse grande autor que infelizmente perdemos... Hoje li que ele tinha como método de escrita trabalhar na madrugada...Era mais calmo e motivador para ele. Passei a admirá-lo ainda mais, pois denota a personalidade ímpar dele... Abraços e parabéns pelo post.

Célia disse...

Segui reportagens desse acontecimento, meu caro Jorge... e, infelizmente, concluo o que já sabemos: país sem memória cultural, sem incentivo à leitura, onde grassa o analfabetismo linguístico e funcional! Passa batido. Na internet, ou nos jornais, poucos leem suas expressivas crônicas que retratam o cotidiano. Isso sem falar em seus livros! Acho que não o culpo por ter morrido e nos deixado órfãos culturalmente. Culpo os que não lhe deram o devido valor para adquirir conhecimento. Ele, em sua simplicidade, pouco aparecia na ABL. Não era afeito à pompas. Era elegantemente, uma pessoa culta que se misturava entre nós, ausentando-se de destaques. Deixa uma obra valiosa. Não morrerá nunca. As "letras" o representarão sempre.
Abraço.

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Não li "Viva o povo brasileiro", mas "Sargento Getúlio" foi pedreira chegar até o fim. Incompetente para avaliar a estatura do João Ubaldo romancista, só o cronista já dava e sobrava pra merecer imortalidade. Grande e irreparável perda.

Caio Martins disse...

Grande perda para a literatura brasileira... Nivelava por cima, pela excelência, fugindo da mediocridade e da imbecilização geral que assola o país. Fará muita falta...

Shirley Brunelli disse...

Cronista idiota não! Você disse o que teve vontade de dizer, com muita classe e propriedade.
Jorge, beijo!

Selma Barcellos disse...

Precisos e preciosos os comentários de Celso Panza e Caio Martins.
Gosto imenso dos livros de Ubaldo e acho que a suposta 'dificuldade' em lê-lo reside na linha que separa os escritores de pequeno brilho, os medíocres (mas recordistas de venda), dos merecedores de um Prêmio Camões. Sem contar com a cara a tapa, a não-omissão em criticar "tudo isso que aí está" em suas crônicas dominicais em "O Globo". Ele e Ferreira Gullar, dois queridos guerreiros.

Zilani Célia disse...

OI JORGE!
FIZESTE UMA CRÔNICA SINCERA E CORAJOSA, DISSESTE O QUE TE FOI NA ALMA, DANDO A QUEM O QUEIRA, O DIREITO DE DISCORDAR.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/

Carmem Velloso disse...

As crônicas que Ubaldo escreveu são todas formidáveis. Ficam sem publicação? Ora, a perda é maior ainda.
Boa abordagem, Jorge!
Beijos.
Carmem